Gurminder
K. Bhambra, Warwick (Reino Unido) – Opera Mundi, opinião
As
condições desesperadas que forçam pessoas a emigrar foram historicamente
criadas, em sua maior parte, por potências coloniais europeias
A
crise humanitária que atualmente se desenrola nas fronteiras da Europa
dificilmente passou despercebida para alguém. Mas imagine se os mais de 2.000
corpos que morreram sufocados em caminhões ou foram parar nas costas do
Mediterrâneo não fossem do Oriente Médio e da África.
O
ultraje seria mais profundo, mais colérico? Estaríamos pressionando nossos
governos a fazer mais para ajudar essas pessoas em vez de pedir medidas para
fechar mais as nossas fronteiras?
O
secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, Philip Hammond, recentemente
falou em “imigrantes saqueadores” chegando à Europa e ameaçando nossa qualidade
de vida. Numa linha semelhante, Jürgen Habermas – um dos mais proeminentes e
respeitados comentaristas europeus – sugeriu, em seu livro Europe: The
Faltering Project [“Europa: O Projeto Vacilante”, em tradução livre] que
“a dolorosa transição para sociedades pós-coloniais de imigrantes” dentro da
Europa está acontecendo ao mesmo tempo em que o continente vivencia “as
condições humilhantes da crescente desigualdade social” associadas às pressões
dos mercados de trabalho globalizados.
Embora
o tom das duas afirmações possa ser diferente, as duas enquadram os imigrantes
como implicados de algum modo no declínio do arranjo social e de bem-estar
dentro da Europa, e na crescente desigualdade econômica e social no continente.
Mas
há discussões ínfimas sofre as condições desesperadas em outros lugares, as
quais forçam as pessoas a emigrar – condições historicamente criadas, em sua
maior parte, por potências coloniais europeias.
As
palavras são importantes
Qualquer
tentativa de abordar os problemas associados à imigração tem de começar com o
reconhecimento de que chamar as pessoas que cruzam o Mediterrâneo de
“imigrantes” é parte do problema. A Al Jazeera recentemente explicou
por que não iria mais usar o termo “imigrante” e prefere, em seu lugar, falar
de refugiados. Embora eu simpatize com a posição crítica da Al Jazeera,
apresento um argumento ainda mais forte: nós europeus temos de reconhecer nossa
obrigação para com essas pessoas por causa de nossas histórias conectadas.
O
fosso no padrão de vida entre a Europa e outros países não é natural. A
motivação econômica que leva pessoas mais pobres a migrarem foi e continua
sendo produzida por práticas que emanam dos países ricos e pela falta de
compreensão desses mesmos países sobre seu próprio domínio mundial.
O
padrão relativamente alto de vida e infraestrutura social da Europa não foi
estabelecido ou mantido em separado do trabalho e riqueza dos outros, ou da
criação de miséria em outras partes.
Imigrantes
e refugiados são por definição excluídos da história do Estado entendido em
ternos nacionais. Isso, portanto, também apaga sua própria história de
pertencer à comunidade política que desfruta de direitos e apresenta demandas
ao Estado.
Essa
exclusão histórica é usada, por sua vez, para justificar a continuidade de sua
exclusão no presente, impedindo-os de entrar nesses Estados e compartilhar de
seus recursos e riquezas adquiridos imperialmente.
Falsa
distinção
Nossa
distinção entre imigrantes/refugiados, por um lado, e cidadãos, de outro, está
baseada em uma falsa versão da história que estabelece uma distinção entre
Estados e colônias cujas histórias estão, na realidade, inextricavelmente
entrelaçadas. Temos de compreender a crise contemporânea no contexto dessas
histórias conectadas, e pensar nas histórias de Estados e colônias como uma e a
mesma.
O
fracasso em contabilizar adequadamente o passado colonial da Europa cimenta a
divisão política entre cidadãos legítimos, com direitos, e
imigrantes/refugiados, sem direitos, como membros da comunidade política.
Embora, claro, refugiados tenham de fato direitos estabelecidos como parte de
tratados internacionais, direitos que muitos países europeus não estão
reconhecendo como parte de um compromisso europeu comum.
Se
pertencer à história da nação é o que tradicionalmente confere direito de
membro a indivíduos (como a maioria das formas de cidadania demonstra), é
obrigação nossa reconhecer as histórias que mostrariam os refugiados como já
tendo demandas sobre os Estados nos quais querem entrar. Isso iria realmente
abrir espaço para a adoção de uma diferente abordagem para a crise que
atualmente enfrentamos.
Se
queremos ver uma Europa diferente que seja capaz de lidar com uma crise dessa
magnitude de um modo genuinamente humanitário, então precisamos narrar o
passado colonial dos países que a constituem e as implicações do passado colonial
no próprio projeto da Europa. Precisamos reconhecer o passado colonial como a
própria condição da possibilidade da Europa e dos países europeus hoje – com
todos os direitos, deveres, e obrigações para com a justiça reparadora que isso
implica.
Tradução:
Maria Teresa de Souza – Foto: Efe
Gurminder K. Bhambra é professora de sociologia na
Universidade de Warwick, no Reino Unido. Artigo originalmente publicado no site The Conversation.
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