quinta-feira, 12 de novembro de 2015

UM TESTE À UNIÃO EUROPEIA




Depois da Grécia, e em condições com alguns pontos de contacto e abundantes dissemelhanças, Portugal está a deixar a União Europeia perante um novo teste ao conceito de democracia que pretende tornar único no universo dos 28 Estados membros. Na Grécia, por razões que agora não vêm ao caso uma vez que, como costuma dizer-se, “quem mora no convento é que sabe o que lá vai dentro”, os tecnocratas à solta em Bruxelas e que ninguém elegeu conseguiram fazer vingar as suas vozes de pequenos gauleiters do grande reich do mercantilismo.

Como será em Portugal no caso de os acordos estabelecidos à esquerda se transformarem num governo legítimo acima de qualquer suspeita, imaculado nos termos da mais elementar democracia?

Uma primeira dedução creio não levantar dúvidas. As afirmações de soberania popular contra a crueldade autoritária de Bruxelas começaram pelos dois países mais fustigados e destratados pela arbitrariedade austeritária. O que não acontece por acaso: os povos, por mais conformados que pareçam, não aceitam eternamente as cangas com que lhes carregam os corpos e, mais tarde ou mais cedo, lá chega o dia das surpresas.

Surpresas para alguns, sem dúvida: os partidos portugueses até agora governantes – e os seus gémeos em escala europeia - ainda não recuperaram do choque com o que lhes está a acontecer através da derrocada do “arco da governação”, erguido sobre caboucos de segregação e apartheid político que supostamente lhes outorgava o direito natural, quiçá divino, de governarem ad aeternum como se as eleições não passassem de pró-formas.

Agora, a maioria parlamentar portuguesa, unida em torno de objectivos muito claros e democráticos, propõe-se governar pondo as pessoas em primeiro lugar, privilegiando os direitos destas e não as supostas legitimidades dessa entidade arrogante mas volátil, cruel mas cada vez mais difusa conhecida como “mercado”. Nada, afinal, de muito surpreendente: a maioria parlamentar portuguesa limita-se a seguir os caminhos livres da democracia e a fazer funcionar a soberania do voto popular genuinamente expresso, tudo aquilo que Bruxelas, respectivos mentores e súbditos pregam mas não praticam.

De modo que a declaração de soberania que devolve a Portugal um orgulho e uma esperança que se julgavam perdidos vem questionar, no fundo, a essência actual da própria União Europeia, sobretudo a partir do momento em que instaurou a austeridade como política única a cargo de um sistema de falsificação da democracia através de um partido único com dois polos, o tal “arco da governação”.

O sr. Rajoy, um neofranquista que trata os povos do Estado espanhol como lacaios que o servem e à casa real, diz que “não gosta” do que acontece em Portugal. Em boa verdade, ninguém lhe pediu opinião, mas já que a dá serve para entender o espírito que percorre o espaço da União, provavelmente desde a Península até aos revanchistas fascistoides do Báltico, pequeninos mas com os dentes bem aguçados pelos donos em Berlim. Ao ponto de Bruxelas parecer mais incomodada com o governo que ainda não existe em Portugal e as suas previsíveis declarações de soberania perante os mercados do que com as preocupações da senhora Le Pen, aterrorizada com “a epidemia bacteriana da imigração”, isto é, as supostas doenças contagiosas trazidas pelos refugiados e que mancham a pureza sanitária dos franceses, um mal que ela promete erradicar se lhe entregarem os bastões governamentais.

De qualquer modo deixemos o teste no ar. O que mais tira o sono aos tecnocratas austeritários de Bruxelas? O eventual governo de esquerda em Portugal construído segundo as normas básicas da democracia e da soberania nacional? Ou declarações racistas e incendiárias, potencialmente pré governamentais, proferidas por uma dirigente política de um dos dois mais poderosos países da União que não esconde o seu programa fascista mas respeita sabujamente “o mercado”?

Creio que sabemos a resposta. Por isso a União Europeia deu no que deu.

*em Mundo Cão

Portugal. GOVERNO DE CAVACO, PASSOS E PORTAS VENDERAM A TAP. LEGALMENTE?



A TAP, companhia aérea de Portugal, foi hoje vendida, privatizada. Foi uma pressa que deu no governo que agora é de gestão por ter sido rejeitado maioritariamente no parlamento. 

