José
Almada Dias – Expresso das Ilhas, opinião
O
turismo é hoje considerado o motor da economia de Cabo Verde, e projecta-se que
assim seja no futuro. Há poucos anos, a maioria dos cabo-verdianos, incluindo
as autoridades, não acreditava que alguém pudesse ter razões para vir visitar
estas rochas nuas, como cantou o poeta. A razão dessa descrença residia no
facto de o cabo-verdiano ter como fetiche paisagens verdejantes, provavelmente
como forma de exorcizar o fantasma das secas que nos persegue desde sempre. Hoje,
passámos da descrença para uma quase histeria colectiva, onde não há autarca
que não queira, urgentemente, turismo e turistas no seu concelho. Uma vez que
não apareceu ainda o tal D. Sebastião que venha, miraculosamente, resolver os
nossos problemas, vamo-nos agarrando de cada vez a uma tábua de salvação. No
meio disto tudo, aparecem umas vozes discordantes que chamam, democraticamente,
a atenção para os perigos do turismo, e outras que dizem que o turismo não será
a panaceia para os males de que ainda padecemos.
Sendo
assim, o debate passou a ser outro – poderá ou não o turismo resolver todos os
problemas do país?
Nunca
ouvi falar de nenhum país que tenha todos os seus problemas resolvidos, de modo
que este debate parece-me um pouco desfasado. Mas é evidente que o turismo tem
um potencial único de arrastamento da economia dos países. E foi graças ao
turismo que alguns países arquipelágicos se desenvolveram. Isso é simplesmente
inquestionável, goste-se ou não. E é por uma razão simples: as ilhas dos pequenos
países insulares não possuem dimensão territorial nem gente (leia-se mercado)
suficiente para terem escala e competirem neste mundo globalizado. O turismo
opera o milagre de trazer o mercado que as ilhas não possuem. Estamos no
domínio da aritmética e não se trata do milagre da multiplicação dos pães, mas
sim de pessoas. As ilhas Canárias possuem 2,1 milhões de habitantes e recebem
cerca de 13 milhões de turistas. Cenário semelhante para os arquipélagos das
Caraíbas, da Madeira, das Seychelles, das Maurícias, etc., etc.
E
se o turismo for bem programado, pode-se inclusive escolher o mercado que se
quer atrair. Simples, mas dá trabalho a fazer.
Vamos
hoje focar-nos num importante segmento, o turismo residencial, conceito
normalmente ligado à denominada imobiliária turística, ou seja, quando pessoas
adquirem uma casa no estrangeiro para aí residirem parte do tempo, ou também
como investimento. Na aldeia global, tornou-se moda, sobretudo entre os
reformados dos países desenvolvidos, comprar uma segunda (ou terceira, etc.)
casa num país diferente, perseguindo o sonho de morar num paraíso tropical – “a
place in the sun”. São essencialmente os chamados seniores, normalmente casais
ou indivíduos já reformados, sem filhos em casa e com tempo e disponibilidade financeira
para investir numa nova fase de vida mais relaxada. Uma vez que a Europa é o
mercado emissor por excelência de turistas para Cabo Verde, vamos
concentrar-nos no Velho Continente.
Em 2007 existiam cerca de 115 milhões de pessoas com mais de 65 anos no
espaço Europa+Rússia. Em 2050, as estimativas apontam para que sejam 179
milhões de almas, das quais uma boa parte disponível para viver os seus anos
dourados num país com sol, tranquilidade, segurança, belas praias e vales
verdejantes, onde possa consumir cultura, beber um bom vinho (ou grogue), ouvir
boa música, ou seja, usufruir de la dolce vita. Cabo Verde poderá oferecer
isso?
Costumo
dizer (hoje com alguma reserva) que a terra de Cesária Évora é o país tropical
seguro mais próximo da Europa, tanto geográfica como culturalmente. Sem jet-lag,
doenças endémicas, grandes catástrofes naturais e com uma cereja no topo do
bolo: somos um país cristão, de tradição cultural judaico-cristã, ou seja,
podemos oferecer uma dimensão de segurança muito importante hoje em dia para as
populações europeias, maioritariamente cristãs.
