quinta-feira, 22 de outubro de 2015

CABO VERDE, O RESORT ATLÂNTICO



José Almada Dias – Expresso das Ilhas, opinião

O turismo é hoje considerado o motor da economia de Cabo Verde, e projecta-se que assim seja no futuro. Há poucos anos, a maioria dos cabo-verdianos, incluindo as autoridades, não acreditava que alguém pudesse ter razões para vir visitar estas rochas nuas, como cantou o poeta. A razão dessa descrença residia no facto de o cabo-verdiano ter como fetiche paisagens verdejantes, provavelmente como forma de exorcizar o fantasma das secas que nos persegue desde sempre. Hoje, passámos da descrença para uma quase histeria colectiva, onde não há autarca que não queira, urgentemente, turismo e turistas no seu concelho. Uma vez que não apareceu ainda o tal D. Sebastião que venha, miraculosamente, resolver os nossos problemas, vamo-nos agarrando de cada vez a uma tábua de salvação. No meio disto tudo, aparecem umas vozes discordantes que chamam, democraticamente, a atenção para os perigos do turismo, e outras que dizem que o turismo não será a panaceia para os males de que ainda padecemos.

Sendo assim, o debate passou a ser outro – poderá ou não o turismo resolver todos os problemas do país?

Nunca ouvi falar de nenhum país que tenha todos os seus problemas resolvidos, de modo que este debate parece-me um pouco desfasado. Mas é evidente que o turismo tem um potencial único de arrastamento da economia dos países. E foi graças ao turismo que alguns países arquipelágicos se desenvolveram. Isso é simplesmente inquestionável, goste-se ou não. E é por uma razão simples: as ilhas dos pequenos países insulares não possuem dimensão territorial nem gente (leia-se mercado) suficiente para terem escala e competirem neste mundo globalizado. O turismo opera o milagre de trazer o mercado que as ilhas não possuem. Estamos no domínio da aritmética e não se trata do milagre da multiplicação dos pães, mas sim de pessoas. As ilhas Canárias possuem 2,1 milhões de habitantes e recebem cerca de 13 milhões de turistas. Cenário semelhante para os arquipélagos das Caraíbas, da Madeira, das Seychelles, das Maurícias, etc., etc.

E se o turismo for bem programado, pode-se inclusive escolher o mercado que se quer atrair. Simples, mas dá trabalho a fazer.

Vamos hoje focar-nos num importante segmento, o turismo residencial, conceito normalmente ligado à denominada imobiliária turística, ou seja, quando pessoas adquirem uma casa no estrangeiro para aí residirem parte do tempo, ou também como investimento. Na aldeia global, tornou-se moda, sobretudo entre os reformados dos países desenvolvidos, comprar uma segunda (ou terceira, etc.) casa num país diferente, perseguindo o sonho de morar num paraíso tropical – “a place in the sun”. São essencialmente os chamados seniores, normalmente casais ou indivíduos já reformados, sem filhos em casa e com tempo e disponibilidade financeira para investir numa nova fase de vida mais relaxada. Uma vez que a Europa é o mercado emissor por excelência de turistas para Cabo Verde, vamos concentrar-nos no Velho Continente.

Em 2007 existiam cerca de 115 milhões de pessoas com mais de 65 anos no espaço Europa+Rússia. Em 2050, as estimativas apontam para que sejam 179 milhões de almas, das quais uma boa parte disponível para viver os seus anos dourados num país com sol, tranquilidade, segurança, belas praias e vales verdejantes, onde possa consumir cultura, beber um bom vinho (ou grogue), ouvir boa música, ou seja, usufruir de la dolce vita. Cabo Verde poderá oferecer isso?

Costumo dizer (hoje com alguma reserva) que a terra de Cesária Évora é o país tropical seguro mais próximo da Europa, tanto geográfica como culturalmente. Sem jet-lag, doenças endémicas, grandes catástrofes naturais e com uma cereja no topo do bolo: somos um país cristão, de tradição cultural judaico-cristã, ou seja, podemos oferecer uma dimensão de segurança muito importante hoje em dia para as populações europeias, maioritariamente cristãs.

