Mariana
Mortágua – Jornal de Notícias, opinião
Os
vistos gold são como os offshores. O problema não está no abuso, mas na sua
existência, já que ambos os regimes foram criados para facilitar o abuso. Não
era difícil antecipar os resultados de um regime que escancara as portas do
país e da Europa à entrada de capital estrangeiro mediante o
"investimento" de 500 mil euros. Especulação, branqueamento de
capitais, corrupção são apenas algumas das consequências previsíveis do esquema
criado pelo Governo de Portas e Passos. À data, quando denunciávamos os perigos
da coisa, éramos rapidamente acusados de uma qualquer estirpe de radicalismo
ideológico. Quem não se lembra das promessas vitoriosas de Paulo Portas sobre
os futuros postos de trabalho criados pelos visto gold? Está hoje por saber
qual será o número maior: o dos empregos criados ou o dos arguidos na Operação
Labirinto...
De
acordo com o "Expresso", a associação Transparência e Integridade
(TIAC) tenta há vários meses aceder ao relatório de auditoria dos vistos gold,
na posse do Ministério da Administração Interna. Segundo a anterior ministra,
Anabela Rodrigues, o documento estava inacessível por ser "segredo de
Estado". A organização TIAC não aceitou a justificação para a recusa e
recorreu à Comissão de Acesso de Documentos Administrativos (CADA), que
reconheceu não ter poderes para avaliar aquela classificação do documento.
Tanto a CADA como o Governo responderam que o pedido deveria seguir para a
Entidade Reguladora e Fiscalizadora do Segredo de Estado (ERFSE), órgão da
Assembleia da República.
Por
coincidência, negligência ou falta de vontade, a ERFSE ainda não existe, embora
tenha sido criada (no papel) há um ano. Resumindo: não existe em Portugal
qualquer entidade capaz de avaliar a ocultação de documentos sob a
classificação de "segredo de Estado". A própria ministra da
Administração Interna afirma que o documento é apenas "confidencial"
e não está sob "segredo de Estado". Sabe-se ainda que foi entregue ao
Ministério Público e a um dos arguidos da operação Furacão, por via judicial.
Segundo a notícia, quando confrontado com o pedido de um advogado para aceder
ao relatório, o Ministério Público terá remetido a responsabilidade para a
então ministra Anabela Rodrigues.
A
confirmar-se todo este caso, fica à vista o erro que são os vistos gold, mas
também a facilidade com que, sem qualquer escrutínio, o Governo PSD/CDS usou e abusou
da figura de segredo de Estado para se proteger politicamente. Vale a pena
relembrar que, a não ser que ponha em risco a segurança interna e externa do
Estado, o princípio é a transparência na avaliação e publicação de documentos
administrativos. A democracia precisa de meios para impedir que a nossa
segurança comum seja um carimbo para proteger quem corrompe e se deixa
corromper.
*
Deputada do BE
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