segunda-feira, 21 de setembro de 2015

BRASIL & ANGOLA. CORRUPTOS E FELIZES, FELIZES E CORRUPTOS OU MERAS COINCIDÊNCIAS?



A revista bri­tânica The Economist considera que as ínti­mas e nada transparentes ligações do clã Eduardo dos Santos com empresas brasileiras estão a preocupar o dono de Angola e, por conse­quência, a estrutura gene­ralícia que está no poder há 40 anos.

“As ligações com o Brasil e o papel que companhias como a Odebrecht e a Pe­trobras tiveram na recons­trução e desenvolvimento do país a seguir à guerra civil, e a extensão do con­tacto pessoal entre o Brasil e o Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, e a elite das autoridades, pa­rece apresentar um novo risco para a reputação” do país, escrevem os peritos da unidade de análise eco­nómica da revista britânica The Economist.

Na nota enviada aos inves­tidores, os analistas acres­centam que para além do risco reputacional (que é coisa que não preocupa o regime), Angola enfrenta ainda o risco de os inves­timentos brasileiros no sector da construção po­derem abrandar devido às consequências das investi­gações em curso no Brasil, não só sobre o mega-pro­cesso Lava-Jato, mas tam­bém sobre alegadas más práticas das construtoras brasileiras em África.

“Além do mais, se as inves­tigações no Brasil levarem a uma redução das ope­rações domésticas destas empresas, isto pode ter um efeito negativo no sector da construção em Ango­la, que já está a abrandar por causa dos cortes na despesa pública causadas pela descida do preço do petróleo, uma fonte funda­mental na receita do Esta­do”, escrevem os analistas da Economist Intelligence Unit (EIU).

Na análise às consequên­cias das investigações à conduta das empresas brasileiras, nomeadamen­te subornos e lavagem de dinheiro (algo que faz par­te do ADN do regime de Eduardo dos Santos), para além de uma análise da gestão dos empréstimos do Banco Nacional de De­senvolvimento (BNDES), a EIU afirma que Angola está “inquieta”, lembran­do que a Petrobras e dois gigantes da construção, a Odebrechet e a Andrade Gutierrez, que estão sob investigação por alegadas irregularidades financei­ras, “estão por trás de vá­rios grandes projectos em Angola, uma boa parte dos quais foram financiados pelo BNDES”.

A Odebrecht, lembra a EIU, está em Angola des­de os anos 80, com con­tratos em vários sectores, incluindo a construção, a indústria agro-alimentar e as minas, sendo o maior empregador privado em Angola.

O director executivo da construtora, Marcelo Ode­brecht, foi formalmente acusado no Brasil, em Ju­lho, de corrupção e de la­vagem de dinheiro, e foi também condenado pelos tribunais brasileiros de importar ilegalmente tra­balhadores para Angola, onde eram “forçados a tra­balhar em condições desu­manas”, diz a EIU.

Um dos executivos brasi­leiros preso na operação Lava-Jato, admitiu em de­poimento à polícia que aceitou pagar subornos. Seja como for, a corrupção só leva a prisões em países que são aquilo que Angola não é: democracias e Esta­dos de Direito.

De acordo com o diário brasileiro “Folha de São Paulo”, o director de Óleo e Gás da construtora Gal­vão Engenharia, Erton Me­deiros Fonseca, disse que o pagamento ilegal foi feito após ter recebido ameaças de que, caso não o fizesse, a sua empresa seria preju­dicada nos contratos já em andamento.

A principal ameaça seria a de que os pagamentos, por obras já realizadas, seriam suspensos. O director ne­gou, no entanto, que a em­presa tenha formado car­téis com outras firmas ou que tenha pagado o subor­no para ganhar concursos públicos.

Ainda segundo o empre­sário, as ameaças foram feitas pelo ex-director de Abastecimento da Petro­bras, Paulo Roberto Costa, e o “doleiro” Alberto Yous­sef, ambos também presos no âmbito da mesma ope­ração.

A operação Lava-Jato foi desencadeada em Março de 2014, tendo como alvo uma quadrilha especiali­zada no envio e branquea­mento de dinheiro para o exterior, que incluía “clien­tes” do tráfico internacio­nal de drogas, contrabando de pedras preciosas e cor­rupção de agentes públi­cos.

Durante as investigações a Polícia descobriu o en­volvimento de um ex-di­rector da Petrobras com o “doleiro” responsável pe­los envios, e a empresa passou a ocupar o centro da operação, com a iden­tificação de outros envol­vidos.

Tanto o “doleiro” Alberto Youssef, quanto o ex-di­rector da Petrobras, Paulo Roberto Costa, admitiram o envolvimento no esque­ma e fizeram um acordo de delação premiada com o Ministério Público que tem levado a novas pri­sões.

Em Novembro do ano pas­sado, 23 executivos de em­presas ligadas ao ramo da construção foram presos no âmbito da mesma ope­ração. Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht, UTC, Queiroz Galvão, Engevix, Mendes Júnior, Galvão En­genharia e Óleo e Gás, es­tão todas no mesmo saco. Os sucessivos escândalos revelam que há altera­ções, embora não se saiba se tudo não vai acabar em águas de bacalhau, nessa peregrina ideia de querer pôr, seja em Portugal, Bra­sil, Angola ou Timor-Leste, os corruptos a lutar contra a corrupção.

