Alexandre
Garcia diz, na TV Globo, que o "Brasil não era racista até criarem as
cotas". Será que o apresentador considera que a sua colega de trabalho,
Maria Júlia Coutinho, do Jornal Nacional, não seria chamada de "macaca
fedida" caso no Brasil não existisse política de cotas?
Na
última semana, durante comentário em que criticava o cadastro do ‘Simples
Doméstico’ — regime unificado de pagamento de todas as contribuições e encargos
do trabalhador doméstico — Alexandre Garcia fez uma ‘revelação fabulosa’.
Com
cara de indignado, o apresentador da Globo afirmou que “o Brasil não era
racista até criarem as cotas”. Discípulo de Ali Kamel, diretor da Globo e autor
do livro “Não Somos Racistas”, Garcia dá a entender que a escravidão no Brasil
foi obra de ficção e que, só a partir da implantação das cotas é que esse tal
de ‘racismo’ apareceu.
Será
que Alexandre Garcia, que é ex-porta-voz do general João Batista Figueiredo, o
último carrasco da ditadura militar, considera que a sua colega de trabalho, Maria Júlia Coutinho, do Jornal Nacional, não seria chamada
de “macaca fedida” caso no Brasil não existisse política de cotas?
VEJA
TAMBÉM: Por que me tornei a favor das cotas para negros
Leia,
a seguir, trechos do texto de Cidinha da Silva, do DCM, em
resposta ao comentário de Alexandre Garcia:
Alexandre
Garcia e as cotas
Dia
desses um palpiteiro global de política, economia, educação e costumes fez mais
uma. Alexandre Garcia, em incursão midiática diária, deu voz histriônica à Casa
Grande ao atribuir às cotas a responsabilidade pela institucionalização do
racismo no Brasil.
Operadores
de mídia como Alexandre Garcia vivem em um mundo particular de invenção de
verdades, à revelia da pesquisa séria feita na universidade e institutos de
pesquisa científica. Ao mesmo tempo veicula discurso descolado da vida do povo
e o vende a este mesmo povo, como ópio, via televisão. O jato verborrágico
sobre as cotas e a institucionalização do racismo é exemplar.
O
palpiteiro não sabe que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE é um dos órgãos de recenseamento mais respeitados do mundo. Nosso IBGE
exporta tecnologia para a América Latina, Caribe e África pelo menos desde a
década de 1980. Tem assessorado processos diversos e complexos de contagem
humana, por exemplo, aqueles levados a termo no Haiti, pós-terremoto de 2010.
Foram
os técnicos do IBGE que depois de décadas de pesquisa, produção de conhecimento
qualificado e debate com a sociedade civil organizada chegaram à categoria
raça/cor, no afã de abarcar os complexos e diversificados sistemas de
classificação racial vigentes no Brasil, desde o recenseamento de 1872. São
cinco as categorias adotadas pelo IBGE: preto, pardo, indígena, amarelo e
branco. Atribuídas às pessoas por elas mesmas, ou seja, por auto-classificação.
O
levantamento dessa informação pelo IBGE atende a dois vetores fundamentais:
primeiro, respeita o levantamento do tema feito pelos recenseamentos no país
desde 1872. Quem trabalha com números comparados, mesmo de maneira rudimentar
(procedimento evitado por quem inventa verdades), sabe que as categorias precisam
ser mantidas ao longo do tempo para que possam ser comparadas. Por isso, a
partir de estudos de viabilidade técnica, o IBGE concluiu que a melhor forma de
levantar informações para retratar o matiz racial da sociedade brasileira e
compreender as mudanças e flutuações dos grupos raciais e étnicos é pela
aferição da categoria raça/cor.
Quanto
ao segundo vetor, desde o censo de 1991, o IBGE tem se notabilizado pelo
diálogo com a sociedade civil e pela sensibilidade para a reformulação de
alguns itens já constantes do questionário, bem como a inclusão de outros,
quando possível e tecnicamente sustentados. Vale lembrar que a incompetência e
descaso da equipe de Fernando Collor com a manutenção do Censo a cada decênio
interrompeu uma longa série. Como resultado o Censo de 1990 foi realizado em
1991.
No
escopo desse diálogo, discutiu-se a partir de meados dos anos 1990, a
possibilidade de incluir o quesito negro, como opção de auto-classificação no
Censo que seria realizado em 2010.
Tecnicamente
não foi possível fazê-lo, pois além de quebrar a série histórica seria oneroso.
Contudo, adota-se desde aquela década a estratégia de somar as informações
demográficas de pessoas autodeclaradas pardas e pretas para configurar a
informação geral sobre o grupo negro. Isso é possível porque as diferenças
entre os dois grupos, pretos e pardos, não são demograficamente significativas.
Atende-se assim a uma demanda da sociedade civil organizada e respeita-se a
forma como cada indivíduo recenseado percebe a si mesmo do ponto de vista do
pertencimento racial.
Pois
bem, informamos a Alexandre Garcia que é pelos motivos elencados nessa crônica
que o IBGE mantém o quesito raça/cor em seu questionário. É por este motivo
também que as pessoas e instituições preocupadas com o conhecimento aprofundado
da realidade brasileira o valorizam e aplicam.
O
preenchimento do item raça/cor nos possibilita saber quantos negros auferem
lucro suficiente para serem aceitos na Federação das Indústrias de São Paulo, a
FIESP, e quantos são pequenos e microempresários. Este item nos questionários
permite-nos quantificar o número de negros e brancos em determinados setores, a
exemplo do Ministério Público, do corpo docente das universidades, das demais
categorias profissionais de prestígio.
É
óbvio que para pessoas como Alexandre Garcia perceber onde estão negros e
brancos nos extratos sociais do país não passa de mera constatação visual.
Nesse exercício, abundâncias e ausências são naturalizadas. Dessa forma, a
presença massiva de trabalhadores negros nas imagens da greve dos garis de
2013, no Rio de Janeiro, bem como a ausência de pessoas negras em qualquer
turma de formandos de Medicina verificada em qualquer universidade federal do
Brasil, no período pré-cotas (antes de 2002) são demonstrações de que as coisas
estão nos seus devidos lugares.
As
cotas para negros nas universidades públicas, a lei de cotas referendada no STF
em 2013, desestabilizam esse terreno, provocam rachaduras incômodas nos
alicerces da Casa Grande. Elas provocam as conexões de Alexandre Garcia com a
ditadura civil-militar e com Paulo Maluf, tornando mais peçonhento o veneno que
escorre pelo cantinho de seus lábios todas as vezes que a cabine de controle da
casa grande é ameaçada.
Pragmatismo
Político
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