Rui Peralta, Luanda
A
desastrosa campanha militar da Arábia Saudita no Iémen demonstrou a sua
incapacidade em lidar com as complexas dinâmicas internas da sociedade
iemenita. Para tapar o sol com a peneira a petro-monarquia saudita dirigiu-se
ao Sudão e a outros Estados africanos para que apoiem a intervenção no Iémen
com tropas no terreno.
A capacidade saudita de conseguir um compromisso por parte das Forças Armadas
do Sudão parte do pressuposto de que este país encontra-se em plena bancarrota
económica e financeira. Desde 1997, as sanções impostas pelos USA ao Banco
Central do Sudão dificultaram o acesso do país aos mercados financeiros
internacionais. Por sua vez, os conflitos internos – que em finais dos anos 90
agudizaram-se - entre as autoridades sudanesas e os movimentos rebeldes de
Darfur, nas províncias do Cordofão e do Nilo Azul, drenaram recursos e
quebraram a confiança dos investidores internos e externos.
Quando, em 2011, o Sudão do Sul separou-se, o Sudão perdeu 1/3 do território e
a maior parte do seu petróleo. A quebra do preço do petróleo em 2015 teve
resultados catastróficos na enferma economia sudanesa, agravando ainda mais a
situação interna. Cartum procurou ajuda financeira nas monarquias do Golfo Pérsico
e estas, através do Conselho de Cooperação do Golfo proporcionaram um
salva-vidas financeiro a Cartum.
Mil milhões de USD foram depositados no Banco Central do Sudão, por parte dos
sauditas, depois do Qatar ter depositado mil, duzentos e vinte milhões de USD.
O banco Islâmico do Dubai, o Banco Islâmico de Abu Dabi e o Banco Islâmico de
Sharja tornaram-se os principais accionistas do Banco de Cartum. Mas este apoio
ao Sudão não é gratuito e Cartum pagará essa divida combatendo no Iémen.
Nas últimas semanas centenas de oficiais e soldados sudaneses reforçaram o
contingente sudanês, composta por mil militares que já se encontravam no
terreno desde Outubro. O ministro da Defesa do Sudão, Awad bin Auf declarou que
as Forças Armadas do Sudão têm seis mil homens prontos a intervir, se o comando
saudita solicitar e que se for necessário poderão duplicar os efectivos.
No contexto geopolítico da região, o Irão, que apoia os Hóssis, é o alvo a
abater. Apesar de durante anos as relações Sudão / Irão serem fortes (em 2008
foi assinado um acordo de cooperação militar e em 2013 o Irão intensificou a
construção de bases navais e logísticas em Porto Sudão), a NATO, Israel e os
Estados do Golfo nunca viram o reforço desses laços com bons olhos (chegando ao
ponto de, em 2013, Riade impediu a delegação presidencial sudanesa de
atravessar o espaço aéreo saudita para comparecer á tomada de posse do
presidente iraniano, obrigando esta a regressar a Cartum). Pressionado o Sudão
inverteu a situação de bom relacionamento com o Irão e em Setembro de 2014 o
governo sudanês encerrou os centros culturais iranianos em Cartum e noutras
cidades do país, alegando que o Irão pretendia difundir o xiismo no Sudão.
A minoria xiita no Sudão não representa qualquer ameaça para o governo sudanês,
pelo que o encerramento dos centros culturais apenas pode ser explicado no
contexto internacional e geopolítico, representando a aproximação forçada entre
o Sudão e a Arábia Saudita. Um mês depois do encerramento dos centros culturais
iranianos o presidente sudanês acusou o Irão nunca apoiou materialmente o Sudão
e que apenas fez promessas que nunca cumpriu.
Em
Agosto de 2013 Cartum forneceu aos rebeldes sírios armas de fabrico chinês,
através do Qatar e participa na coligação liderada pelos USA contra a Síria.
Nesse mesmo ano o Tribunal Penal Internacional acusou o presidente sudanês de
crimes de guerra, genocídio e terrorismo de Estado, pelos actos cometidos em
Darfur, Nilo Azul e Cordofão por parte das forças de segurança e militares
sudanesas. O “chapéu-de-chuva” dos Estados do Golfo e da NATO abriu-se e
protege o presidente sudanês, que até agora ainda não compareceu perante o
tribunal. Por milagre as tensões anteriormente verificadas (como o apoio
de Cartum ao Hamas, em Gaza, e á Irmandades Muçulmana no Egipto, ou as
acusações de apoio ao “terrorismo fundamentalista”) dissiparam-se. O Sudão é,
agora, um actor importante, membro da Liga Árabe e da União Africana, presente
no Mar Vermelho e próximo do médio-Oriente.
No
entanto a situação interna é cada vez mais insustentável. Alta inflação, alta
taxa de desemprego (sobretudo entre as camadas jovens urbanas, onde os índices
de desemprego são muito elevados) e a pobreza generalizada, alimentam a
crescente oposição ao governo de Cartum. Em Setembro de 2013 milhares de
manifestantes que protestavam contra as medidas de austeridade enfrentaram as
forças de segurança, Estes confrontos provocaram cerca de uma dezena de mortos,
centenas de feridos e de detenções. Desde aí as manifestações foram suspensas,
embora por todo o país (e com especial incidência em Cartum) se façam sentir
protestos de rua, greves e comícios.
O
regime sudanês, acusado pelo Tribunal Penal Internacional, gere uma economia em
bancarrota (situação que foi causada, curiosamente, pelos seus actuais aliados
do Golfo Pérsico e pelos seus novos amigos dos USA e NATO) não hesita em enviar
os sudaneses como carne para canhão para os campos de intervenção militar dos
seus credores. Mas para quem tem as mãos manchadas de sangue, esta é apenas
mais uma mancha….
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