Retrato
do país que surge associado à ida de Jesus para o Sporting. Do tamanho do
Alentejo, é governado há 36 anos por Teodoro Obiang, considerado um dos piores
ditadores africanos. Veja e ouça a história do pequeno país numa infografia
animada publicada originalmente aquando da sua entrada para a CPLP, em julho de
2014
A
Guiné Equatorial, país africano de 680 mil habitantes, tem uma área
ligeiramente inferior à do Alentejo. Aos comandos da nação - composta pela ilha
de Bioko, onde fica a capital, Malabo, e uma zona continental entre os Camarões
e o Gabão - está, há 36 anos, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, considerado um dos
piores ditadores africanos por várias organizações internacionais. Nascido
durante a era colonial na então Guiné Espanhola, fez formação militar em
Saragoça e foi um elemento importante do Governo do seu tio Francisco Macías
Nguema, primeiro Presidente após a independência, conquistada em 1968. Em 1979,
Obiang depôs o tio num golpe de Estado sangrento.
Alimentado
pelas receitas do petróleo descoberto nos anos 90 - na África subsariana só
Angola e Nigéria produzem mais do que a Guiné Equatorial -, este regime
despótico procura reconhecimento internacional, não raro "comprado".
Depois de ter presidido à União Africana em 2011-2012, aderiu em julho do ano
passado à irmandade lusófona, com o beneplácito, entre outros, do Governo
português. A língua de Camões é oficial desde 2011 na Guiné Equatorial, embora
pouco falada. Outro requisito para entrar na CPLP, a democratização, é uma
promessa em que os demais membros dizem acreditar.
Nada
no currículo de Obiang justifica tanta fé. Eis um retrato do tirano, em cinco
pinceladas
OS
CINCO PECADOS DE OBIANG
A
Guiné Equatorial é considerada um dos países mais corruptos do mundo. Doente,
Obiang aposta no filho Teodorín para lhe suceder
1.
Mau governo
Obiang derrubou o tio Macías, em 1979, para pôr fim a um regime a que chamavam
"a Dachau africana" e que fizera fugir mais de um terço da população.
A 3 de agosto, no auge de um verão em que o ditador mandara matar membros da
própria família, o seu sobrinho Teodoro - governador militar da ilha de Bioko e
vice-ministro das Forças Armadas - iniciou uma ação que iria exonerar o tio.
Capturado dias mais tarde na floresta, Macías foi sumariamente julgado e
executado. A vida dos guineenses equatorianos, porém, não melhorou muito: embora
o país seja o mais rico da África subsariana em termos de PIB per capita (35
mil dólares, semelhante ao do Reino Unido), 78% dos seus habitantes vivem
abaixo da linha de pobreza, a maioria com menos de um euro por dia. Uma em cada
oito crianças morre antes de fazer 5 anos, segundo as Nações Unidas e o Banco
Mundial. A riqueza petrolífera alimenta a elite governante, enquanto metade da
população não tem acesso a água potável ou eletricidade. De nada serviram as
promessas de transparência, desenvolvimento social, reformas legislativas e
liberdades fundamentais feitas por Obiang em 2011, na Assembleia Geral da ONU,
assegurando que seguiria as recomendações do Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas. Também garantiu que "a corrupção não é um problema na Guiné
Equatorial", quando todos os observadores independentes dizem que é um
flagelo do qual o Chefe de Estado é o principal beneficiário.
Como
se não bastasse, há três anos o país gastou o equivalente a 600 milhões de
euros para construir um recinto para acolher a Cimeira da União Africana e
está, desde 2012, a construir uma nova capital, concebida pelo ateliê de
arquitetura português Ideias do Futuro. A cidade, de nome Oyala, deverá estar
terminada em 2020, pronta para acolher 200 mil habitantes.
A
televisão britânica BBC calcula que vá custar alguns milhares de milhões de
euros.
Não
admira, pois o dinheiro que Obiang usou para construir palácios presidenciais
desde 1979 ultrapassa o que foi gasto em despesas sociais.
2.
