A
revista britânica The Economist considera que as íntimas e nada transparentes
ligações do clã Eduardo dos Santos com empresas brasileiras estão a preocupar o
dono de Angola e, por consequência, a estrutura generalícia que está no poder
há 40 anos.
“As
ligações com o Brasil e o papel que companhias como a Odebrecht e a Petrobras
tiveram na reconstrução e desenvolvimento do país a seguir à guerra civil, e a
extensão do contacto pessoal entre o Brasil e o Presidente de Angola, José
Eduardo dos Santos, e a elite das autoridades, parece apresentar um novo risco
para a reputação” do país, escrevem os peritos da unidade de análise económica
da revista britânica The Economist.
Na
nota enviada aos investidores, os analistas acrescentam que para além do risco
reputacional (que é coisa que não preocupa o regime), Angola enfrenta ainda o
risco de os investimentos brasileiros no sector da construção poderem
abrandar devido às consequências das investigações em curso no Brasil, não só
sobre o mega-processo Lava-Jato, mas também sobre alegadas más práticas das
construtoras brasileiras em África.
“Além
do mais, se as investigações no Brasil levarem a uma redução das operações
domésticas destas empresas, isto pode ter um efeito negativo no sector da
construção em Angola, que já está a abrandar por causa dos cortes na despesa
pública causadas pela descida do preço do petróleo, uma fonte fundamental na
receita do Estado”, escrevem os analistas da Economist Intelligence Unit
(EIU).
Na
análise às consequências das investigações à conduta das empresas brasileiras,
nomeadamente subornos e lavagem de dinheiro (algo que faz parte do ADN do
regime de Eduardo dos Santos), para além de uma análise da gestão dos
empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), a EIU afirma que
Angola está “inquieta”, lembrando que a Petrobras e dois gigantes da
construção, a Odebrechet e a Andrade Gutierrez, que estão sob investigação por
alegadas irregularidades financeiras, “estão por trás de vários grandes
projectos em Angola, uma boa parte dos quais foram financiados pelo BNDES”.
A
Odebrecht, lembra a EIU, está em Angola desde os anos 80, com contratos em
vários sectores, incluindo a construção, a indústria agro-alimentar e as minas,
sendo o maior empregador privado em Angola.
O
director executivo da construtora, Marcelo Odebrecht, foi formalmente acusado
no Brasil, em Julho, de corrupção e de lavagem de dinheiro, e foi também
condenado pelos tribunais brasileiros de importar ilegalmente trabalhadores
para Angola, onde eram “forçados a trabalhar em condições desumanas”, diz a
EIU.
Um
dos executivos brasileiros preso na operação Lava-Jato, admitiu em depoimento
à polícia que aceitou pagar subornos. Seja como for, a corrupção só leva a
prisões em países que são aquilo que Angola não é: democracias e Estados de
Direito.
De
acordo com o diário brasileiro “Folha de São Paulo”, o director de Óleo e Gás
da construtora Galvão Engenharia, Erton Medeiros Fonseca, disse que o
pagamento ilegal foi feito após ter recebido ameaças de que, caso não o
fizesse, a sua empresa seria prejudicada nos contratos já em andamento.
A
principal ameaça seria a de que os pagamentos, por obras já realizadas, seriam
suspensos. O director negou, no entanto, que a empresa tenha formado cartéis
com outras firmas ou que tenha pagado o suborno para ganhar concursos
públicos.
Ainda
segundo o empresário, as ameaças foram feitas pelo ex-director de
Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, e o “doleiro” Alberto Youssef,
ambos também presos no âmbito da mesma operação.
A
operação Lava-Jato foi desencadeada em Março de 2014, tendo como alvo uma
quadrilha especializada no envio e branqueamento de dinheiro para o exterior,
que incluía “clientes” do tráfico internacional de drogas, contrabando de
pedras preciosas e corrupção de agentes públicos.
Durante
as investigações a Polícia descobriu o envolvimento de um ex-director da
Petrobras com o “doleiro”
responsável pelos envios, e a empresa passou a ocupar o centro da operação,
com a identificação de outros envolvidos.
Tanto
o “doleiro” Alberto Youssef, quanto o ex-director da Petrobras, Paulo Roberto
Costa, admitiram o envolvimento no esquema e fizeram um acordo de delação
premiada com o Ministério Público que tem levado a novas prisões.
Em
Novembro do ano passado, 23 executivos de empresas ligadas ao ramo da
construção foram presos no âmbito da mesma operação. Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht,
UTC, Queiroz Galvão, Engevix, Mendes Júnior, Galvão Engenharia e Óleo e Gás,
estão todas no mesmo saco. Os sucessivos escândalos revelam que há alterações,
embora não se saiba se tudo não vai acabar em águas de bacalhau, nessa
peregrina ideia de querer pôr, seja em Portugal, Brasil, Angola ou
Timor-Leste, os corruptos a lutar contra a corrupção.
