terça-feira, 3 de novembro de 2015

Portugal. NÃO É PARA QUEM QUER, É PARA QUEM PODE



Mariana Mortágua – Jornal de Notícias, opinião

Já se está a tornar um hábito. Todos os anos o Tribunal de Contas acrescenta uns largos milhões à lista dos benefícios fiscais reportados pela Autoridade Tributária. Ficámos agora a saber que ficaram 490 milhões fora das contas de 2013, a maioria aplicável a grandes empresas. Num país em que a espoliação fiscal do trabalho quer fazer tradição, as auditorias do Tribunal à Conta Geral do Estado constituem um dos raros momentos em se ouve falar em benefícios fiscais. É lamentável. Porquê?

Para começar, porque torna muito claro que os princípios de disciplina e rigor se aplicam unicamente à relação entre o Estado e os pequenos contribuintes e/ou beneficiários de apoios sociais. A implacável máquina fiscal que persegue quem menos tem revela-se incapaz de divulgar com precisão e transparência as benesses que legalmente concede a quem mais pode. Os quase 500 milhões que o Estado deixou de receber são mais do que necessários ao cumprimento de muitas outras funções. Ter a informação que nos permita avaliar o regime atualmente existente é o mínimo que se pode exigir.

Em segundo lugar, a dimensão deste tipo de benefícios fiscais - cerca de 1500 milhões de euros - é mais um fator da crescente desigualdade na tributação dos rendimentos em Portugal. Nos últimos quatro anos, a carga fiscal sobre o trabalho aumentou monumentalmente ao mesmo tempo que as empresas usufruíram de várias formas de desagravamento: descida da taxa de IRC e o aumento do número de anos para reporte de prejuízos fiscais são só alguns dos exemplos mais simples.

Por último, é importante realçar que, na sua larguíssima maioria, estes benefícios não servem para ajudar as pequenas empresas. Regra geral, as PME não se constituem enquanto SGPS (sociedades gestoras de participações sociais), não têm sede na Madeira e muitas vezes nem têm lucros para pagar IRC.

Vejamos, então, a lista dos nomes dos maiores beneficiários. A Spiering SGPS, registada na Madeira, está à cabeça. Segundo se sabe, é a holding de topo do grupo de Ilídio Pinho. Em segundo lugar, temos a Farrugia, também registada na Zona Franca da Madeira, controlada por uma empresa brasileira de construção. Em terceiro lugar, a Tertir, uma empresa do Grupo Mota-Engil, que terá tido direito ao benefício por via de uma operação de reorganização interna do próprio grupo. Na lista dos principais beneficiários constam ainda outros suspeitos do costume: EDP, Grupo Amorim, Grupo Jerónimo Martins, Portucel, fundos de pensões de bancos, poderosas IPSS e a Santa Casa da Misericórdia. Mas estes são os mais fáceis de identificar, já que a maior parte dos nomes são desconhecidos e remetem para empresas-fantasma, criadas para o efeito, sobre as quais sabemos muito pouco. Algumas são testas de ferro de grandes fortunas portuguesas e estrangeiras.

Conhecem aquele conto de fadas da economia composta por pequenas mas muito dinâmicas empresas onde o mérito e a competência imperam, longe da mão destruidora do Estado? Esqueçam. O que temos, não só aqui, mas um pouco por todo o Mundo, são grandes corporações com um incomparável poder político, e cuja estratégia de acumulação de riqueza passa, em larga medida, por explorar buracos legais gentilmente concedidos pelos estados. E o Mundo assiste, porque isto da fuga ao Fisco não é para quem quer, é para quem pode.

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