segunda-feira, 9 de novembro de 2015

SALAFRÁRIOS!



Bom dia. Eis a atualidade em forma de grãos de café. Uns puros e outros manipulados, falsificados. Faz parte. Temos de ser nós, os consumidores, a saber selecionar e a deitar fora os grãos que não prestam. É quase sobrenatural o que por vezes quem escreve nos jornais julga saber e tenta transmitir aos outros. Coisas.

Hoje e amanhã são os últimos dias do resto da vida dos que têm andado por aí muito felizes à custa da infelicidade de milhões de portugueses. Salafrários!

Redação PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto 

Pedro Candeias - Expresso

Quando a direita cansa, a esquerda avança

Este texto podia começar assim:

Por esta é que eu não esperava, uma coisa destas, incrível e inacreditável, em tantos anos de vida nunca imaginei que isto fosse possível, e como isto é incrível e inacreditável, meu deus, a partir de agora tudo é possível, caro leitor, já pensou no que isto vai ser daqui para a frente, incrível e inacreditável - e estaria a mentir. Porque não tenho assim tantos anos de vida e não passei pelo pré, durante e pós-25 de abril, apenas estudei e li o PREC, o Mário Soares e o Álvaro Cunhal, e eu e a minha família próxima e menos próxima pusemos o pezinho em Portugal, para cá ficar, já tinha 10 anos, no ano em que o Muro caiu. A minha perspetiva sobre a esquerda e a direita e o comunismo dos anos 70 e 80 começou nos anos 90, num banco de escola.

Por isso, este texto tem de começar com alguém que viveu isto, e escolho, entre as muitas frases que se ouviram e leram ontem, a de um militante histórico do PS: "A vida é uma aventura". É quase poético e não é de Manuel Alegre, mas de João Cravinho, seguro (e não Seguro) pelo braço da Anabela Neves da SIC, e foi declamado à entrada da Comissão Política do PS, onde a história iria ser reescrita. A gente que manda-naquilo-tudo (menos Sócrates) no Rato reuniu-se para dar a legitimar as duas ideias de António Costa: um acordo de governação à esquerda e a apresentação de uma moção de rejeição ao Programa do Governo da PàF. E ambas passaram, escreve a Cristina Figueiredo, que nos conta que se chegou a isto num trinta-e-um-de-boca, sem que Costa apresentasse nenhum documento aos socialistas. Então e o papel, qual papel, o teu papel?, não há. E, continua a Cristina, a oposição interna fez-se ouvir, através de Sérgio Sousa Pinto, que "arrasou" a guinada do PS, e de Francisco Assis.

O que acontece agora? Na terça-feira, PS, BE e PCP irão apresentar, cada um, a moção de rejeição à coligação PSD/CDS-P que, por sua vez, começa hoje a discutir o seu Programa de Governo no Parlamento. Hoje está de pé, amanhã cai. Ou, como dizia o Pimenta Machado sobre a bola, o que hoje for verdade, amanhã será mentira.

Ora, isto só foi possível porque, horas antes, na Soeiro Pereira Gomes, Jerónimo bradou Geronimo, aquele grito que os americanos usam quando saltam lá de cima: o Comité Central disse sim a António Costa, em "unanimidade informal" (não houve votos, explica a Rosa Pedroso Lima), comprometendo-se num apoio "definitivo" e "duradoro" numa "perspetiva de legislatura". Sendo este o Partido Comunista, é pouco católico falar num salto de fé; falemos, portanto, num salto quântico. Jerónimo aproveitou a deixa para criticar Cavaco, que fez "declaração deplorável" e entrou em confronto "com a Constituição portuguesa".

Os jornais de hoje fazem todos manchete com a história - ou quase todos, porque o CM opta por pôr apenas uma frase, entalada entre dois crimes e o Papa. O Público escreve: "PS avança com moção de rejeição própria do programa do Governo" e garante que a aliança entre os três partidos não garante orçamentos, que terão de ser negociados ano a ano. Este diário acrescenta que o programa alterado do PS "prevê menos défice do que o anterior" e revela algumas dasestratégias de Costa: "descontos de recibos verdes com base no meses recentes", "travar execuções fiscais de casas quando a dívida for baixa", "menos taxas e mais recursos humanos no Sistema Nacional de Saúde".

O DN puxa por Jerónimo de Sousa, diz que agora é o tempo de Cavaco e que Passos Coelho perde esta batalha mas voltará à guerra: "Passos defende programa já a pensar no regresso ao Parlamento e em eleições". No editorial, o André Macedoreflecte em cedências claras de Costa ao PCP e ao BE, sobretudo na "reversão da venda de 66% da TAP" e na "anulação dos processos de concessão e privatização dos transportes públicos urbanos".

O jornal i põe vermelho no branco e usa a expressão "Perestroika no PCP" para classificar "a unanimidade" no "apoio ao governo PS durante quatro anos", e o Jornal de Negócios é menos criativo na abordagem ao tema.

OUTRAS NOTÍCIAS

Na Birmânia, a liberdade chegou outra vez, 25 anos depois da sua última visita àquele lugar sudeste asiático. O país está a viver as suas segundas eleições livres em 50 anos de ditadura militar, e as sondagens favorecem Aung San Suu Kyi, que lidera as intenções de voto nas principais províncias - ainda assim, mesmo que ganhe, não é líquido que governe. A contagem dos votos será dura e longa, prevêem-se problemas e conflitos (já os houve, aliás, com a minoria muçulmana), e quem ganhar terá de enfrentar isto: violência sectária, corrupção, infraestruturas. E terá, sobretudo, de reconstruir uma nação de 30 milhões de pessoa numa latitude do planeta que já mudou enquanto esta esteve parada meio século.

