A
audição de Luaty Beirão, o sétimo de 17 réus a actuar na farsa chamada pelo
regime de Eduardo dos Santos de “julgamento”, em Luanda, cuja trama envolve
supostos actos preparatórios de uma rebelião e atentado contra o senhor feudal
que domina o reino, terminou hoje com o acusado a deixar o Ministério Público
do Regime (MPR) a falar sozinho.
Orlando
Castro*
Luaty
Beirão, que estava a ser ouvido pelo segundo dia, manteve-se em silêncio
durante as quase duas horas de perguntas feitas pelo MPR, que apresentou –
dizendo ser uma prova – um quadro utilizado nas palestras que o grupo de
activistas realizaria para discutir as estratégias da obra “Ferramentas para
Destruir o Ditador e Evitar uma Nova Ditadura, Filosofia da Libertação para
Angola”, de Domingos da Cruz, também acusado neste processo.
É
claro que a existência de um quadro, no âmbito de uma qualquer palestra (seja
sobre a reprodução sexual dos caracóis ou da organização social das bitacaias),
é só por si prova irrefutável de um crime contra, no mínimo, a segurança do
Estado.
Em
declarações à imprensa, o advogado de defesa, Luís do Nascimento, considerou as
questões colocadas pelo MPR, sobre as reuniões, intenções e participação dos
vários elementos, como “um autêntico delírio” e que não têm “correspondência
com a realidade”.
Mais
uma vez se prova que, nesta farsa elaborada pelos peritos do regime, delirar é
uma criativa forma de arte que, quando conjugada com a investigação criminal,
mostra ao mundo o que meia dúzia de jovens “frustrados” (designação cujos
direitos de autor, convém lembrar, pertencem a Eduardo dos Santos) são capazes
de fazer para derrubar um regime ditatorial.
“De
resto, a grande prova que foi presente é um quadro, e com a leitura daquele
quadro não se consegue ver onde é que está o crime de rebelião ou de atentado
contra o Presidente da República e outros órgãos de soberania”, frisou Luís do
Nascimento.
Só
falta dizer, citando (com o seu beneplácito o embaixador itinerante do regime,
Luvualu de Carvalho), que esse quadro fora fornecido pela NATO através dos
partidos da oposição.
No
quadro apresentado hoje como prova, estavam traçados alguns esboços, onde se
podiam ler as palavras “manipulação”, com setas a indicar para “imprensa,
instituições religiosas e educação”, e ainda num outro canto do quadro
“repressão”, com setas a indicar “JES”, acrónimo de José Eduardo dos Santos,
por sua vez, para os acrónimos UGP, FAA, PN, e judicial.
“A
prova que aparece é a do quadro, mas o quadro vamos ver, vamos discutir, mas
não sei o que prova. Só pelo facto de estarem as iniciais do nome do Presidente
da República, acho que isso não é crime”, ironizou.
Ai
não é crime! É sim senhor. José Eduardo dos Santos autorizou? Não. Portanto,
ninguém use o santo nome de “Deus” (do regime) em vão. Para além de pecado dá,
no mínimo, cadeia.
Na
sessão de hoje foram igualmente apresentados dois vídeos, que a acusação vai
pedir a sua transcrição, com imagens de dois encontros realizados pelos jovens
activistas, antes da operação de detenção dos 15 arguidos – outras duas estão a
ser julgadas em liberdade -, a 20 de Junho deste ano.
Nos
vídeos aparecem com maior destaque os réus Domingos da Cruz e Luaty Beirão.
Talvez não se veja, mas o Folha 8 sabe que existem gravações em que se vê estes
jovens manuseando diverso material bélico altamente letal, a saber: 12
esferográficas BIC (azuis), um lápis de carvão (vermelho), três blocos de papel
(brancos) e o tal livro sobre como derrubar as ditaduras.
Há
também vídeos que comprovam que, na perspectiva do tal golpe de Estado, tinham
mísseis escondidos nas lapiseiras, Kalashnikovs camufladas nos telemóveis e
outro armamento pesado e letal disfarçado nos blocos de apontamentos.
O
xeque-mate do MPR será dado um dia destes quando mostrarem imagens do quintal
da casa onde os jovens estavam e onde, sem qualquer dúvida, aparece debaixo de
uma mangueira o exército mobilizado por esses jovens (talvez uns milhões de
guerrilheiros – o MPR é omisso nesta contagem) e que afinava os códigos para
lançamento dos mísseis e, talvez, até de ogivas nucleares contra a residência
de Eduardo dos Santos.
Segundo
Luís do Nascimento, a defesa vai solicitar a transcrição dos mesmos vídeos para
análise do seu conteúdo e “se mostrar que aquilo não é crime, é uma discussão,
uma conversa, na nossa roda de amigos”.
“Acho
que se se gravasse uma série de conversas, das que se tem em casa, acho que
pelo menos 70, 80 por cento da população angolana estava presa”, ironizou.
O
final da manhã e início da tarde serviu ainda para a defesa interrogar Luaty
Beirão. Questionado se considerava estar a cometer um crime por afirmar que
Angola é uma pseudodemocracia e que o Presidente da República é um ditador, o
luso-angolano negou que seja crime.
Na
sessão de terça-feira, Luaty Beirão afirmou – como o F8 narrou – que Angola é
uma pseudodemocracia, voltando a apelar à saída do Presidente angolano, José
Eduardo dos Santos.
O
espectáculo prossegue na quinta-feira, na 14ª Secção do Tribunal Provincial de
Luanda, em Benfica, com a audição de Arante Kivuvu.
*Folha
8
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