Inês
Cardoso – Jornal de Notícias, opinião
"O
que o PS deu provas, nestes meses, é que quer transformar o país através de um
golpe de Estado..."; "Olhe que não, olhe que não". No dia em que
o mais célebre debate televisivo entre dois políticos fez exatamente 40 anos, o
país viu confirmado um acordo histórico, que abre as portas a um Governo
socialista suportado pelo PCP e pelo BE. O "sounbdbyte" dessa noite
memorável, que opôs Mário Soares a Álvaro Cunhal durante quatro horas, é
adaptável aos temores dos dias de hoje. Não haverá risco de guerra civil, mas
fala-se em novo PREC, golpe na secretaria, ataque à democracia e um país
dividido.
As
dúvidas que ainda pairavam sobre a posição do PCP foram ontem desfeitas na
forma de comunicado, com palavras curtas mas suficientes para clarificar que as
condições para o entendimento estão reunidas. Uma confirmação dada horas antes
do encontro promovido por Francisco Assis, reunindo críticos do rumo seguido
por António Costa. E na véspera de um fim de semana decisivo, com as reuniões
da Comissão Política do PS e do Comité Central do PCP.
Nunca
na história da democracia portuguesa foi um partido que não o mais votado a
formar Governo. As baterias apontam-se, por isso, a António Costa e à sua
alegada sede de poder. Mas há, nestes dias agitados que estamos a viver, uma
posição mais relevante e nova: a de Jerónimo de Sousa. Não fosse ele a abrir
uma porta que se julgava completamente lacrada, e não estaria em perspetiva a
queda do Governo de coligação.
O
alcance do acordo obtido está ainda por perceber. Começará este fim de semana a
conhecer-se o conteúdo, já que está prometida a sua apresentação à Comissão
Política do PS. Mas o acordo não é a finalização de nada. É, pelo contrário, o
início de um caminho cheio de incertezas. Sendo um acordo negociado a dois e
não a três, poderá ainda haver areia na engrenagem? As garantias de
estabilidade serão suficientes para que o Presidente da República indigite
António Costa como primeiro-ministro? O líder socialista conseguirá formar um
Governo que integre independentes credíveis e próximos das sensibilidades de BE
e PCP? E a convivência a médio e longo prazo será pacífica?
As
dúvidas, legítimas, são passíveis de se multiplicarem até à exaustão. Mas o
país, no meio da incerteza que tanto assusta quem nos dirige, tem seguido
caminho e os mercados ainda não nos devoraram. O bicho-papão da tradição e da
imagem externa deve condicionar-nos? "Olhe que não, olhe que não".
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