No
ano passado, um potencial investidor francês dizia-me, após um bom banho na
Baía das Gatas e uma visita ao túmulo da sua amiga Cesária Évora, que só em
Marrocos viviam 200 mil franceses reformados, hoje na sua maioria à procura de
outra localização devido aos receios do extremismo islâmico. Cabo Verde, para
ele, é a solução óbvia. Eu a ouvi-lo e a recordar-me de mais de 15 anos a
tentar convencer as nossas autoridades do mesmo.
Há
cerca de quatro anos, fiz umas quantas incursões ao magnífico país que é a
Noruega, precisamente na tentativa de estabelecer uma ponte para trazer
reformados escandinavos para Cabo Verde. Nessa altura, só no Sul de Espanha
viviam 20 000 noruegueses reformados e um número bem maior de suecos,
dinamarqueses e outros nórdicos. Para não mencionar a enorme quantidade de
britânicos, alemães e outros europeus que me habituei a ver nos meus tempos de
estudante no Algarve e que continuam por lá em cada vez maior número.
Um
dia, em Oslo, pedi uma cerveja ao fim da tarde e despendi a módica quantia de 9
euros! Enquanto pagava la dolorosa ia fazendo as contas de quantas
cervejas um norueguês da classe média não beberia por cá...
Lembro-me
de um conhecido meu que, no Algarve, ganhava o equivalente a uns 1000 euros/mês
apenas para tomar conta de um iate de um velhote inglês que só lá ia em Agosto.
O trabalho do meu amigo consistia em ir ver o iate à marina uma vez por semana!
No
arquipélago da Madeira, deliciei-me a ver todos os restaurantes e tascas cheios
de casais ingleses a degustarem a gastronomia e os vinhos locais. Saí à noite
para visitar o Casino do Funchal e, para minha surpresa, só vi jovens locais a
divertirem-se, gastando o dinheiro que ganham nos hotéis, num arquipélago onde
‘desemprego’ é quase uma palavra desconhecida. Vi o mesmo nas Seychelles. A
aposta no turismo sénior permite que a probabilidade de turismo sexual diminua
drasticamente, uma preocupação importante num país com uma população jovem,
aberta e pobre como é a nossa.
Estudos
universitários mostram que, por cada reformado que se instala num país, são
criados cerca de 1,7 empregos directos na economia, nas mais variadas áreas –
telecomunicações, saúde, transportes, agricultura, pescas, etc., ou seja, em
todos os sectores. E nós com milhares de verdianos no desemprego
apesar de tantos clusters!
O
turismo residencial traz um mercado que permite exportar cá para dentro o nosso
pescado, produtos agrícolas, telecomunicações, arte, música, etc. Tomemos como
exemplo a majestosa ilha de Santo Antão, onde escrevo estas linhas. Se cá
vivessem alguns milhares de reformados europeus, o problema do bloqueio aos
produtos agrícolas já não se punha. E até a barragem de Canto Cagarra poderia
fazer algum sentido...
Somos
o primeiro povo do Novo Mundo, uma criação europeia. Temos uma abundante
história para contar aos europeus, a história de como os seus (e nossos)
antepassados por aqui passaram para construir novos países nas Américas, em
África, na Ásia e na Oceânia.
Podemos
ensinar-lhes a dançar mazurca e contradança, essas danças de salão europeias
(hoje desaparecidas), que os nossos antepassados comuns trouxeram para cá, e se
tornaram por direito parte da cultura deste povo atlântico que nasceu no berço
da crioulidade mundial. E, por sermos crioulos de cultura mestiça, podemos
ensinar-lhes a dançar o Colá San Jon e mostrar-lhes que festejamos as
festas religiosas que eles trouxeram, com um toque de sensualidade e erotismo
que só quem tem sangue de antepassados africanos pode “inventar”. E que isso
não nos impede de sermos católicos como eles, de celebrarmos os mesmos santos,
nas mesmas procissões e nas mesmas datas.
Uma
vez, na Noruega, disse a um potencial parceiro que se fosse primeiro-ministro
de Cabo Verde estaria a bater à porta dos meus homólogos escandinavos a
oferecer-lhes o meu país para os seus reformados virem viver. Ele concordou
comigo e achou pena que eu não fosse político...
Cabo
Verde pode e deve ser o resort natural do Atlântico, fazendo jus à
sua condição de primeiro país crioulo deste oceano que presenciou e serviu de
veículo para a expansão mundial moderna. Essa é a condição que faz com que
todos os povos que aqui vêm se sintam em casa. Sendo assim, porque não os
convidamos a virem viver para cá?
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