Rui
Sá – Jornal de Notícias, opinião
O
episódio do "Velho do Restelo" é conhecido, dado que define uma
caraterística de muitos portugueses que Camões imortalizou n"Os Lusíadas.
E que se traduz num atavismo, numa aversão à inovação, numa defesa dos
interesses instalados.
Lembrei-me
deste episódio quando ouvi Cavaco no dia 22. É que, nos últimos tempos, uma das
palavras mais utilizadas pela Direita, é "tradição". Mais
propriamente, aquilo a que chamam a "tradição do nosso regime
democrático" um conceito que, na opinião destes "velhos", se
sobrepõe à democracia, ou seja, a "tradição" é mais importante do que
a vontade da maioria. Por isso é o desespero que faz os líderes das bancadas do
PSD/CDS falarem de "tradição" quando (finalmente!) perceberam que das
eleições resultou uma nova correlação de forças na Assembleia da República
(AR), pelo que, num exercício democrático, a maioria deles preferiu Ferro
Rodrigues a Negrão para seu presidente.
A
questão não se coloca quanto à legitimidade de o "velho de Belém"
indigitar Passos para formar Governo. Pode fazê-lo, embora nunca mais possa
invocar que a situação grave do país exige celeridade nos processos. Porque,
como é sabido, o Governo vai ser rejeitado e, de acordo com a Constituição,
será demitido.
A
questão que se coloca é que esta indigitação de Passos não visa cumprir a
tradição. Faz parte, isso sim, de um plano que visa que a Direita se mantenha
no Governo em funções de gestão por quase um ano - o que é pouco compaginável
com o que Cavaco foi repetindo relativamente à necessidade de um Governo
estável e atuante.
Perante
este verdadeiro "golpe de Estado" (perpetuação de um Governo sem
legitimidade política e eleitoral e inviabilização de um Governo com apoio
maioritário na AR - num instante em que povo não se pode pronunciar em novas
eleições), a Esquerda deve forçar a governação do país a partir da AR,
dinamizando a sua iniciativa legislativa e unir esforços para eleger um
presidente da República que claramente assuma que, quando tomar posse, nomeará
um Governo com apoio maioritário na Assembleia. E esta deve ser uma das
questões a dominar o debate das presidenciais: o que fará cada candidato se o
"velho de Belém" se despedir com Passos à frente de um Governo de
gestão? Novo governo ou eleições antecipadas?
Quanto
ao anátema que Cavaco lançou sobre o BE e a CDU é típico do velho, mas de Santa
Comba... Uma coisa é certa: um Governo apoiado por estes partidos reporá a
reforma de Cavaco, permitindo-lhe ultrapassar as "dificuldades" que
tanto lhe têm toldado o pensamento...
*Engenheiro
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