quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Portugal. TRUQUES DE PRESTIDIGITAÇÃO



Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

Com um surpreendente golpe de ilusionismo, o primeiro-ministro demitido retirou da cartola nada mais, nada menos do que uma proposta de "revisão constitucional"! Porquê e com que objetivo? Porque, diz ele, pretende eliminar a proibição constitucional que impede o Presidente de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas, nos primeiros seis meses após a data das eleições! O primeiro-ministro demitido sabe que para aprovar uma proposta de revisão constitucional precisa do voto favorável de pelo menos dois terços dos eleitos. Parece, assim, uma ambição irrealista e desmesurada para quem, ainda na semana passada, se achou demitido do cargo e viu o seu programa de Governo rejeitado por maioria absoluta, no Parlamento. É certo que a concretização de um tal desiderato se apresenta, liminarmente, como inviável. Além disso, alguns dos conselheiros que convocou, logo o avisaram que a seriedade de um processo de revisão constitucional não era compatível com "estados de alma" nem arrebatamentos circunstanciais. Mas o que pretende, então, Passos Coelho se aquilo que o faz correr "não lhe fica nada bem" nem o leva a lado nenhum?

O ainda primeiro-ministro não se conforma com a sua inexorável demissão e só depois de demitido se lembraria de denunciar a suposta "fraude eleitoral" que o vitimou e - contra a lei, contra a Constituição e contra todos - vem agora reclamar novas eleições sendo certo como todos se recordam que sempre, até aqui, se dera por feliz e contente com os resultados obtidos pela coligação de Direita nas eleições de 4 de outubro. Passos Coelho não se resigna a largar o poder e nem sequer admite que a falsa vitória que anunciou em outubro encobria afinal uma incontornável derrota.

É grave que assim se deixe apodrecer o pouco que restaria de "sentido de Estado" a esta Direita triste e derrotada. Primeiro, vieram com a chantagem da "Oposição séria e responsável" a que queriam confinar o PS. Depois, o fantasma dos "governos de gestão". Agora, a leviandade de uma revisão constitucional que caso não passasse de mero truque, significaria a subversão dos equilíbrios constitucionais e da matriz parlamentar que do nosso regime democrático. É em nome do respeito pela vontade democrática e da dignidade dos eleitores que o Presidente da República fica impedido de dissolver o Parlamento nos seis meses seguintes à sua eleição. Admitir que o Presidente pudesse convocar sucessivos atos eleitorais até conseguir um resultado do seu agrado, favorável aos seus correligionários, equivaleria à transformação da democracia representativa numa tirania presidencial. Coisas demasiado sérias, enfim, para espetáculos de magia e truques de prestidigitação.

A democracia é o Governo da maioria e as maiorias constroem-se em torno de valores, por objetivos comuns, através do diálogo, do confronto, da concertação de políticas. Foi isto o que fizeram os partidos da Esquerda, com uma transparência exemplar, ao longo das últimas semanas. Sabemos o que discutiram e o que acordaram. Tudo foi submetido a rigoroso escrutínio público. Na curta história da nossa democracia nunca uma negociação política entre partidos foi exposta com tanta abertura e clareza aos olhos e à crítica dos cidadãos! O que sabemos da coligação da Direita? Que cedências permitiram ultrapassar a irrevogável demissão de Portas, na crise de 2013? Que concessões garantiram a formação da PàF, em 2015? Donde surgiu a ideia peregrina de uma coligação minoritária, em outubro?

É através dos atos eleitorais, pelo princípio da caducidade e da renovação periódica dos mandatos, que se concretiza a responsabilização política dos representantes e o dever de prestação de contas - para a maioria e para a minoria, para o Governo e para a Oposição. Os eleitos souberam corresponder à vontade de mudança política que a esmagadora maioria dos eleitores lhes exigiu a 4 de outubro.

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