Numa
entrevista ao PÚBLICO em finais de Março a propósito dos 40 anos de
independência em Angola, a 11 de Novembro, o activista e rapper Luaty
Beirão criticava duramente o sistema e exigia renovação. Está preso desde Junho
e em greve de fome há 24 dias.
Apesar
do estado de fraqueza, o rapper e activista Luaty Beirão está
determinado a continuar a fazer greve de fome, iniciada à meia-noite de 21 de
Setembro. O amigo Pedro Coquenão, que o visitou na terça-feira, disse ao
PÚBLICO por telefone que o activista “estava obviamente fraco, passou o dia
todo a descansar” e “não está melhor”. Luaty Beirão está no hospital-prisão São
Paulo, em Luanda, desde dia 9. Continua “a soro, pois não consegue ingerir a
quantidade de líquido suficiente para fazer a hidratação”, explicou, por seu
lado, a mulher, Mónica Almeida.
Há
uns meses, o PÚBLICO esteve em Luanda a entrevistar Luaty Beirão sobre a
situação política angolana e os 40 anos de independência, que se comemoram a 11
de Novembro.
À
entrada da casa de Luaty Beirão, num bairro de classe média/média alta de Luanda,
estavam vários seguranças – mas não a vigiar a casa do rapper e
activista. Estavam numa posição estratégica, porque tinham sob
vigilância a rua de um lado e do outro – na rua vivem também dois generais
do Exército angolano. Luaty recebe o PÚBLICO sorridente numa tarde de final de
Março, mês em que chove regularmente. Fala de política, do regime e da sua
desilusão com o Governo de José Eduardo dos Santos.
Podia
ser um filho do regime, pois o seu pai, João Beirão, era um homem próximo do
Presidente, tendo dirigido a FESA, a Fundação José Eduardo dos Santos (morreu
em 2006). Mas escolheu estar do lado dos que contestam a forma como o país foi
dirigido nestes últimos 13 anos – os anos a seguir ao final da guerra, que
durou de 1975 a 2002.
Foi
preso logo em 2011, durante a primeira manifestação da sociedade civil contra o
regime a 7 de Março; participou noutras manifestações pacíficas depois disso
(que seriam reprimidas pelo regime), discursou em palco para milhares de
pessoas, apontando o dedo a figuras concretas do regime.
Em
Junho deste ano, Luaty Beirão foi preso com um grupo de activistas que estava a
discutir política angolana: elementos da Direcção Nacional de Investigação
Criminal (DNIC) algemaram-nos e levaram-nos sem mandado de captura; outros activistas
seriam detidos em suas casas nos dias seguintes, perfazendo um total de 15. Faz
agora uma greve de fome para exigir que todos os detidos aguardem o julgamento
em liberdade.
Luaty
nasceu em Luanda e lá viveu até aos 17/18 anos. Saiu para ir estudar em
Inglaterra, onde cursou Engenharia Electrotécnica, e depois em França, onde
estudou Economia – voltou em Março de 2009. Nunca trabalhou, porém, em
nenhuma das áreas que estudou. Faz serviços de tradução e dedica-se à música.
Com
dupla nacionalidade, angolana e portuguesa, dizia na entrevista que podia, a
qualquer momento, ir-se embora, mas sentia que o seu percurso era em Angola: “O
meu chamamento é aqui, onde posso fazer alguma coisa é aqui, onde posso
contribuir de alguma maneira para melhorar é aqui. O meu coração bate aqui.”
Reproduzimos
aqui as suas palavras em discurso directo
"O meu ponto de vista de activista é o meu ponto de vista de cidadão – aliás, a minha cidadania é que me faz ser activo. Não estou satisfeito com os 40 anos de independência, com os resultados alcançados. Poderíamos ter ido muito mais longe, se houvesse amor ao próximo, noção de responsabilidade e de responsabilização.
"Essa
coisa de não termos gente suficiente para gerir o país pode entrar na
teorização, mas há tanto egoísmo, tanta sede de poder, tanta noção de que uns
angolanos são melhores do que outros e que merecem mais gerir o país do que
outros...
"Tínhamos
acabado de sair da guerra colonial, celebrámos a independência ao som dos
canhões, ou seja, nunca houve interrupção da luta. Seria injusto fazer a
avaliação dos 40 anos, quando há este período tão longo de guerra. Apegar-me-ia
mais ao pós-2002, a estes últimos 13 anos, e sinceramente é completamente
desencorajador e desmotivante para alguém da minha geração, que vai a caminho
dos 40, sentir que a juventude nos está a escapar, sentir que não houve
melhorias no que diz respeito à Saúde, à Educação, não há perspectivas de, num
futuro próximo, os angolanos serem capacitados para gerirem o seu próprio
destino.
"Não
foi feito nada de significante para investir no angolano, não se acredita no
angolano, não se investe no futuro de Angola movido pelo próprio angolano. Não
se investiu na Educação, não se investiu na Saúde e isso para mim é um flagelo
que vamos continuar a sentir até que se mude este elenco governativo – porque
eles estão num jogo de cadeiras desde a independência, são sempre as mesmas
pessoas: acho que já não têm nada para dar.