Corrupção
Na
Guiné Equatorial "não há realmente um Governo", afirmou um
ex-embaixador dos EUA naquelas paragens. "O que há é uma conspiração
criminosa familiar, que gere o país." Obiang reconheceu, em 2003,
controlar pessoalmente o erário público. Explicou que o fazia para que os funcionários
públicos não se deixassem corromper, mas o certo é que a revista
"Forbes" calcula a sua fortuna em 435 mil milhões de euros. A sua
família tinha mais de 300 mil milhões no Riggs Bank, em Washington, que faliu
em 2005 e chegou a ser multado por aceitar dinheiros que empresas pagaram
indevidamente a Obiang. Fala-se de contratos públicos inflacionados, obras que
não se realizam, extorsão.
Apesar
das garantias de honestidade do ditador, a candidatura ao projeto internacional
"Iniciativa pela Transparência das Indústrias Extratoras" não passou
disso, e, se Obiang prometeu criar uma comissão supervisora das finanças, esta
perdeu o sentido ao saber-se que os membros seriam nomeados pelo líder.
Segundo
a ONG Transparency International, a Guiné Equatorial é um dos 12 países mais
corruptos do mundo. A família do governante tem mansões, terrenos e automóveis
de luxo, especialmente o filho e putativo sucessor Teodoro - conhecido por
Teodorín -, acusado em tribunais dos EUA e França, que já lhe congelaram bens.
Ex-ministro da Agricultura - ganhava 5000 euros por mês, o que não chega para a
vida que leva -, passa mais tempo em Paris do que na Guiné Equatorial e também
tem casa em Malibu, São Paulo, Buenos Aires e Cidade do Cabo, carros Bugatti,
Bentley e Lamborghini, um avião, quadros de Renoir, Degas, Gauguin ou Matisse,
300 garrafas de vinho Château Petrus e muitos pertences do cantor Michael
Jackson e do estilista Yves Saint-Laurent, comprados em leilões. Espanha
também investiga Teodorín e a mãe, Constancia, por terem criado a empresa
fantasma Eloba, que nem pagava aos empregados. Roberto Berardi, um italiano que
é sócio da Eloba, está preso em
Malabo. A reação do ditador às investigações - que envolvem
ainda um genro e um sobrinho, ambos ministros - costuma ser desqualificar ou
até processar quem as lança ou divulga. Pelo sim pelo não, nomeou o filho
vice-delegado permanente do país junto da UNESCO, um posto que lhe garante
imunidade diplomática.
3.
Repressão
Quando
derrubou o tio Francisco Macías (primeiro Presidente do país) - que mandara
matar dezenas de milhares de pessoas, incluindo vários parentes, entre eles um
irmão de Teodoro Obiang -, o novo governante prometeu um recomeço. Estava-se a
3 de agosto de 1979 e, a título de comparação, em Portugal o Presidente da
República era Ramalho Eanes (no primeiro mandato) e a primeira-ministra Maria
de Lourdes Pintasilgo. Obiang concedeu amnistia aos presos políticos e pôs fim
ao sistema de trabalhos forçados vigentes. Levou o tirano deposto a tribunal
por genocídio, e Macías acabou fuzilado a 29 de setembro. O novo regime foi
honrado com visitas do rei de Espanha e do Papa João Paulo II, como vai ser
este ano com a adesão à CPLP. Do que nunca se falou foi do papel que Obiang
tivera no regime derrubado. Governador militar da ilha de Bioko, o então jovem
tenente chefiara a Guarda Nacional e foi diretor da prisão da Praia Negra, um
inferno onde iam parar os prisioneiros políticos. Ali eram detidos em
solitária, sem comida nem água, torturados, humilhados, executados à paulada
com barras de ferro, obrigados a dançar à noite, ao ar livre, e agredidos com
ferros incandescentes quando ficavam cansados. Por algum motivo foram
escolhidos, para o julgamento de Macías, apenas crimes que não implicassem
Obiang. E nada mudou com o novo Governo, ao ponto de uma inspeção da ONU ter
considerado, em 2002, que a tortura é "o meio normal de investigação"
na Guiné Equatorial.
Pulsos
quebrados, mutilações, violações e choques elétricos são prática comum, segundo
investigações do Departamento de Estado dos EUA. Faltam justiça, liberdade de
expressão e informação onde sobram execuções extrajudiciais e raptos pelo
Governo. Num apontamento especialmente macabro, Obiang foi, à semelhança dos déspotas
Idi Amin (Uganda) e Bokassa (República Centro-Africana), acusado de praticar
canibalismo contra inimigos.
4.
