Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
1. É
verdade que "o papel aguenta com tudo", como dizia Jerónimo de Sousa
numa entrevista recente. Qualquer que seja o programa que Passos Coelho
apresente na Assembleia da República na próxima segunda-feira, sabemos que iria
fazer, se o deixassem, o mesmo que fez ao longo destes quatro anos e meio. Ou
seja, iria liquidar o que ainda resta do setor público empresarial vendido em
saldo à "iniciativa privada", entregar aos "mercados
financeiros" os fundos de pensões e reformas, a Segurança Social, o Serviço
Nacional de Saúde, o ensino e a investigação científica. Depois da aniquilar a
indústria, a agricultura e as pescas para reconverter o país a um modelo da
"economia de serviços", na década "gloriosa" dos três
governos de Cavaco Silva (1985/1995), a Direita vira-se agora para as
"exportações", "à moda" de Singapura, requalificando como
"vantagens competitivas" - na economia global - os baixos salários, a
liquidação dos direitos do trabalho e da contratação coletiva. Nisto se resume
o programa de "modernização do Estado" e as "reformas económicas
e sociais" da coligação de Direita. E por isso a Esquerda percebeu a
urgência de fazer abortar tal projeto, antes que fosse demasiado tarde.
2. Ficou
por demais claro que tudo o que a Direita esperava do PS era que assumisse,
passivamente, uma "oposição séria e credível"! Só quando
compreenderam que a liderança do PS, embora insatisfeita com os seus resultados
eleitorais, não se rendia, só então se lembraram de propor uma
"coligação" e oferecer um "lugar" de vice-primeiro-ministro
a António Costa, ainda na expectativa de conseguir decapitar o maior partido da
Esquerda. Se alguma vez tivessem pretendido um diálogo real com os socialistas,
por que razão correram a assinar o "pacto de Governo" minoritário PSD/CDS,
sendo certo que já dispunham da coligação pré-eleitoral que, aliás, lhes
permitiu reclamar uma vitória equívoca nas eleições legislativas e somar mais
alguns deputados à sombra do método de Hondt?
3. É
certo que se o PS não teve melhor resultado nas eleições legislativas foi por
sua própria culpa. A campanha eleitoral foi morna, sobretudo no Norte do país,
como demonstram, com raras exceções, os resultados eleitorais. Alguns
socialistas continuaram desmotivados, carpindo as mágoas da pesada derrota
eleitoral sofrida nas "primárias" cuja extraordinária mobilização as
organizações locais foram incapazes de canalizar para as legislativas. Mas
houve outros erros estratégicos. Depois do sucesso da apresentação pública dos
"cenários macroeconómicos", ainda na pré-campanha eleitoral, o PS -
em vez de mudar rapidamente de assunto - preferiu esmiuçar as questões menores
da TSU, enredou-se no mecanismo inócuo de "cessação do contrato de
trabalho por mútuo acordo", perdeu-se na "calendarização" e na "avaliação
do impacto financeiro" de cada medida proposta... além de outras
excentricidades de sofisticado recorte técnico, muito interessantes e
inovadoras, é certo, mas com fraco poder de sedução para um povo martirizado
por quatro anos e meio de miséria, incerteza e demagogia.
4. O
PS não precisa de justificar a sua nova política de alianças. Este é o mesmo PS
de Mário Soares que concluiu a integração europeia, em 1985, contra o
derrotismo do PSD de Cavaco Silva, e que hoje continua a defender a Europa que
sempre entendemos como promessa de solidariedade, prosperidade e convergência,
de democracia e defesa intransigente dos direitos humanos, uma Europa que
sempre ambicionamos como destino do nosso povo e exemplo para a humanidade.
Essa mesma Europa aberta e cosmopolita, tão dificilmente reconhecível nos seus
líderes atuais. Só à Esquerda existe a vontade e a determinação de reformar
esta Europa doente que trata os povos do sul como párias e que no Mediterrâneo
ou nos Balcãs, despreza os valores mais elementares da dignidade humana e até
da mera decência.
5. Sem
o amparo da troika e perdida a maioria parlamentar, aquilo que a coligação de
Direita necessitava, absolutamente, era de um PS resignado e compassivo, de uma
"oposição séria e responsável", surda, muda e impotente. Quantas almas
caridosas responderão a este lancinante apelo? Irrelevante, como veremos!
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