quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

SUDÃO: UM EXEMPLO DE TRELA CURTA



Rui Peralta, Luanda

A desastrosa campanha militar da Arábia Saudita no Iémen demonstrou a sua incapacidade em lidar com as complexas dinâmicas internas da sociedade iemenita. Para tapar o sol com a peneira a petro-monarquia saudita dirigiu-se ao Sudão e a outros Estados africanos para que apoiem a intervenção no Iémen com tropas no terreno.

A capacidade saudita de conseguir um compromisso por parte das Forças Armadas do Sudão parte do pressuposto de que este país encontra-se em plena bancarrota económica e financeira. Desde 1997, as sanções impostas pelos USA ao Banco Central do Sudão dificultaram o acesso do país aos mercados financeiros internacionais. Por sua vez, os conflitos internos – que em finais dos anos 90 agudizaram-se - entre as autoridades sudanesas e os movimentos rebeldes de Darfur, nas províncias do Cordofão e do Nilo Azul, drenaram recursos e quebraram a confiança dos investidores internos e externos.

Quando, em 2011, o Sudão do Sul separou-se, o Sudão perdeu 1/3 do território e a maior parte do seu petróleo. A quebra do preço do petróleo em 2015 teve resultados catastróficos na enferma economia sudanesa, agravando ainda mais a situação interna. Cartum procurou ajuda financeira nas monarquias do Golfo Pérsico e estas, através do Conselho de Cooperação do Golfo proporcionaram um salva-vidas financeiro a Cartum.

Mil milhões de USD foram depositados no Banco Central do Sudão, por parte dos sauditas, depois do Qatar ter depositado mil, duzentos e vinte milhões de USD. O banco Islâmico do Dubai, o Banco Islâmico de Abu Dabi e o Banco Islâmico de Sharja tornaram-se os principais accionistas do Banco de Cartum. Mas este apoio ao Sudão não é gratuito e Cartum pagará essa divida combatendo no Iémen.

Nas últimas semanas centenas de oficiais e soldados sudaneses reforçaram o contingente sudanês, composta por mil militares que já se encontravam no terreno desde Outubro. O ministro da Defesa do Sudão, Awad bin Auf declarou que as Forças Armadas do Sudão têm seis mil homens prontos a intervir, se o comando saudita solicitar e que se for necessário poderão duplicar os efectivos.

No contexto geopolítico da região, o Irão, que apoia os Hóssis, é o alvo a abater. Apesar de durante anos as relações Sudão / Irão serem fortes (em 2008 foi assinado um acordo de cooperação militar e em 2013 o Irão intensificou a construção de bases navais e logísticas em Porto Sudão), a NATO, Israel e os Estados do Golfo nunca viram o reforço desses laços com bons olhos (chegando ao ponto de, em 2013, Riade impediu a delegação presidencial sudanesa de atravessar o espaço aéreo saudita para comparecer á tomada de posse do presidente iraniano, obrigando esta a regressar a Cartum). Pressionado o Sudão inverteu a situação de bom relacionamento com o Irão e em Setembro de 2014 o governo sudanês encerrou os centros culturais iranianos em Cartum e noutras cidades do país, alegando que o Irão pretendia difundir o xiismo no Sudão.

A minoria xiita no Sudão não representa qualquer ameaça para o governo sudanês, pelo que o encerramento dos centros culturais apenas pode ser explicado no contexto internacional e geopolítico, representando a aproximação forçada entre o Sudão e a Arábia Saudita. Um mês depois do encerramento dos centros culturais iranianos o presidente sudanês acusou o Irão nunca apoiou materialmente o Sudão e que apenas fez promessas que nunca cumpriu.

Em Agosto de 2013 Cartum forneceu aos rebeldes sírios armas de fabrico chinês, através do Qatar e participa na coligação liderada pelos USA contra a Síria. Nesse mesmo ano o Tribunal Penal Internacional acusou o presidente sudanês de crimes de guerra, genocídio e terrorismo de Estado, pelos actos cometidos em Darfur, Nilo Azul e Cordofão por parte das forças de segurança e militares sudanesas. O “chapéu-de-chuva” dos Estados do Golfo e da NATO abriu-se e protege o presidente sudanês, que até agora ainda não compareceu perante o tribunal. Por milagre as tensões anteriormente verificadas (como o apoio de Cartum ao Hamas, em Gaza, e á Irmandades Muçulmana no Egipto, ou as acusações de apoio ao “terrorismo fundamentalista”) dissiparam-se. O Sudão é, agora, um actor importante, membro da Liga Árabe e da União Africana, presente no Mar Vermelho e próximo do médio-Oriente.

No entanto a situação interna é cada vez mais insustentável. Alta inflação, alta taxa de desemprego (sobretudo entre as camadas jovens urbanas, onde os índices de desemprego são muito elevados) e a pobreza generalizada, alimentam a crescente oposição ao governo de Cartum. Em Setembro de 2013 milhares de manifestantes que protestavam contra as medidas de austeridade enfrentaram as forças de segurança, Estes confrontos provocaram cerca de uma dezena de mortos, centenas de feridos e de detenções. Desde aí as manifestações foram suspensas, embora por todo o país (e com especial incidência em Cartum) se façam sentir protestos de rua, greves e comícios.

O regime sudanês, acusado pelo Tribunal Penal Internacional, gere uma economia em bancarrota (situação que foi causada, curiosamente, pelos seus actuais aliados do Golfo Pérsico e pelos seus novos amigos dos USA e NATO) não hesita em enviar os sudaneses como carne para canhão para os campos de intervenção militar dos seus credores. Mas para quem tem as mãos manchadas de sangue, esta é apenas mais uma mancha….

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