Mariana
Mortágua – Jornal de Notícias, opinião
A
"festa do Pontal" não é uma rentrée, mas uma espécie de réveillon.
Romantiza-se o passado, para nunca admitir que as resoluções do ano anterior
falharam redondamente, e repetem-se as falsas promessas de sempre, tão vagas
quanto possível, para que o seu cumprimento seja de difícil cobrança. O que
Passos Coelho pediu ao país, no Pontal, foi que se entregasse a um exercício
coletivo de negação sobre os últimos quatro anos e embarcasse na sua prodigiosa
fantasia de noite de ano novo.
"A
economia já não vive de endividamento". A dívida pública subiu 24 pontos
percentuais (fechou 2014 em 130% do PIB quando o memorando previa um máximo de
114%). A dívida privada reduziu-se em cerca de 37 mil milhões. Mas o
endividamento total do setor privado não financeiro mantém-se nos 412 mil
milhões de euros. A economia portuguesa não só continua a viver endividada como
canalizará para o seu pagamento a maior parte dos seus recursos nas próximas
décadas. A par disto, não esqueçamos o estrondoso aumento do crédito às famílias
nos últimos meses. Nada mudou do ponto de vista estrutural a este nível.
"Resolvemos
o problema externo". Mas a dívida exterior continua acima dos 400 mil
milhões de euros, e aumentou entre dezembro de 2014 e março de 2015. As
exportações aumentaram, é verdade, em linha com o que aconteceu em toda a
Europa. As importações reduziram, em linha com o aumento da pobreza e da
emigração. Mas de cada vez que a procura interna aumenta (e é ela que sustenta
o PIB), as importações crescem mais que as exportações e o défice reaparece.
Nada mudou do ponto de vista estrutural a este nível.
"Não,
a pobreza não aumentou". É a própria Cáritas que o diz, Portugal foi o
país em que mais aumentou o risco de pobreza e de exclusão social. Mais de 2
milhões são pobres e, segundo o INE, estão mais longe de deixar de o ser. A
pobreza extrema é maior.
"Conseguimos
reduzir o desemprego". No segundo trimestre de 2011 havia 4 milhões e 799
mil pessoas empregadas. Hoje são menos 218 mil.
"Hoje
vive-se melhor em Portugal". Mas a percentagem de trabalhadores a receber
o salário mínimo aumentou 70%. Não basta os desempregados, 20% das pessoas
empregadas sobrevivem com 500 euros por mês.
A
pobreza, o desemprego e a redução dos salários. São estas as verdadeiras
reformas estruturais conseguidas. São as promessas nunca feitas, mas cumpridas.
O resto são discursos de réveillon, 12 desejos ao sabor de 12 passas, todos
gastos a pedir por uma amnésia generalizada que apague o mal estrutural que
este Governo causou ao país.
*Deputada
do BE
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