Culto da personalidade
Francisco
Macías, antecessor de Obiang, era o protótipo do tirano egocêntrico, endeusado
como "Líder de Aço" ou "Único Milagre" e com o título
oficial de "Presidente Vitalício, Major-General das Forças Armadas
Nacionais e Grão-Mestre da Educação, Ciência e Cultura".
Do
sobrinho Teodoro, o mínimo que se pode dizer é que quem sai aos seus não
degenera.
O
"Cavalheiro da Grande Ilha de Bioko, Annobón e Río Muní" ou, se
preferirmos uma versão mais breve, "O Libertador" ou "O
Chefe" chegou ao ponto de propor à UNESCO - que, pasme-se, aceitou - a
criação do Prémio Internacional UNESCO-Obiang Nguema Mbasogo para Investigação
nas Ciências da Vida, em 2012, para o qual doou três milhões de dólares. O
galardão visa distinguir quem contribui para melhorar a qualidade de vida dos
demais, feito de que é duvidoso que o próprio patrocinador do prémio se possa
gabar.
Isto
gerou uma onda de protestos contra a UNESCO. O culto da personalidade vai ao
ponto, segundo a BBC, de a rádio estatal ter chamado a Obiang "Deus do
país", assegurando que o Presidente está "em contacto permanente com
o Todo-Poderoso", pelo que "pode decidir matar sem que ninguém lhe
peça contas e sem ir para o Inferno". É de notar que a rádio oficial é a
principal fonte de informação e que a única rádio privada pertence a Teodorín.
Os discursos oficiais terminam sempre com votos de longa vida não à nação mas
ao Presidente, cuja cara aparece um pouco por todo o lado, de cartazes na rua
(incluindo um a desejarlhe Bom Ano Novo) às roupas dos cidadãos comuns. Por
toda a parte há ruas cujos nomes comemoram a insurreição que levou Obiang ao
poder. É o Chefe de Estado não monárquico há mais tempo no poder em todo o
mundo - 35 anos - e não há sinais de que tencione sair, por mais que vá
preparando o primogénito, Teodorín, para a sucessão. Um alegado cancro da
próstata poderá, para este efeito, ter mais influência do que a diplomacia global,
caso o sátrapa lhe não resista ou algum movimento de descontentes aproveite uma
das suas frequentes idas ao estrangeiro para tratamento para realizar um golpe.
5.
Farsa democrática
Depois
da rapidez que exibiu em depurar o regime de Macías, Obiang apressou-se a
declarar que o país ia tornar-se uma democracia multipartidária. A história
seguiu, todavia, outras vias: as primeiras eleições presidenciais só se
realizaram 10 anos após o golpe (inicialmente, Obiang fez-se aprovar na
presidência em referendo) e, como as que se lhe seguiram, foram tudo menos
livres e justas, segundo os observadores internacionais. Se em 1989 o
Presidente não teve adversários, em 1996 houve-os, mas acabaram por boicotar o
ato eleitoral devido à falta de equidade. Obiang venceu com 97,8%. Em 2002,
perante novo boicote dos adversários, o seu total nacional foi ligeiramente
pior (97,1%), mas conseguiu a proeza de ter tido, num dos círculos eleitorais e
segundo dados oficiais, 103% dos votos! Já em 2009, o resultado caiu para 95,4%. Deixando ao leitor a tarefa de calcular dentro de quanto tempo será plausível,
a este ritmo, que alguém o bata nas urnas, recordemos que, em legislativas, o
seu Partido Democrático da Guiné Equatorial (uma designação de questionável
exatidão) venceu sempre destacado, e a oposição nunca ultrapassou os 12
deputados, num Parlamento com 80. Atualmente, tem apenas um, e no Senado,
criado na revisão constitucional de 2011, o Presidente tem a prerrogativa de
nomear 15 dos 70 membros.
E
se a Lei Fundamental introduziu a limitação dos mandatos, Obiang frisou em
entrevista à veterana Christiana Ammanpour, da CNN, que as alterações não eram
retroativas. Nada que admire num dirigente que, em 2006, perguntou: "Que
direito tem a oposição de criticar as ações de um Governo?" O jornal
britânico "The Guardian" conta que um delegado eleitoral do partido
oposicionista Convergência para a Social-Democracia já teve de assinar, com uma
arma apontada à cabeça, o relatório da contagem oficial de votos, embora houvesse
representantes do Governo a votar por aldeias inteiras.