sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Angola. Presos políticos. GREVE DE FOME: O RELÓGIO NÃO PÁRA



Aline Frazão – Rede Angola, opinião

Depois das primeiras 72 horas, a aflição da fome tende a desaparecer. A partir do terceiro dia, o corpo começa a transformar as reservas musculares em energia para poder funcionar. Os níveis de potássio e de outras vitaminas vai baixando para níveis críticos. O corpo perde gordura e massa muscular. Depois de duas semanas, aumentam as tonturas, calafrios, fraqueza, falta de coordenação motora e tensão baixa. Os baixos níveis de vitamina B1 podem causar danos neurológicos. Quatro semanas depois, existe o risco desses danos serem irreversíveis. O perigo de morte é elevado.

As greves de fome são um protesto extremo. Historicamente, foram usadas como o último recurso usado por activistas políticos para conseguir os seus objectivos. Destacam-se os casos de Mahatma Gandhi que, mais de uma vez usou com sucesso esta forma de resistência pacífica, e da greve de fome dos sete presos políticos irlandeses, do IRA, em 1981, que terminou com a sua morte.

O objectivo de se fazer uma greve de fome é, fundamentalmente, pressionar o lado oposto, colocando a responsabilidade pela sobrevivência dos manifestantes nas mãos do poder, na esperança que surja algum sentimento de culpa ou compaixão. Isto só se consegue, normalmente, se existir uma enorme corrente na sociedade civil e opinião pública que leve as autoridades a ouvir e negociar com quem está em greve de fome, de forma a preservar as suas vidas e evitar o pior desfecho.

Já é sabido que, à meia-noite do dia 21 deste mês, quatro dos presos políticos angolanos deram início a uma greve de fome. A notícia caiu como uma bomba de desespero e indignação entre todos aqueles que se preocupam, de facto, com este caso que tem marcado intimamente a nossa realidade política.

O cenário não é optimista. Do lado do poder, há semanas que se joga o jogo do silêncio e parece haver pouca preocupação com a saúde física e psicológica dos activistas, confinados em pequenas celas solitárias há mais de 90 dias, alguns deles com graves problemas de saúde.

Este tipo de protesto só faz sentido quando do outro lado existe o mínimo de bom-senso e genuína preocupação com a vida e com os direitos humanos. Caso contrário, a resistência pacífica pode ser uma decisão calamitosa, por mais honrada e respeitável que seja.

Quero, mais uma vez, confiar que em Angola haverá, bem lá no fundo, essa preocupação, nem que seja pela imagem que se passa lá para fora, da qual será cada vez mais difícil escapar. Pessoalmente, não quero mais páginas de luto na história do meu país e acredito que o diálogo é possível, tendo a lei e a Constituição da República como mediadores o mais isentos possível. Não hesito um só segundo em pensar que uma solução é possível. Dela só depende haver vontade política.

Usaria todas as mais poderosas e honestas palavras, se soubesse, se conseguisse, para apelar mais uma vez ao bom-senso das autoridades. Libertem estes jovens, prossigam com a investigação que entenderem até haver provas que justifiquem este calvário. Evitem uma tragédia. Não queremos mártires. Queremos estes jovens livres para exercerem a sua cidadania com energia e contribuírem para um país melhor para todos, mais justo para todos, com espaço para todos.

O relógio, esse, não para. E se tivesse poderes especiais, viajaria até às suas celas e diria, bem perto dos seus ouvidos: “Resistam. Não estão sozinhos.”

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