Foi uma pressa que muitos questionam sobre a legalidade de tal venda, em que Cavaco no seu silêncio, no seu fingido abstracionismo, nos seus hipócritas tabus, não mexeu uma palha para desmanchar o negócio. O ultimar do negócio decorreu à porta fechada hoje à tarde em Lisboa. À pressa. Negócio estranho. Ou será que foi mais um “negócio” do estilo submarinos, no inverso. Em vez de ter sido o governo a comprar foi o governo de gestão a vender… à pressa. Quanto renderá para a TAP? E para outros ditos impunes? Nada?

Nunca se sabe. Com esta gente é sempre de desconfiar. Ainda para mais por sabermos que os ladrões andam por aí à solta e impunes.

Redação PG

Privatização da TAP finalizada hoje em cerimónia privada
  
O Governo aprovou, esta quinta-feira, em Conselho de Ministros a minuta final do acordo relativo à conclusão do processo de privatização da TAP, considerando que a celebração do contrato é uma necessidade urgente e inadiável.

A venda de 61% do capital da TAP ao consórcio Gateway, de David Neeleman e de Humberto Pedrosa, será concretizada ainda esta quinta-feira, numa cerimónia privada na presença do Governo, sem comunicação social.

O ato contará com a presença secretário de Estado dos Transportes, Miguel Pinto Luz, e da secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, revelou o primeiro na conferência de imprensa que se seguiu à reunião desta quinta-feira, do Conselho de Ministros.

A secretária de Estado do Tesouro, Isabel Castelo Branco, disse posteriormente não ter ainda conhecimento da hora da cerimónia e reforçou que a organização do ato "cabe à Parpública", sociedade gestora de participações sociais de capitais exclusivamente públicos.

"A própria urgência do processo e a necessidade de o completar não se compadece neste momento com muitas cerimónias", declarou a governante.

Na quarta-feira, o PS apelou ao presidente da Parpública para que não feche a venda dos 61% da TAP ao consórcio Gateway, realçando que "não estão reunidas as condições legais nem políticas para que se mantenha este processo de reprivatização".

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Portugal. Passos desafia PS a fazer revisão constitucional para permitir novas eleições



O primeiro-ministro e presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, desafiou hoje o PS a aceitar fazer uma revisão constitucional extraordinária para que rapidamente possa haver novas eleições legislativas.

"Estou inteiramente disponível para dar o meu apoio a uma revisão constitucional extraordinária que garanta a possibilidade de o parlamento ser dissolvido para que seja o povo português a escolher o seu Governo", afirmou Passos Coelho, numa sessão pública promovida pelo PSD e pelo CDS-PP, num hotel de Lisboa.

"Se aqueles que querem governar na nossa vez não querem governar como golpistas ou como fraudulentos, deveriam aceitar essa revisão constitucional e permitir a realização de eleições", acrescentou o chefe do executivo PSD/CDS-PP, que foi demitido na terça-feira através de uma moção de rejeição aprovada pelos partidos da oposição.

IEL // JPS - Lusa

Portugal. Chefe da segurança social suspeito de corrupção sujeito a caução de 30 mil euros



O funcionário da Segurança Social detido na terça-feira pela Polícia Judiciária (PJ), por corrupção e outros crimes, terá de prestar uma caução de 30.000 euros para aguardar o desenrolar do processo em liberdade, foi hoje divulgado.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) avançou à agência Lusa que aquele arguido ficou submetido às medidas de coacção de suspensão do exercício de funções, proibição de acesso às instalações da segurança social e de contacto com funcionários da mesma instituição, proibição de se ausentar para o estrangeiro e prestação de caução no valor de 30.000 euros.

Ao segundo arguido detido, coautor de uma parte dos crimes, mas sem a qualidade de funcionário público, foi imposta a proibição de contactos e de frequentar instalações da Segurança Social, a proibição de se ausentar para o estrangeiro e a obrigação de prestação de caução no valor de 15.000 euros.

Após o interrogatório judicial, os dois arguidos ficaram indiciados pela prática de vários crimes de corrupção passiva para ato ilícito, falsidade informática, abuso de poder e peculato.

"No essencial, recolheram-se fortes indícios de que um dos arguidos, enquanto Chefe de Equipa na Gestão de Remunerações da Segurança Social, no Centro Distrital de Lisboa (Núcleo de Remunerações), em coautoria com um familiar também arguido, solicitavam e aceitavam quantias em dinheiro e outros benefícios patrimoniais a troco de o arguido/funcionário da segurança social proceder à pretendida anulação de dívidas de empresas ou de particulares, obter indevidamente a atribuição de subsídios de desemprego e aumentar os valores de pensões de reforma", precisa o Ministério Público, em resposta à agência Lusa.

