José
Soeiro – Expresso, opinião
Peter
David Boone tem no currículo todos os pergaminhos académicos: doutorado em
Harvard, é membro sénior de algumas das instituições mais cotadas no campo da
economia, como a London School of Economics. O prestígio bastou-lhe para
ser levado a sério. Colaborador em blogues e jornais, escreveu em 2010 uma
série de artigos sobre a dívida portuguesa que tinham um único objetivo:
provocar a desvalorização dos títulos da dívida, aumentando assim a taxa de juro
das obrigações. Porquê? Porque isso daria a Boone centenas de milhar de euros
de lucro.
O caso foi conhecido agora, porque o Ministério Público
acusa-o do crime de manipulação de mercado e exige a devolução ao Estado
português dos mais de 800 mil euros que ganhou com esta operação. Mas a
realidade não é nova nem é uma surpresa. Em abril de 2011, quatro docentes
universitários portugueses fizeram uma queixa ao Ministério Público, solicitando a abertura de
um inquérito às agências de rating (como a Moodys, Standard & Poor’s e
Fitch), as mesmas para as quais Boone trabalhava.
O
processo acabou por ser arquivado mas vale a pena lembrar os fundamentos
da ação, subscrita por mais de 12 mil pessoas. Em resumo: estas agências
privadas que classificam os “riscos financeiros” associados à dívida dos países
são parte interessada, porque os seus “ratings” influenciam a evolução de um
mercado no qual atuam os fundos financeiros que são seus proprietários. Ou
seja, a classificação que fazem não descreve uma realidade: condiciona-a, de
modo a que possam tirar o máximo proveito. Estas agências são, além disso,
opacas, abstendo-se de fazer declarações de interesses para ocultar o que as
move. O próprio FMI considerou que as agências de rating “usam e abusam do
poder que têm” e responsabilizou-as pelos custos do endividamento dos países.
Também
Portugal foi vítima deste tipo de ataque especulativo. Foi ele, aliás, que criou
as condições e o ambiente para que se aceitasse a intervenção da troika,
justificada com um conjunto de outras mentiras descaradas, como a tese segundo
a qual “não havia dinheiro para pagar salários nem pensões”, desmentida
factualmente pelos valores de cobrança de IRS e IRC no primeiro semestre de
2011 (5,643 mil milhões de euros), valor mais do que suficiente para pagar
salários (5,099 mil milhões de euros), ou pelo valor arrecadado em
contribuições para a segurança social nesse período (6,634 mil milhões),
superior à despesa em pensões (6,337 mil milhões), isto sem contar com o valor
arrecadado por outros impostos, como o IVA (6,644 mil milhões). O resto foi o
que vivemos e sabemos o que nos custou. Mas estas mentiras continuam a ser
reproduzidas.
Durante
a campanha eleitoral, as agências de notação decidiram anunciar que o rating da
República passaria de “lixo tóxico” para um simpático “lixo” porque, ganhasse
quem ganhasse, estava garantida uma “continuidade de políticas”. Depois da campanha, saudaram a
reeleição da Direita e consideraram “improvável existirem grandes alterações de
políticas" Como se vê, parece que as agências de rating estão a tentar
manter a sua principal característica: serem uma fraude e fazerem julgamentos
errados. Que não as podemos levar a sério, já sabíamos. Mas convém estarmos
preparados. É certo que voltarão a atacar.
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