"É
preciso ter sangue novo e é preciso sobretudo ter ideias novas e pessoas que
acreditem e tenham coragem de fazer diferente, de romper com este paradigma que
nos está a arrastar para um abismo.
"Infelizmente,
conheço muitos jovens que simplesmente aceitaram que esta é a forma de fazer as
coisas aqui e que jogam o jogo. Muitos que acreditavam que estando dentro do
aparelho iam conseguir mudar as coisas acabam por se dar conta de que o aparelho
é grande demais, e forte demais, e são absorvidos por ele.
"É
preciso uma ruptura. E que depois dessa ruptura finalmente se comece a investir
o dinheiro que se produz.
"Continuamos
a ser, infelizmente, o país do top 3 com maior taxa de mortalidade infantil. É
inaceitável. Não temos plano director, o único plano director que os nossos
governantes têm é como se enriquece com o dinheiro que é de todos. Isto não dá
mais para fingir, tapar o olho, tentar encontrar argumentações: não tem
justificação. Então basta: têm de se ir embora, porque precisamos de pessoas
novas, de mentalidade nova e precisamos de acreditar no país e nos angolanos.
"Estou
completamente desiludido com estes 13 anos de pós-calar das armas – para
nós a guerra não acabou, a guerra é todos os dias, a pessoa que tem de ir
buscar o salário todos os dias. Hoje muita gente não vai trabalhar, porque
chove! Chove meia hora e há pessoas que já não conseguem sair de casa, porque
formam-se lagos e rios com correntezas que arrastam crianças à porta de casa. As
casas ficam inundadas. Tudo bem, em todos os sítios acontecem inundações.
Mas aqui basta uns chuviscos para criar o caos. Não temos escoamento adequado e
ainda queremos construir prédios por cima de toda esta pressão que existe no
centro da cidade.
"Não
pensamos em investir noutras províncias. Não há visão do país. Então não tenho
nada a apontar de bom. E aquilo que o partido no poder gosta de dizer: ‘Ah,
estás a ser injusto, olha as estradas’, [eu digo:] óptimo! É uma obrigação de
qualquer Estado, e até favorável para a economia, que as pessoas consigam
circular, pessoas e bens.
"Muitas
coisas estão a estragar-se, porque não têm escoamento e preferimos importar,
porque alguém vai meter taxas no bolso. Esse tipo de mentalidade que gangrenou
o nosso sistema político tem as consequências que tem no cidadão comum; e
fechar os olhos e querer fugir da responsabilização das pessoas e culpar os
angolanos por serem preguiçosos, por serem burros, é comportamento de avestruz.
"O
problema está identificado: a elite governante já não tem nada para dar, deve
reconhecer que já serviu o país como soube servir, serviu-se dele, e agora tem
de passar o testemunho. Só que não sabem como fazer isso, porque estão presos.
"José
Eduardo dos Santos foi (re)eleito há três anos, mas em 2012, assim como em
2008, houve fraude, maciça, preparada com antecipação. Há várias evidências e
provas de fraude programada e desenhada. Quem são os observadores que vieram
desta vez? Nenhum credível. Só vieram a SADEC (Southern African Development Community)
e a União Africana.
"Não
se está preocupado em credibilizar o processo, porque não se precisa que seja
credível: precisa-se que os observadores que estejam declarem que as eleições
sejam livres e justas com algumas irregularidades, e pronto.
"O
cidadão José Eduardo dos Santos não dá uma conferência de imprensa, não dá uma
entrevista – deu uma entrevista à SIC e à TV Bandeirantes. Não dá uma
entrevista ao canal nacional, não se predispõe, não se dá vulnerável para lhe
fazerem perguntas sem que ele tenha preparado as respostas.
"Há
relatórios de pessoas que são arrastadas pelos professores ameaçando alunos que
não vão ter nota na pauta, se não forem ao comício, e os autocarros já estão lá
fora para os levar.
"Eles
próprios [no regime] não conseguem medir o nível de popularidade. Só por isso é
que se podem dar ao trabalho de reprimir dez pessoas, só por isso. Quem
tem cinco milhões de apoiantes não vai comprometer a sua imagem de
democrata: porquê dar porrada a cinco pessoas que estão com um cartaz a dizer
‘Queremos luz, água e educação’?
"A
minha percepção é que há uma frustração cada vez maior da parte da população,
que tem medo de se exprimir, medo por várias razões: de morrer e de irem
presos, outros medo de perderem o emprego.
"A
minha mãe recebeu ameaças de morte, a minha avó também. Sempre tornei público
as mensagens com ameaças de morte que recebi. Sou persona non grata, porque
tomei uma posição inequívoca contra o estado actual de coisas e citei nomes.
Não fui o único. Mas basta existir alguém na estrutura que acha que alguma
coisa tem de ser feita para agradar à chefia: ‘Este rapaz precisa de um
correctivo, precisa de aprender que não deve meter-se com o todo-poderoso
Estado angolano, o todo-poderoso MPLA.’
O
que fiz em concreto? Participei na primeira manifestação a 7 de Março, tornei
pública a minha participação num concerto em frente a 5 mil pessoas."
Ler
mais em Público sobre Angola – com vídeos
Sem comentários:
Enviar um comentário