A investigação da 9.ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa apurou que aquele funcionário da Segurança Social manipulava os dados existentes no sistema informático, procedendo à respetiva alteração fraudulenta. Os factos ocorreram entre o ano de 2013 e outubro de 2015.

De acordo com o MP, o arguido, com as funções de chefe de equipa, aproveitou-se "ilicitamente do exercício de funções públicas para enriquecimento ilícito individual, pondo em crise a isenção, probidade e transparência do cargo, lesando o dever de tratamento igual de todos os beneficiários e revelando falta de condições para o exercício da função pública".

A operação, que levou à detenção dos dois arguidos e implicou a realização de buscas domiciliária, a empresas e à Segurança Social, foi executada pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária.

FC/CP // MAG - Lusa

Guiné-Bissau com pior resultado entre lusófonos em mortalidade materna segundo OMS



A Guiné-Bissau tem o pior nível de mortalidade materna entre os países lusófonos, com 549 mortes de mulheres em 100.000 nascimentos de nados vivos em 2015, segundo um estudo divulgado hoje pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

No estudo "Tendência da mortalidade materna: de 1990 a 2015 - Estimativas da OMS, UNICEF, UNFPA, Grupo do Banco Mundial e da Divisão de População das Nações Unidas" indica-se que a Guiné-Bissau está num grupo de 18 países, todos da África Subsaariana, com altos índices de mortalidade materna, que variam entre 900 e 500 mortes por 100.000 nados vivos.

Os responsáveis pelo relatório referem que os dados foram usados para verificar quais os países que conseguiram alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) adotados em 2000, em que os estados-membros da ONU se comprometeram a reduzir este ano a taxa de mortalidade materna em 75 por cento relativamente a 1990.

De acordo com o estudo, a Guiné-Bissau não fez progressos suficientes nesta matéria, pois a redução da mortalidade materna no período entre 1990 (907 mortes) e 2015 (549 mortes) foi de apenas 39,5%.

Cabo Verde (83,6% na redução de mortes maternas entre 1990 e 2015) e Timor-Leste (80,1%) são apontados no estudo como países que conseguiram atingir os ODM nesta matéria, sendo que apenas nove cumpriram essa meta (além dos dois lusófonos foram o Butão, o Camboja, o Irão, o Laos, as Maldivas, a Mongólia, o Ruanda).

Enquanto Cabo Verde passou de 256 mortes maternas em 100.000 nado vivos em 1990 para 42 em 2015, Timor-Leste reduziu as 1.080 mortes em 1990 para apenas 215 em 2015.
No estudo aponta-se que os demais países lusófonos estão a fazer progressos significativos no que se refere à mortalidade materna.

A Guiné Equatorial, novo integrante da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP - desde 2014), obteve uma redução de 73,9% nas mortes maternas, passando de 1.310 mortes em 1990 para 342 em 2015.

São Tomé e Príncipe diminuiu as mortes maternas em 52,7%, passando de 330 mortes em 1990 para 156 em 2015, assim como Moçambique, que diminuiu a mortalidade de 1.390 mortes para 489 (64,8%) no mesmo período.

Angola conseguiu progressos no que se refere à mortalidade materna, com uma redução de 58,9% (1.160 mortes em 1990 e 477 mortes em 2015).

O Brasil apresentou no período estudado uma redução de 57,7% (104 mortes em 1990 para 44 mortes em 2015), sendo assim considerado um país que está a fazer progressos na matéria.

Portugal teve uma redução de 41,2% nas mortes maternas no período avaliado, passando de 17 mortes (1990) para 10 (2015).

Em 2015, houve cinco países em que 10% ou mais das mortes maternas estiveram relacionadas com a SIDA (em óbitos indiretos), que são África do Sul (32%), Suazilândia (19%), Botswana (18%), Lesoto (13%) e Moçambique (11%).

"Este relatório mostra que no final de 2015 a mortalidade materna terá caído 44% relativamente aos níveis de 1990", afirmou Lale Say, coordenadora do departamento de saúde reprodutiva e investigação da Organização Mundial de Saúde (OMS).