O
combate à corrupção de uma forma geral e na Lusofonia em particular, continua –
mesmo assim – a apresentar resultados mais baixos do que seria de esperar.
Apesar dos “esforços”, traduzidos na produção de legislação, muitas das leis
estão viciadas à nascença, com graves defeitos de concepção e formatação, o
que as torna ineficazes. De facto, não tanto de jure, o combate à corrupção
está enfraquecido por uma série de deficiências resultantes da falta de uma
estratégia internacional de combate a esta criminalidade complexa. Nenhum
Governo até hoje estabeleceu, objectivamente, uma política de combate à
corrupção no seu programa eleitoral, limitando-se apenas a enumerar um
conjunto de considerandos vagos e de intenções simbólicas. Isso nos que se dão
ao luxo de falar de corrupção.
Mas
do que é que estávamos à espera? Que os corruptos lutassem contra a corrupção
que, aliás, é uma das suas mais importantes mais-valias? E mesmo que
anunciassem medidas, nunca seriam para cumprir.
Quase
todas as iniciativas legislativas tomadas não têm travado a corrupção, nem têm
diminuído o destaque desde fenómeno na comunicação social, nem têm alterado a
percepção sobre a incidência e extensão da corrupção nas diferentes
sociedades.
Em
matéria de Imprensa, reconheça-se a nossa incapacidade (mais de uns do que
outros, obviamente) em acompanhar o que se passa a montante, isto é, os
processos de produção de legislação. Raramente se denuncia a má qualidade dos
diplomas, muitos deles concebidos para tornar as vítimas culpadas até prova em
contrário.
Na
política existe uma total irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores e
as promessas de combate à corrupção são cobertas por leis que permitem o
branqueamento de capitais e por declarações de rendimentos (quando existem) de
interesses que não correspondem à realidade.
Somados,
estes factores resultam na falta de honestidade para com os cidadãos e pela
falta de sancionamento das irregularidades praticadas pelos políticos.
Para
acabar com esta realidade, sugere-se em Portugal – por exemplo – uma maior
fiscalização da parte do Parlamento (também ele o alfobre da corrupção) aos
registos de interesses de deputados e membros do Governo, bem como o
alargamento do regime de incompatibilidades aos membros que integram os
gabinetes governamentais.
Os
portugueses, mais do que os brasileiros, têm a lata de criticar a corrupção em
Angola, quase esquecendo que os poderosos donos do país aprenderem (e se
calhar até já são melhores) com os mestres portugueses.
Ao
nível simbólico, abstracto, toda a gente condena a corrupção, mas ao nível
estratégico, no quotidiano, as pessoas acabam por pactuar com a corrupção,
até nos casos mais graves, de suborno, como diz o politólogo Luís de Sousa,
co-autor, com João Triães, do livro “Corrupção e os portugueses: Atitudes, práticas
e valores”. Não sei o que se chamará ao facto de quando alguém se candidata a
um emprego lhe perguntarem a filiação partidária. Será corrupção? E quando
dizem que “se fosse filiada no partido teria mais possibilidades”? Ou quando
se abrem concursos para cumprir a lei e já se sabe à partida quem vai ocupar o
lugar?
“A
estrutura de poder actual é, basicamente, a estrutura de poder do doutor
Oliveira Salazar. É uma estrutura que se mantém e nos asfixia”, diz Paulo
Morais (candidato a Presidente da República em Portugal), realçando que,
enquanto perdurar esta lógica, “os grandes interesses ficam na mão do grande
capital”.
E
quem tem força para contrariar o sistema sem, quando der por isso, estar
enredado dos pés à cabeça, encostado à parede, com a vida (para já não falar do
emprego) em perigo?
Nesta
matéria as similitudes entre Portugal, Brasil e Angola são mais do que muitas. Afirmar que os níveis de corrupção existentes em Angola superam tudo o que se
passa em África, conforme relatórios de organizações internacionais e
nacionais credíveis, é uma verdade que a comunidade internacional, Portugal e
Brasil incluídos, reconhece mas sem a qual não sabe viver. Isto para além da
falta de moral para falar do assunto.
Aliás,
basta ver como os políticos e as grandes empresas, portuguesas e brasileiras,
investem forte no clã Eduardo dos Santos como forma de fazerem chorudos
negócios… até com a venda limpa-neves.
Com
este cenário, alguém se atreverá a dizer ao dono do poder angolano, José Eduardo
dos Santos, que é preciso acabar com a corrupção? Alguém se atreverá a
dizer-lhe que ou acaba com a corrupção ou a corrupção acaba com Angola?
Seja
como for, a corrupção pode ser uma boa saída para qualquer a crise. Isto
porque, como demonstraram os empresários portugueses, brasileiros e angolanos,
é muito mais fácil negociar com regimes corruptos do que com regimes
democráticos e, sobretudo, sérios.
Folha
8 digital, 19.09.2015
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