sábado, 7 de novembro de 2015

Portugal. OLHE QUE NÃO!



Inês Cardoso – Jornal de Notícias, opinião

"O que o PS deu provas, nestes meses, é que quer transformar o país através de um golpe de Estado..."; "Olhe que não, olhe que não". No dia em que o mais célebre debate televisivo entre dois políticos fez exatamente 40 anos, o país viu confirmado um acordo histórico, que abre as portas a um Governo socialista suportado pelo PCP e pelo BE. O "sounbdbyte" dessa noite memorável, que opôs Mário Soares a Álvaro Cunhal durante quatro horas, é adaptável aos temores dos dias de hoje. Não haverá risco de guerra civil, mas fala-se em novo PREC, golpe na secretaria, ataque à democracia e um país dividido.

As dúvidas que ainda pairavam sobre a posição do PCP foram ontem desfeitas na forma de comunicado, com palavras curtas mas suficientes para clarificar que as condições para o entendimento estão reunidas. Uma confirmação dada horas antes do encontro promovido por Francisco Assis, reunindo críticos do rumo seguido por António Costa. E na véspera de um fim de semana decisivo, com as reuniões da Comissão Política do PS e do Comité Central do PCP.

Nunca na história da democracia portuguesa foi um partido que não o mais votado a formar Governo. As baterias apontam-se, por isso, a António Costa e à sua alegada sede de poder. Mas há, nestes dias agitados que estamos a viver, uma posição mais relevante e nova: a de Jerónimo de Sousa. Não fosse ele a abrir uma porta que se julgava completamente lacrada, e não estaria em perspetiva a queda do Governo de coligação.

O alcance do acordo obtido está ainda por perceber. Começará este fim de semana a conhecer-se o conteúdo, já que está prometida a sua apresentação à Comissão Política do PS. Mas o acordo não é a finalização de nada. É, pelo contrário, o início de um caminho cheio de incertezas. Sendo um acordo negociado a dois e não a três, poderá ainda haver areia na engrenagem? As garantias de estabilidade serão suficientes para que o Presidente da República indigite António Costa como primeiro-ministro? O líder socialista conseguirá formar um Governo que integre independentes credíveis e próximos das sensibilidades de BE e PCP? E a convivência a médio e longo prazo será pacífica?

As dúvidas, legítimas, são passíveis de se multiplicarem até à exaustão. Mas o país, no meio da incerteza que tanto assusta quem nos dirige, tem seguido caminho e os mercados ainda não nos devoraram. O bicho-papão da tradição e da imagem externa deve condicionar-nos? "Olhe que não, olhe que não".

Sem comentários:

Mais lidas da semana