"Trata-se de um enorme progresso, mas o avanço é desigual entre os países, em diferentes regiões do mundo", com 99% de mortes a envolverem países em desenvolvimento (sobretudo na África e Ásia), disse a especialista, numa conferência de imprensa realizada em Genebra.

A Serra Leoa foi o país com o maior índice de mortalidade materna em 2015, com 1.360 mortes em 100.000 nado vivos, mas em 1990 foram 2.630 mortes.

Finlândia, Polónia, Grécia e Islândia apresentaram apenas três mortes maternas em 100.000 nados vivos em 2015, o número mais baixo entre os países analisados.

A ONU definiu agora o objetivo de reduzir o rácio de mortes maternas para menos de 70 em cada 100 mil nados-vivos até 2030.

CSR // APN - Lusa

Advogados de ativistas angolanos sem acesso ao processo a quatro dias do julgamento



Os advogados que defendem os 17 ativistas angolanos acusados de prepararem uma rebelião denunciaram hoje que a quatro dias do julgamento continuam sem ter acesso ao processo, queixando-se de falta de condições para uma "defesa justa".

Os quatro advogados que asseguram a defesa destes jovens, 15 dos quais em prisão preventiva desde junho, afirmam que continuam a não ter acesso ao processo, um mês depois do despacho de pronúncia, o qual terá "mais de 1.500 páginas", escutas e vídeos, apesar de o julgamento ter início agendado para segunda-feira, em Luanda.

"Como é que é possível ter um julgamento justo quando não sabemos o que está lá no processo? Já o tentamos consultar, mas há um despacho a dizer que somos a obrigados a ir ver no tribunal, porque é volumoso, mas depois eles próprios estão a mudar de tribunal e não informam oficialmente", queixou-se, em declarações à Lusa, o advogado Michel Francisco, que defende quatro dos arguidos neste processo.

Estão todos acusados, entre outros crimes menores, da coautoria material de um crime de atos preparatórios para uma rebelião e para um atentado contra o Presidente de Angola, no âmbito de um curso de formação semanal que decorria desde maio.

Na altura das detenções, estes jovens ativistas realizavam já a sexta sessão desta formação, segundo o despacho de pronúncia, com base na acusação do Ministério Público, o único documento que os advogados conhecem até agora.

Entretanto, para adensar as dúvidas sobre o arranque do julgamento, o próprio tribunal mudou de localização.

Em causa está a mudança da 14.ª secção do Tribunal Provincial de Luanda, que até ao final de outubro funcionava em Cacuaco, segundo relatos públicos sem condições, e que passou entretanto para a zona de Benfica, município de Belas, noutra área dos arredores do centro da capital angolana, mas que ainda não estará a funcionar adequadamente.

"Diz-se, informalmente, que não há condições no tribunal para começar o julgamento, o que joga em desfavor de quem está preso. Se adiarem, eles vão continuar presos e esse é o problema", admitiu Michel Francisco.

Na mesma linha, David Mendes, que defende outros dois arguidos, também ainda não conseguiu consultar o processo, conforme o próprio confirmou à Lusa.

"Até hoje não tivemos acesso ao processo. Amanhã [sexta-feira] vamos tentar outra vez, mas é impossível ir para julgamento sem ouvir as ditas gravações, sem saber o que está no processo. Assim vamos para um julgamento às cegas", criticou.

"Isto é um absurdo. Não sabemos quais são as provas, como vamos fazer a contraprova? Objetivamente não há condições", afirma.

Luís Nascimento, que em conjunto com o colega Walter Tondela defende 11 arguidos, também hoje tentou, em vão, consultar o processo.

"Nem havia luz no tribunal. Fomos lá [ao novo tribunal], nem sequer fomos notificados, mas constatamos a mudança, é verdade. O processo encontra-se no gabinete do juiz, mas não conseguimos ter acesso", lamentou o advogado.

Com 15 arguidos em prisão preventiva, e apesar de não ter acesso a processo, Luís Nascimento recusa um eventual adiamento do julgamento, mesmo que não saiba se será possível iniciar já na segunda-feira, conforme programado.

"Só se chegasse alguma decisão favorável do 'habeas corpus' [recurso em que pedem a libertação imediata dos arguidos] é que podíamos equacionar isso. Nesta fase, mais importante é a libertação deles e para isso é preciso começar o julgamento, não estamos interessados num adiamento", apontou o advogado.

