Mariana
Mortágua – Jornal de Notícias, opinião
Já
se está a tornar um hábito. Todos os anos o Tribunal de Contas acrescenta uns
largos milhões à lista dos benefícios fiscais reportados pela Autoridade
Tributária. Ficámos agora a saber que ficaram 490 milhões fora das contas de
2013, a maioria aplicável a grandes empresas. Num país em que a espoliação
fiscal do trabalho quer fazer tradição, as auditorias do Tribunal à Conta Geral
do Estado constituem um dos raros momentos em se ouve falar em benefícios
fiscais. É lamentável. Porquê?
Para
começar, porque torna muito claro que os princípios de disciplina e rigor se
aplicam unicamente à relação entre o Estado e os pequenos contribuintes e/ou
beneficiários de apoios sociais. A implacável máquina fiscal que persegue quem
menos tem revela-se incapaz de divulgar com precisão e transparência as
benesses que legalmente concede a quem mais pode. Os quase 500 milhões que o
Estado deixou de receber são mais do que necessários ao cumprimento de muitas
outras funções. Ter a informação que nos permita avaliar o regime atualmente
existente é o mínimo que se pode exigir.
Em
segundo lugar, a dimensão deste tipo de benefícios fiscais - cerca de 1500
milhões de euros - é mais um fator da crescente desigualdade na tributação dos
rendimentos em Portugal. Nos últimos quatro anos, a carga fiscal sobre o
trabalho aumentou monumentalmente ao mesmo tempo que as empresas usufruíram de
várias formas de desagravamento: descida da taxa de IRC e o aumento do número
de anos para reporte de prejuízos fiscais são só alguns dos exemplos mais simples.
Por
último, é importante realçar que, na sua larguíssima maioria, estes benefícios
não servem para ajudar as pequenas empresas. Regra geral, as PME não se
constituem enquanto SGPS (sociedades gestoras de participações sociais), não
têm sede na Madeira e muitas vezes nem têm lucros para pagar IRC.
Vejamos,
então, a lista dos nomes dos maiores beneficiários. A Spiering SGPS, registada
na Madeira, está à cabeça. Segundo se sabe, é a holding de topo do grupo de
Ilídio Pinho. Em segundo lugar, temos a Farrugia, também registada na Zona
Franca da Madeira, controlada por uma empresa brasileira de construção. Em
terceiro lugar, a Tertir, uma empresa do Grupo Mota-Engil, que terá tido
direito ao benefício por via de uma operação de reorganização interna do próprio
grupo. Na lista dos principais beneficiários constam ainda outros suspeitos do
costume: EDP, Grupo Amorim, Grupo Jerónimo Martins, Portucel, fundos de pensões
de bancos, poderosas IPSS e a Santa Casa da Misericórdia. Mas estes são os mais
fáceis de identificar, já que a maior parte dos nomes são desconhecidos e
remetem para empresas-fantasma, criadas para o efeito, sobre as quais sabemos
muito pouco. Algumas são testas de ferro de grandes fortunas portuguesas e
estrangeiras.
Conhecem
aquele conto de fadas da economia composta por pequenas mas muito dinâmicas
empresas onde o mérito e a competência imperam, longe da mão destruidora do
Estado? Esqueçam. O que temos, não só aqui, mas um pouco por todo o Mundo, são
grandes corporações com um incomparável poder político, e cuja estratégia de
acumulação de riqueza passa, em larga medida, por explorar buracos legais
gentilmente concedidos pelos estados. E o Mundo assiste, porque isto da fuga ao
Fisco não é para quem quer, é para quem pode.
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