No ano passado, um potencial investidor francês dizia-me, após um bom banho na Baía das Gatas e uma visita ao túmulo da sua amiga Cesária Évora, que só em Marrocos viviam 200 mil franceses reformados, hoje na sua maioria à procura de outra localização devido aos receios do extremismo islâmico. Cabo Verde, para ele, é a solução óbvia. Eu a ouvi-lo e a recordar-me de mais de 15 anos a tentar convencer as nossas autoridades do mesmo.

Há cerca de quatro anos, fiz umas quantas incursões ao magnífico país que é a Noruega, precisamente na tentativa de estabelecer uma ponte para trazer reformados escandinavos para Cabo Verde. Nessa altura, só no Sul de Espanha viviam 20 000 noruegueses reformados e um número bem maior de suecos, dinamarqueses e outros nórdicos. Para não mencionar a enorme quantidade de britânicos, alemães e outros europeus que me habituei a ver nos meus tempos de estudante no Algarve e que continuam por lá em cada vez maior número.

Um dia, em Oslo, pedi uma cerveja ao fim da tarde e despendi a módica quantia de 9 euros! Enquanto pagava la dolorosa ia fazendo as contas de quantas cervejas um norueguês da classe média não beberia por cá...

Lembro-me de um conhecido meu que, no Algarve, ganhava o equivalente a uns 1000 euros/mês apenas para tomar conta de um iate de um velhote inglês que só lá ia em Agosto. O trabalho do meu amigo consistia em ir ver o iate à marina uma vez por semana!

No arquipélago da Madeira, deliciei-me a ver todos os restaurantes e tascas cheios de casais ingleses a degustarem a gastronomia e os vinhos locais. Saí à noite para visitar o Casino do Funchal e, para minha surpresa, só vi jovens locais a divertirem-se, gastando o dinheiro que ganham nos hotéis, num arquipélago onde ‘desemprego’ é quase uma palavra desconhecida. Vi o mesmo nas Seychelles. A aposta no turismo sénior permite que a probabilidade de turismo sexual diminua drasticamente, uma preocupação importante num país com uma população jovem, aberta e pobre como é a nossa.

Estudos universitários mostram que, por cada reformado que se instala num país, são criados cerca de 1,7 empregos directos na economia, nas mais variadas áreas – telecomunicações, saúde, transportes, agricultura, pescas, etc., ou seja, em todos os sectores. E nós com milhares de verdianos no desemprego apesar de tantos clusters!

O turismo residencial traz um mercado que permite exportar cá para dentro o nosso pescado, produtos agrícolas, telecomunicações, arte, música, etc. Tomemos como exemplo a majestosa ilha de Santo Antão, onde escrevo estas linhas. Se cá vivessem alguns milhares de reformados europeus, o problema do bloqueio aos produtos agrícolas já não se punha. E até a barragem de Canto Cagarra poderia fazer algum sentido...

Somos o primeiro povo do Novo Mundo, uma criação europeia. Temos uma abundante história para contar aos europeus, a história de como os seus (e nossos) antepassados por aqui passaram para construir novos países nas Américas, em África, na Ásia e na Oceânia.

Podemos ensinar-lhes a dançar mazurca e contradança, essas danças de salão europeias (hoje desaparecidas), que os nossos antepassados comuns trouxeram para cá, e se tornaram por direito parte da cultura deste povo atlântico que nasceu no berço da crioulidade mundial. E, por sermos crioulos de cultura mestiça, podemos ensinar-lhes a dançar o Colá San Jon e mostrar-lhes que festejamos as festas religiosas que eles trouxeram, com um toque de sensualidade e erotismo que só quem tem sangue de antepassados africanos pode “inventar”. E que isso não nos impede de sermos católicos como eles, de celebrarmos os mesmos santos, nas mesmas procissões e nas mesmas datas.

Uma vez, na Noruega, disse a um potencial parceiro que se fosse primeiro-ministro de Cabo Verde estaria a bater à porta dos meus homólogos escandinavos a oferecer-lhes o meu país para os seus reformados virem viver. Ele concordou comigo e achou pena que eu não fosse político...

Cabo Verde pode e deve ser o resort natural do Atlântico, fazendo jus à sua condição de primeiro país crioulo deste oceano que presenciou e serviu de veículo para a expansão mundial moderna. Essa é a condição que faz com que todos os povos que aqui vêm se sintam em casa. Sendo assim, porque não os convidamos a virem viver para cá?

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