PVJ // EL – Lusa

Angola. SAQUE PRESIDENCIAL NAS COMPRAS DA FILHA EM PORTUGAL



Rui Verde*

O saque dos recursos públicos tem sido uma dança para a fa­mília Dos Santos, com a Isabel na passada.

Por uma daquelas coin­cidências extraordinárias que acontecem uma vez de sete em sete anos, o semanário português Ex­presso, poucos dias depois da publicação de um artigo sobre a aquisição da Efacec por Isabel dos Santos no Maka Angola, vem escla­recer, com ampla chama­da à primeira página, que uma grande parte da com­pra da Efacec por parte da Winterfell foi financiada pela banca portuguesa, tentando assim afastar qualquer suspeita sobre a origem dúbia do dinheiro. Ficámos sem saber exac­tamente que parte (nem o que é uma grande parte), mas também se nos tornou lícito deduzir que a outra parte foi financiada pelo Estado angolano. Os inte­ressados apressaram-se a finalizar o negócio a 23 de Outubro passado.

Os bancos que terão fi­nanciado a parte grande da operação são a Caixa Geral de Depósitos, o BCP, o BPI, o Montepio e o BIC. Afastemos desde já as mis­tificações: O BCP, o BPI, o Montepio e o BIC estão to­talmente dependentes de Angola, designadamente de Isabel dos Santos e da Sonangol. Portanto, esta­mos perante bancos que emprestam dinheiro ao dono…

Sobre a promiscuidade en­tre donos e empréstimos, os mecanismos de supervi­são do Banco de Portugal, para variar, devem andar distraídos.

Mas existe uma segunda questão, que se levanta cada vez com mais acuida­de, que é o facto de Isabel dos Santos ser uma PEP (Pessoa Exposta Politica­mente) e por isso, segundo o Guião da FATF (Financial Action Task Force), as suas operações em Portugal te­rem que obedecer a crité­rios muito estritos de de­monstração da origem da fortuna. Portanto, vamos admitir que hoje os bancos portugueses já têm sufi­ciente conhecimento da origem da fortuna de Dos Santos e que lhe podem passar um atestado de le­galidade. Porque, se assim não fosse, havendo uma mudança política em Luan­da, os bancos portugueses serão financeiramente responsáveis por eventual negligência na aplicação destas regras, caso em que terão de indemnizar forte­mente o povo angolano e pagar pesadas multas.

Ainda acerca dos financia­mentos bancários, existe uma terceira questão. Que garantias a Winterfell deu à banca? Sabemos que esta empresa, sem actividade, tem um capital de € 50,000. Logo, não tem qualquer ca­pacidade financeira para receber um empréstimo de um milhão de euros, quan­to mais de vários milhões! Terá havido garantias. De quem? Do Estado angola­no? De Isabel dos Santos? Das acções a adquirir da Efacec?

O Estado angolano e a filha do presidente de Angola compram uma empresa que vai fabricar maqui­naria para barragens an­golanas, em parte com empréstimos de bancos portugueses dominados pelos mesmos angolanos (pai & filha). Não deveria uma operação destas ser transparente? Bastará lan­çar um comunicado para que o Expresso publique uma notícia sobre um sin­dicato de bancos portu­gueses que financiam par­cialmente a operação? Isso ou nada é igual. As dúvidas mantêm-se.

Vamos à restante parte. A banca portuguesa fi­nanciou parcialmente a Winterfell. Admite-se que a outra parte tenha sido fi­nanciada pelo Estado ango­lano via ENDE - Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade. No meio de tudo está a Winterfell, onde se unem Isabel dos Santos e o pai (Estado an­golano).

A Winterfell foi fundada em Dezembro de 2014 no Funchal. A 3 de Junho de 2015 a Niara Holdings, de­tentora da Winterfell, ven­deu à ENDE 800 acções, que correspondem a 40% do capital social. A Niara Holdings tem um capital social de €1,000. Curiosa­mente, esta venda é ante­rior ao despacho presiden­cial de 18 de Agosto, que autoriza a compra. Isto é, a empresa pública angola­na teve de entrar no capi­tal da Winterfell antes da autorização presidencial. Isso é obviamente ilegal. E perguntamo-nos: porquê a pressa? Uma resposta pos­sível é que era necessário que o músculo financeiro do Estado angolano inter­viesse para concretizar a operação de compra da Efacec. Sem Estado não ha­veria operação, e por isso antes de o despacho de José Eduardo dos Santos estar publicado, a ENDE teve de avançar. Trata-se de um tema a ser estudado pelos administrativistas angolanos. Será que a ope­ração é nula por falta de su­porte legal?