O combate à corrupção de uma forma geral e na Lusofonia em particular, continua – mesmo assim – a apresentar resultados mais baixos do que seria de esperar. Apesar dos “esforços”, traduzidos na produção de legislação, muitas das leis estão vi­ciadas à nascença, com graves defeitos de concep­ção e formatação, o que as torna ineficazes. De facto, não tanto de jure, o com­bate à corrupção está en­fraquecido por uma série de deficiências resultantes da falta de uma estratégia internacional de combate a esta criminalidade com­plexa. Nenhum Governo até hoje estabeleceu, ob­jectivamente, uma política de combate à corrupção no seu programa eleito­ral, limitando-se apenas a enumerar um conjunto de considerandos vagos e de intenções simbólicas. Isso nos que se dão ao luxo de falar de corrupção.

Mas do que é que estáva­mos à espera? Que os cor­ruptos lutassem contra a corrupção que, aliás, é uma das suas mais importan­tes mais-valias? E mesmo que anunciassem medidas, nunca seriam para cum­prir.

Quase todas as iniciativas legislativas tomadas não têm travado a corrupção, nem têm diminuído o des­taque desde fenómeno na comunicação social, nem têm alterado a percepção sobre a incidência e exten­são da corrupção nas dife­rentes sociedades.

Em matéria de Imprensa, reconheça-se a nossa inca­pacidade (mais de uns do que outros, obviamente) em acompanhar o que se passa a montante, isto é, os processos de produção de legislação. Raramente se denuncia a má qualidade dos diplomas, muitos deles concebidos para tornar as vítimas culpadas até prova em contrário.

Na política existe uma to­tal irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores e as promessas de combate à corrupção são cobertas por leis que permitem o branqueamento de capitais e por declarações de rendi­mentos (quando existem) de interesses que não cor­respondem à realidade.

Somados, estes factores re­sultam na falta de honesti­dade para com os cidadãos e pela falta de sanciona­mento das irregularidades praticadas pelos políticos.

Para acabar com esta rea­lidade, sugere-se em Por­tugal – por exemplo – uma maior fiscalização da parte do Parlamento (também ele o alfobre da corrupção) aos registos de interesses de deputados e membros do Governo, bem como o alargamento do regime de incompatibilidades aos membros que integram os gabinetes governamentais.

Os portugueses, mais do que os brasileiros, têm a lata de criticar a corrupção em Angola, quase esque­cendo que os poderosos donos do país aprenderem (e se calhar até já são melhores) com os mestres portugueses.

Ao nível simbólico, abs­tracto, toda a gente con­dena a corrupção, mas ao nível estratégico, no quo­tidiano, as pessoas acabam por pactuar com a corrup­ção, até nos casos mais gra­ves, de suborno, como diz o politólogo Luís de Sousa, co-autor, com João Triães, do livro “Corrupção e os portugueses: Atitudes, prá­ticas e valores”. Não sei o que se chamará ao facto de quando alguém se can­didata a um emprego lhe perguntarem a filiação par­tidária. Será corrupção? E quando dizem que “se fos­se filiada no partido teria mais possibilidades”? Ou quando se abrem concur­sos para cumprir a lei e já se sabe à partida quem vai ocupar o lugar?

“A estrutura de poder ac­tual é, basicamente, a es­trutura de poder do doutor Oliveira Salazar. É uma estrutura que se mantém e nos asfixia”, diz Paulo Morais (candidato a Pre­sidente da República em Portugal), realçando que, enquanto perdurar esta lógica, “os grandes interes­ses ficam na mão do gran­de capital”.

E quem tem força para contrariar o sistema sem, quando der por isso, estar enredado dos pés à cabeça, encostado à parede, com a vida (para já não falar do emprego) em perigo?

Nesta matéria as similitu­des entre Portugal, Brasil e Angola são mais do que muitas. Afirmar que os ní­veis de corrupção existen­tes em Angola superam tudo o que se passa em África, conforme relatórios de organizações interna­cionais e nacionais credí­veis, é uma verdade que a comunidade internacional, Portugal e Brasil incluídos, reconhece mas sem a qual não sabe viver. Isto para além da falta de moral para falar do assunto.

Aliás, basta ver como os políticos e as grandes em­presas, portuguesas e bra­sileiras, investem forte no clã Eduardo dos Santos como forma de fazerem chorudos negócios… até com a venda limpa-neves.

Com este cenário, alguém se atreverá a dizer ao dono do poder angolano, José Eduardo dos Santos, que é preciso acabar com a cor­rupção? Alguém se atreve­rá a dizer-lhe que ou acaba com a corrupção ou a cor­rupção acaba com Angola?

Seja como for, a corrupção pode ser uma boa saída para qualquer a crise. Isto porque, como demons­traram os empresários portugueses, brasileiros e angolanos, é muito mais fácil negociar com regimes corruptos do que com re­gimes democráticos e, so­bretudo, sérios.

Folha 8 digital, 19.09.2015


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