quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

NATAL DOS POBRES... DE ESPÍRITO




Mário Motta, Lisboa

Neste natal há novidades que parecem não interessar, talvez por não serem novidades. Este é um natal como os anteriores, dos quatro anos anteriores, um pouco pior que os anteriores, certamente. De ano para ano a quadra tem vindo a agravar-se. E agrava-se para quem? Para aqueles que antes tinham um natal pobre mas, mesmo assim, um natal. Para aqueles que na quadra e na noite, para a consoada, conseguiam ter casa, ter a família reunida à volta da mesa, crianças a correrem pela casa, uma árvore de natal, um pequeno presépio, aconchego e a casa a cheirar a bacalhau e couves que pareciam estar em ebulição por simbiose com a azáfama e alegrai da família. Afinal, apesar de pobre, era natal em que havia alguma coisa para comer e uma casa para os acolher, principalmente uma família para se reunir.

Neste natal a novidade é que nem esse natal pobre existe. Nem a casa existe, nem a família reunida, nem o bacalhau, nem as couves, nem a árvore de natal enfeitada com tufos de algodão por ser "mais em conta". O pequeno presépio, como quase tudo o resto de mobiliário, foi-se no arresto. Alguns da família, neste natal, são sem-abrigo. Outros sobrevivem por favor e solidariedade em casas de amigos que já estão a ficar fartos e também eles a empobrecerem...

Quantos são que estão nestas circunstâncias em Portugal? E por partes do resto do mundo dito cristão? Cristão?

Neste natal, como em tantos outros, a hipocrisia está esparramada nas palhinhas. Não o Menino Jesus.

Já repararam? Já pensaram? E então? Que se lixe?

Neste natal não escrevo mais por aqui estas coisas enfadonhas que nos puxam para a triste realidade e nos obrigam a olhar além dos nossos umbigos. Que até nos dão vontade de mudar, de sermos humanos, autênticos, justos, solidários, exigentes connosco e com aqueles que fazem do natal mais um motivo de exploração, de ilusão, de grande hipocrisia. Para assim camuflarem a miséria que causam, sempre tirando vantagens, tirando as vidas, a dignidade a que todos nós temos direito - ainda mais que um bom natal. Porque natal devia ser todos os dias. Mesmo natal, não este natal dos pobres... de espírito.

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