Actualmente, a Winterfe­ll tem dois sócios: a Niara Holdings e a ENDE.

PROMISCUIDADE EMPRESARIAL E DE REGIME

A Niara Holdings é uma sociedade unipessoal, per­tença de Isabel dos Santos e está registada no Funchal, e cujo gerente é Mário Lei­te da Silva, administrador do BPI, presidente do Con­selho de Administração da Santoro (accionista do BPI) e também administrador da Winterfell. Tendo em conta que o BPI financiou a Winterfell, há aqui um potencial conflito de inte­resses.

Mário Leite da Silva é um português licenciado em Economia pela FEUP, es­pecializado em auditoria e controlo de gestão, que trabalhou e começou a vida no Grupo Amorim e é hoje o principal gestor das operações de Isabel dos Santos. Aparentemente, é filiado no Partido Social Democrata (PSD) portu­guês.

Os administradores da Winterfell são, além do citado Mário Leite Silva, Isabel dos Santos, Noel Scicluna e Edward Car­bone, estes dois últimos com residência em Malta, por onde terá sido feita a operação. O primeiro mal­tês é um advogado em La Valletta, a capital de Malta, onde se especializou em serviços jurídicos financei­ros. O segundo, Carbone, é um contabilista, antigo presidente da Autoridade dos Serviços Financeiros de Malta e hoje no sector privado maltês, onde se tornou administrador de várias companhias. Hoje está semi-reformado.

O curioso é que não há ne­nhum administrador com ligação visível à ENDE. Será que Isabel dos Santos representa os interesses da empresa estatal angolana?

E o que faz a pequena e só­lida ilha de Malta no meio disto tudo, quando as off­-shores de Isabel são ma­deirenses?

Não posso dizer nada so­bre este caso concreto nem sobre as razões da sua ligação a Malta.

Mas posso falar acerca do caso recente de Diezani Alison-Madueke, ministra do Petróleo do antigo pre­sidente nigeriano Jonathan Goodluck, que foi detida em Londres no passado dia 2 de Outubro, acusada de desviar dinheiro estatal proveniente das receitas do petróleo nigeriano (o maior produtor de África) e de conseguir branquear esse dinheiro através de uma rede de cúmplices. Se­gundo a investigação, Mal­ta parece ter sido o centro preferido por Diezani para estabelecer os complexos circuitos financeiros que visavam apagar o rasto do dinheiro aparentemente roubado.

Obviamente, este assun­to da compra da Efacec é demasiado opaco e não se resolve com comunicados mansos.

*Doutor em direito

*Folha 8 Digital


ATIVISTAS ANGOLANOS CONVIDAM GOVERNANTES PARA DEBATE DE “LIVRO SUBSERSIVO”



12 ativistas detidos esta quarta-feira (11.11), em Luanda, já estão em liberdade. Os jovens convidam agora as autoridades a debater o livro de Gene Sharp que esteve na origem da detenção de 15 ativistas em junho.

12 jovens foram detidos durante cinco horas, esta quarta-feira (11.11) em Luanda, durante uma manifestação a propósito do dia da independência de Angola, e sujeitos a várias interrogações de elementos ligados à Policia Nacional, à Unidade de Guarda Presidencial (UGP), e aos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado. Os ativistas foram libertados às 19h00.

Um dos membros do autodenominado "Conselho Nacional dos Ativistas Cívicos de Angola”, Emiliano Catumbela, afirma que desmaiou na hora da detenção, depois de ser agredido no peito. “Eu próprio cheguei a desmaiar. Neste momento, encontro-me com o peito inflamado”, conta.

“Fomos detidos às 14h00, encarcerados pelos agentes da Polícia e torturados psicologicamente”, explica o ativista, acrescentando que os jovens foram “acusados de pertencerem à oposição angolana e de serem instigados por líderes e organizações internacionais”

“Fomos cercados pelos homens da UGP, Serviços de Inteligência e Polícia Nacional. Todos eles tiveram a arrogância de falar em torturar e matar”, afirma Emiliano Catumbela.

Figuras políticas recebem convite para debater obra de Gene Sharp

No passado dia 20 de junho, 15 jovens ativistas foram detidos, acusados de tentativa de golpe de Estado. Estavam reunidos numa sala, em Luanda, para debater o livro do norte-americano Gene Sharp, intitulado “Da Ditadura à Democracia”, considerado "subversivo" pelo regime de José Eduardo dos Santos.

