A
União Europeia continua mergulhada na estagnação, os alentos económicos que diz
sentir são fogachos mortiços, ateados e mantidos por um Banco Central Europeu
que faz de fogueiro a contragosto, muito mais tentado em confiar cegamente no
bendito axioma de que o mercado se regula a si próprio.
Em
Bruxelas, porém, quando se juntam os dirigentes europeus, tanto os maiorais
como os sectoriais, a inquietação é só uma: que se respeite a meta dos 3% de
défice.
A
União Europeia sofre uma das maiores crises sociais dos seus tempos de vida, os
níveis de desemprego continuam assustadores, o regime de austeridade faz
alastrar as bolsas de miséria e pobreza como uma epidemia de peste.
No
entanto, quando os representantes dos governos dos 28 se juntam para conversar
uma só coisa os incomoda: que se cumpra o limite dos 3% de défice.
A
União Europeia sofre a pressão provocada por uma vaga de refugiados sem
comparação na sua história, onda essa resultante de guerras que a União
Europeia se entreteve e entretém a alimentar paulatinamente e que agora
pretende enfrentar dando passos de gigante na direcção da instauração de
Estados policiais, do encerramento de fronteiras, do pagamento de fortunas a
terceiros, com alma de ditadores, para que façam os trabalhos sujos em troca da
agilização dos mecanismos facilitadores de adesão.
Contudo,
quando os chefes de governo e ministros dos 28 se juntam para discutirem os
seus assuntos um só os faz espremer as meninges e tirar dos coldres as armas
das ameaças: ou se cumpre a meta de 3% de défice ou…
Os
muros, as cercas electrificadas, as ordens de atirar a matar contra refugiados
que podem ser terroristas e vice-versa crescem e disseminam-se através de todo
o espaço europeu; dos cacos do muro de Berlim renascem barreiras que separam
famílias e isolam países; com eles reforça-se a fortaleza Europa.
Porém,
sempre que os dirigentes da União, imunes a essas restrições, chegam a Bruxelas
para trocar umas ideias sobre os seus assuntos um só muro os apoquenta: que a
barreira dos 3% de défice seja intransponível.
Os
fascismos ressuscitam em toda a Europa. O regime com sustentação neonazi criado
pelos Estados Unidos, a União Europeia a NATO na Ucrânia continua a desmantelar
o país; o nacionalismo doentio da aristocracia húngara, no poder com a
cumplicidade dos governos dos restantes 27, restaura-se como máquina de
repressão, segregação e prenúncios de morte; em França a Srª Le Pen faz de
Donald Trump enquanto Trump faz de Le Pen nos Estados Unidos, uma confraria que
parece vender saúde; do Báltico a Paris recuperam-se as memórias, os ideários e
a vocação exterminadora dos colaboradores de Hitler.
Apesar
da ameaça que tal situação traz no bojo, provavelmente não passará de um
fait-divers à sobremesa dos banquetes dos chefes europeus, porque o assunto que
os motiva, o que agora e sempre os mantém alerta e com os dedos tensos nos
gatilhos é o respeito pelo défice máximo de 3%.
Enquanto
isso, a NATO pede – e quando a NATO pede é uma ordem – que os orçamentos dos
Estados da União Europeia pertencentes à aliança reflictam os denodados
esforços que o atlantismo distribui por todo o mundo, ao que diz com o intuito
de instaurar a paz e a democracia multiplicando as guerras e expandindo o caos.
Essas
exigências, helas, obrigam Bruxelas a refazer contas, mas o problema
nada tem de dramático. Os dirigentes europeus estão sempre do lado das soluções
e para isso cortam, voltam a cortar, e se for preciso cortam ainda mais na
saúde, na educação, nos salários, na capacidade de sobrevivência das pequenas e
médias empresas, nas reformas dos contribuintes. Porque os orçamentos, para o
serem a valer, têm de assegurar que o défice em nada exceda o valor sagrado dos
3%.
A
barreira do défice de 3% é a pedra de toque da União – a bem dizer a pedra
filosofal para uns quantos. Ela é o verdadeiro segredo da existência da União,
a sua razão de ser. É o disfarce de uma União federativa que não ousa
assumir-se com franqueza, porque criada à revelia dos povos; significa a
instauração de um regime económico comum aos 28, subalternizando-se assim a
vontade dos cidadãos manifestada em urnas; é a liquidação da soberania dos
Estados, porque impedidos de produzir os seus próprios orçamentos; é a
transformação de 27 governos e dos povos desses países, respectivamente, em
serviçais e reféns de uma moeda que apenas serve os poderosos de um único e
poderoso país; é a erradicação do Estado ao serviço dos cidadãos, reduzido a
facilitador da ganância dos gigantes privados e, ao mesmo tempo, impedido de
proceder a qualquer investimento público capaz de beneficiar as pessoas e criar
emprego.
A
União Europeia irá afundar-se no caos em que vive e que continua a alimentar,
fatalidade que se aproxima com celeridade porque a comunidade tem amarrado aos
pés o pedregulho do fundamentalismo do défice.
A
morte da União Europeia não será uma tragédia, antes pelo contrário, poderia
ser uma bênção. O trágico é a probabilidade de tal ocorrer num ambiente de
convulsão, ou mesmo de guerra, em que as vítimas sejam os povos - como se induz
que irá acontecer.
José Goulão – *Mundo Cão
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