Não
culpe a China por novos terremotos financeiros. Fragilidade da economia
global tem causas profundas. Resposta convencional – cortar gastos
públicos e elevar juros – é a pior possível
Paul
Krugman – Outras Palavras - Tradução: Antonio Martins
Que
está causando as quedas abruptas das bolsas de valores? O que elas significam
para o futuro? Ninguém tem muitas respostas.
Tentativas
de explicar as oscilações diárias nos mercados são normalmente insanas: uma
pesquisa em tempo real sobre o crash de
1987 da bolsa de Nova York não encontrou evidência alguma para nenhuma
das explicações que os economistas e jornalistas ofereceram para o fato.
Descobriram, ao invés disso, que as pessoas estavam vendendo ações porque –
você adivinhou! – os preços caíam. E o mercado de ações é um péssimo guia sobre
o futuro da economia. Paul
Samuelson brincou, certa vez, que os mercados haviam previsto nove das
cinco recessões anteriores, e nada havia mudado a este respeito…
De
qualquer forma, os investidores estão claramente nervosos – e têm boas razões
para isso. Nos EUA, as notícias econômicas mais recentes são boas (ainda que
não ótimas), mas o mundo como um todo parece muito propenso a acidentes. Há
sete anos, vivemos numa economia global que tropeça de crise em crise. Cada vez
que uma parte do mundo finalmente parece colocar-se em pé, outra despenca.
Mas
por que a economia mundial continua capengando?
Na
superfície, parece uma sucessão incomum de azares. Primeiro, o estouro da bolha
imobiliária e a crise bancária desencadeada em consequência. Então, quando o
pior parecia haver passado, a Europa mergulhou numa crise
de dívidas e numa recessão em dois mergulhos. A Europa ao fim alcançou
uma estabilidade precária e começou a crescer de novo – mas agora, assistimos a
grandes problemas na China e em outros mercados emergentes, que haviam sido
pilares de força.
Contudo,
não se trata de acidentes sem relação entre si. Estamos, na verdade, vivendo o
que sempre ocorre quando muito dinheiro está em busca de poucas oportunidades
de investimento.
Mais
de uma década atrás, Ben Bernanke, então o presidente do banco central dos EUA
(FED), argumento que a disparada do déficit comercial norte-americano não era o
resultado de fatores domésticos, mas de uma “abundância
global de poupança”. Um volume de poupança muito maior que o de
investimentos – na China e em outras nações em desenvolvimento, provocado em
parte pelas políticas adotadas em reação à crise asiática dos anos 1990 –
estava deslocando-se para os EUA, em busca de lucros. Ele alertou levemente
para o fato de que o capital que entrava não estava sendo canalizado para
investimentos produtivos, mas para imóveis. É calro que o alerta deveria ter
sido muito mais forte (alguns de nós o fizemos).
Mas a sugestão de que o boom imobiliário dos EUA era em parte causado
por fraqueza em economias de outros países permanece válido.
É
claro que o boom converteu-se numa bolha, que provocou enorme estrago
ao estourar. E não foi o fim da história. Houve também uma inundação de
capitais, da Alemanha e outros países do norte da Europa, para a Espanha,
Portugal e Grécia. Isso também provocou a formação de uma bolha, cujo estouro,
em 2009-2010 precipitou a crise do euro.
E
ainda não acabou. Quando os EUA e a Europa deixaram de ser destinos atraentes
para o capital [devido à redução das taxas de juro a quase zero], a abundância
global saiu em busca de novas bolhas a inflar, levando moedas como o real brasileiro a
altas insustentáveis. Não poderia durar e agora estamos em meio a uma crise de
mercados emergentes que faz alguns observadores lembrarem-se da Ásia nos anos
1990 – lembre-se, onde tudo começou.
Portanto,
para onde o fluxo cambiante da abundância aponta agora? Talvez, de novo para os
EUA, onde um novo fluxo de capitais externos provoca a alta do dólar e pode
tornar a indústria novamente não-competitiva.
O que
provoca a abundância global? Provavelmente, uma soma de fatores. O crescimento
populacional está arrefecendo em todo o mundo e, apesar de toda a fanfarra com
as últimas tecnologias, elas não parecem criar nem um grande aumento de produtividade,
nem demanda para investimentos. A ideologia da austeridade, que conduziu a um
enfraquecimento sem precedentes dos gastos públicos, ampliou o problema. E a inflação
baixa, em todo mundo, que significa taxas de juros baixas, mesmo quando as
economias estão crescendo aceleradamente, reduziu o espaço para cortar estas
taxas, quando as economias se contraem. Qualquer que seja o mix preciso
das causas, o importante agora é que os governos assumam seriamente a
possibilidade – eu diria probabilidade – de que excesso de poupança e
fraqueza econômica global tenha se tornado a nova normalidade.
Minha
percepção é de que há, hoje, uma profunda falta de vontade política, mesmo
entre governantes sofisticados, para aceitar esta realidade. Em parte, é devido
a interesses especiais: Wall Street e os mercados não gostam de ouvir que um
mundo instável requer regulação
financeira, e os políticos que desejam matar o estado de bem-estar social
não querem ouvir que os gastos governamentais não são um problema, no
cenário atual.
Mas
há também, estou convencido, uma espécie de preconceito emocional contra a
própria noção de abundância global. Políticos e tecnocratas gostam de se
enxergar como pessoas sérias, que tomam decisões difíceis – como cortar
programas populares e elevar taxas de juros. Eles não querem ser informados de
que estamos num mundo em que políticas aparentemente rigorosas irão tornar as
coisas piores. Mas nós estamos, e elas vão.
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