Alguns meses depois da detenção dos 15 jovens, um grupo de ativistas volta a debater a mesma obra, esta sexta-feira (13.11). E foi feito um convite a várias figuras políticas para discutir o livro.

“Convidámos o chefe de segurança do Estado angolano, Eduardo Octávio, o ministro do Interior, Ângelo Veiga, o Procurador-Geral da República, João Maria de Sousa, e outras individualidades do Executivo angolano”, explica António Quissanda, um dos organizadores.

Os jovens ativistas enviaram também convites formais ao Comandante-Geral da Polícia Nacional e ao Comandante Provincial de Luanda.

Para além da obra de Gene Sharp, diz o organizador, estará também em debate “o livro de um dos arguidos do processo dos ‘15+1’, que fala sobre as ferramentas para derrubar um ditador. O debate será aberto ao público”.

Manuel Luamba (Luanda) – Deutsche Welle

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DHLAKAMA DEVE SAIR DE “PARTES INCERTAS” PARA RESOLVER AS DIFERENÇAS COM O GOVERNO



Maputo, 12 Nov (AIM) O Analista Político José Macuane defendeu hoje que o líder do maior partido da oposição no país, Afonso Dhlakama, deve sair da parte incerta de modo a resolver diferenças com Governo.

Como todos sabem, mesmo que se diz que vai haver um diálogo, depois eles dizem que não se encontram em nenhum sítio, então parece faltar um rumo claro sob ponto de vista de solução do problema em si. Com isto, conclui-se que Dhlakama não esta a fazer a política num sentido benigno, disse Macuane.

Macuane falava hoje, em Maputo, momentos após a abertura da sessão de Formação de Partidos Políticos em Desenvolvimento de Politicas e Programas Partidários, evento que decorre ate sábado próximo.

Segundo o académico, a nível político Moçambique está num momento crítico em termos de estabilidade.

A política, por ser mais fluida, deveria ser a forma de desbloquear impasses. Agora, se nós estamos numa situação em que a política não faz isso, eu diria que estamos diante da má política, disse.

Para Macuane, envolver a comunidade internacional, segundo exige a Renamo, não vai resolver as diferenças no diálogo político, porque isso depende da vontade política de resolver o problema.

Pode se chamar tantos mediadores, mas, se não existir está vontade que é básica, não nos ajuda em nada, disse.

Dhlakama encontra-se desaparecido desde o dia em que forças combinadas do exército e da polícia desarmaram a sua guarda, acto que aconteceu na sua residência, na cidade da Beira, província central de Sofala.

O país vive momentos de incerteza política, provocada pela recusa do líder da Renamo em reconhecer os resultados das eleições gerais de 15 de Outubro do ano passado e pela sua proposta de governar nas seis províncias onde reclama vitória.

(AIM) Fáusia Ricardo (FAR) /DT

Moçambique. CINCO EX-GUERRILHEIROS DA RENAMO RENUNCIAM AS MATAS



Maputo, 12 Nov (AIM) O Ministério dos Combatentes apresentou publicamente hoje, em Maputo, um grupo de cinco homens que se afirmam ser guerrilheiros desertores da Renamo, maior partido da oposição, que decidiram abandonar as matas para integrar os processos de desenvolvimento de Moçambique.

Trata-se de Horácio Sabonete (sargento) de 47 anos; Ribeiro Namanga (sargento) 51 anos; Afonso Simon (49 anos); Ernesto Gecomia (49 anos) e João Charles (47 anos) todos soldados e naturais das províncias Zambézia, Tete e Sofala cuja história de entrada nas fileiras da Renamo tem quase a mesma descrição.

Os guerrilheiros desertores descreveram, durante a apresentação pública, histórias de muito sofrimento nas matas, primeiro durante a guerra dos 16 anos terminada em 1992, e depois no reagrupamento que resultou nos últimos confrontos que amainaram com a assinatura do Acordo de Cessação das Hostilidades.

Horácio Sabonete, que se filiou à Renamo desde os 18 anos de idade, disse ter perdido a sua juventude nas matas e que está muito arrependido, mas alegre de estar hoje na cidade, onde juntamente com os seus colegas quer levar uma vida diferente.