Parados noutro tempo estão os homens do Estado Islâmico, que insistem em levar a guerra deles para planos impensáveis, onde não há civis ou militares, mas apenas os fiéis (que são eles) e os infiéis (os que não são eles) - e a queda do Boeing A321 em Sharm el-Sheikh, que matou 224 turistas russos, é apenas o último, e mais um, exemplo. Os investigadores têm 90% de certeza de que havia uma bomba a bordo do avião, porque se partiu ao meio em pleno voo, quando este estava em piloto automático, e porque se ouve um barulho na segunda gravação do cockpit. E, porque, o Estado Islâmico publicou um vídeo em que o narrador diz o seguinte: "Se matas, serás morto. Nunca deixaremos que infiéis e comunistas tenham paz e segurança, até que nos nossos países Muçulmanos tenham paz e segurança".

Dos voos que nunca deviam ter existido, para os voos que não vão existir: a Lufthansa anunciou que, hoje, 929 ligações da companhia alemã serão cancelados, o que afeta a vida de mais de mil passageiros. [A Lufthansa realiza, hoje, apenas um voo entre Portugal e Alemanha.] É a greve do pessoal de cabine que quermelhores salários, discutir reformas e pré-reformas, e proteger-se dos despedimentos. As negociações entre a administração da Luftanhsa e o sindicato começaram em 2013 e andam empatadas desde o final da semana passada.

Por falar em empate: na Croácia, as principais coligações (sim, coligações) de esquerda (sim, de esquerda) e de direita (sim, de direita) andaram taco a taco até à última hora nas eleições que foram vencidas pelos conservadores do HDZ. Isto interessa-nos porquê? Porque há uma crise de migrantes na Europa e tudo o que se decida naquela zona tem implicações na UE - e Portugal já recebeu os primeiros.

E, agora, desporto:

Miguel Oliveira fez o que tinha fazer e ganhou o Grande Prémio de Valencia (sexta vitória do ano, terceira consecutiva) e... não conquistou o título. Que não era impossível, mas improvável, já que a Danny Kent bastava acabar a corrida em 15º - e ele foi 9º. O português ficou a seis pontos do campeonato mundial na categoria Moto 3. Dois lances de escada acima, em MotoGP,Valentino Rossi chegou como líder e acabou como vice-campeão, a cinco pontos de Jorge Lorenzo. Rossi estava de castigo, partiu no último lugar da grelha, por que se armara em tigre na Malásia ao empurrar Màrquez, e acabou em quarto. "Este título [de Lorenzo] é um campeonato do Mundo para Espanha". Para o italiano, houve uma aliança espanhola para pô-lo K.O.

Na bola cá do burgo, nenhum dos grandes perdeu o seu assalto: oBenfica venceu o Boavista (2-0), o FC Porto bateu Vitória de Setúbal (2-0), e o Sporting derrotou o Arouca (1-0). As coisas são o que são e ficam como estão, pelo menos durante duas semanas, porque o campeonato vai parar.

FRASES

"Não há aqui nenhum golpe. O que há é democracia." Catarina Martins, numa versão "É a economia, estúpido!", no Funchal.

"Pela primeira vez em mais de 40 anos de democracia teremos um governo apoiado por toda a esquerda parlamentar. Hoje é o primeiro dia do resto da nossa vida
. Este é o primeiro dia do resto das nossas vidas". Daniel Oliveira, em modo Godinho, na sua página no Facebook.

"O PCP pode ter muitos defeitos, mas nunca foi um partido estúpido." Clara Ferreira Alves, morra-o-Comunismo-Pim-Pam-Pum, no Expresso.

"Não chega dizer que é duradouro e para a legislatura." Luís Marques Mendes, a pensar à La Longue, na SIC.

"Quem critica a esquerda passa a ser automaticamente fascista"Javier Cercas, jornalista e escritor espanhol, em entrevista ao Jornal i.

"Se não conseguirmos chegar a um acordo e se as inquietações do Reino Unido não forem ouvidas – o que acredito não venha a acontecer – teremos que reconsiderar se esta União Europeia é boa para nós. Como já disse anteriormente, não afasto qualquer possibilidade" David 'agarrem-me-que-eu-fujo' Cameron, numaviso à União Europeia

O QUE ANDO A LER

Da última vez que falámos, disse-lhe que andava às voltas com o "Lavoura Arcaica" de Raduan Nassar e o que lhe trago desta vez é outro livro do mesmo autor. É "Um Copo de Cólera", um romancecurto mas denso, que é a história de um dia num casal, e começa a partir no momento em que ele chega a casa dele para estar com ela. Jantam, dormem, acordam, tomam "o café da manhã", e é tudo normal e está tudo normal, mas os diálogos e a escrita sugerem uma tensão, uma corda permanente esticada, um prenúncio de que alguma coisa correrá mal. E corre, quando um episódio caricato e estúpido que envolve formigas e uma cerca estragada faz disparar a cólera no homem que a mulher não entende. E discutem, violentamente, e insultam-se, mutuamente, e separam-se para depois se juntarem à noite. Está tudo escrito de uma só vez, com vírgulas atrás de vírgulas, sem parágrafos, como se tivesse saído diretamente de Nassar para o papel, sem rasuras, mas com pensamentos atropelados e sobrepostos.

Num discurso limpo e claro, mas igualmente poético, leia amanhã oNicolau Santos, o keynesiano de serviço, que lhe explicará o que pode esperar a partir deste dia, que é histórico. E faça um favor a si próprio: vá passando os olhos pelo site do Expresso e às 18h ligue-se ao Expresso Diário.

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