segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Portugal. O VELHO DE BELÉM



Rui Sá – Jornal de Notícias, opinião

O episódio do "Velho do Restelo" é conhecido, dado que define uma caraterística de muitos portugueses que Camões imortalizou n"Os Lusíadas. E que se traduz num atavismo, numa aversão à inovação, numa defesa dos interesses instalados.

Lembrei-me deste episódio quando ouvi Cavaco no dia 22. É que, nos últimos tempos, uma das palavras mais utilizadas pela Direita, é "tradição". Mais propriamente, aquilo a que chamam a "tradição do nosso regime democrático" um conceito que, na opinião destes "velhos", se sobrepõe à democracia, ou seja, a "tradição" é mais importante do que a vontade da maioria. Por isso é o desespero que faz os líderes das bancadas do PSD/CDS falarem de "tradição" quando (finalmente!) perceberam que das eleições resultou uma nova correlação de forças na Assembleia da República (AR), pelo que, num exercício democrático, a maioria deles preferiu Ferro Rodrigues a Negrão para seu presidente.

A questão não se coloca quanto à legitimidade de o "velho de Belém" indigitar Passos para formar Governo. Pode fazê-lo, embora nunca mais possa invocar que a situação grave do país exige celeridade nos processos. Porque, como é sabido, o Governo vai ser rejeitado e, de acordo com a Constituição, será demitido.

A questão que se coloca é que esta indigitação de Passos não visa cumprir a tradição. Faz parte, isso sim, de um plano que visa que a Direita se mantenha no Governo em funções de gestão por quase um ano - o que é pouco compaginável com o que Cavaco foi repetindo relativamente à necessidade de um Governo estável e atuante.

Perante este verdadeiro "golpe de Estado" (perpetuação de um Governo sem legitimidade política e eleitoral e inviabilização de um Governo com apoio maioritário na AR - num instante em que povo não se pode pronunciar em novas eleições), a Esquerda deve forçar a governação do país a partir da AR, dinamizando a sua iniciativa legislativa e unir esforços para eleger um presidente da República que claramente assuma que, quando tomar posse, nomeará um Governo com apoio maioritário na Assembleia. E esta deve ser uma das questões a dominar o debate das presidenciais: o que fará cada candidato se o "velho de Belém" se despedir com Passos à frente de um Governo de gestão? Novo governo ou eleições antecipadas?

Quanto ao anátema que Cavaco lançou sobre o BE e a CDU é típico do velho, mas de Santa Comba... Uma coisa é certa: um Governo apoiado por estes partidos reporá a reforma de Cavaco, permitindo-lhe ultrapassar as "dificuldades" que tanto lhe têm toldado o pensamento...

*Engenheiro

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