Apesar de nenhum deles apresentar quaisquer documentos comprovativos da sua ligação ao ex-movimento rebelde, Sabonete disse estar cansado de estar nas matas, até porque quando foram reagrupados a informação que lhes foi dada não tinha nada a ver com a guerra, mas sim dinheiro.

Muitos dos meus colegas que nada estão a fazer, senão estar no mato, querem regressar a vida civil, mas receiam o pior, disse o guerrilheiro, apontando que durante muito tempo teve o mesmo sentimento, mas decidiu ganhar coragem e se entregar.

João Charles, também sargento e natural de Sofala, disse, por seu turno, que trabalhou em Marrúnguè, província de Sofala, mas não está interessado em voltar a pegar em armas depois de 16 anos de provas difíceis, por isso, a sua entrega é a melhor opção.

O ex-guerrilheiro, que disse ser esposo e pai de seis filhos, deixa uma mensagem apelativa aos seus companheiros de trincheira no sentido de renunciarem a vida das matas e se juntarem a vida nova que as autoridades estão dispostas a oferecer a todos.

O porta-voz do Ministério dos Combatentes, Horácio Massangai, disse que a amostra de hoje é a terceira e visa essencialmente demover os outros concidadãos ainda nas matas a abandonarem a opção tomada e se juntarem ao processo de integração promovido pelo governo.

Para este caso, foi uma amostra de cinco guerrilheiros, mas existem outros que se estão a entregar a nível das províncias, disse a fonte, apontando que todos desejam ser registados como combatentes, fixar as suas pensões e não voltar ao activo.

A nível das províncias de Sofala, Manica, Zambézia e Tete há iniciativas idênticas e já levaram mais de 200 ex-guerrilheiros da Renamo a renunciar a vida de
bicho-do-mato.

O Ministério dos Combatentes atende, em todo o país, 169 mil combatentes entre veteranos da luta de libertação num universo de 76 mil e cerca de 97 mil que são combatentes da defesa da soberania e democracia.

Massangai disse que o pelouro procederá ao registo a tramitação das respectivas pensões e a emissão do seu cartão de identificação que é a fonte primária para o acesso aos demais benefícios entre eles o financiamento de projectos através do Fundo da Paz e Reconciliação Nacional.

Questionado sobre a autenticidade ou não da informação por eles avançada como sendo ex-guerrilheiros da Renamo, o porta-voz disse que o Estado tem instituições especializadas na busca de informação e as pessoas ao se entregar são submetidas a uma triagem visando aferir se são mesmo pessoas desse grupo, aliás, casos existem de homens que se entregam com as suas armas.

O apelo do governo foi sempre no sentido de a Renamo apresentar as listas que nunca foram disponibilizadas, daí não haver nenhuma base para falar do número exacto de guerrilheiros da Renamo ainda nas matas, mas porque o apelo é no sentido de manter a paz todos devem se juntar ao movimento.


(AIM) LE/DT

Moçambique. GOVERNO PRESSIONADO A RENTABILIZAR MELHOR OS RECURSOS NATURAIS



O Governo moçambicano tem de estar preparado para obter mais ganhos da exploração dos recursos energéticos na bacia do Rovuma, advertem analistas. E sublinham que os ganhos devem beneficiar diretamente a população.

O Estado moçambicano prevê arrecadar entre 67 mil milhões a 212 mil milhões de dólares nos próximos vinte anos com a exploração do gás natural do Rovuma, no norte do país.

Os ganhos advirão de receitas dos impostos, além de dividendos da participação do Estado nos empreendimentos das áreas um e quatro do Rovuma.

Estes números constituem um desafio para a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH). Especialistas têm alertado que a empresa deverá saber "negociar sempre" com as multinacionais que operam naquela região do país. O Governo está a ser pressionado para que os ganhos beneficiem os moçambicanos.

O presidente da ENH, Omar Mithá, sabe disso e garante que o executivo "não vai ficar a dormir". E Mitha prossegue afirmando que "se amanhã ficar a saber que a ENH negociou e encontrou isto não pensem que estivemos a dormir ou que não pensamos nos interesses do país. Temos de ser realistas, onde estamos, onde nos encontramos, qual é a nossa situação e o que queremos."

O número um da ENH explica os objetivos da sua empresa nesta empreitada: "Queremos que os projetos aconteçam, porque se eles não acontecem os recursos vão ficar lá embaixo daquela água, porque não temos capacidade para os tirar de lá. Então, negociação de win-win sim, se soubermos também ser flexiveis em certas situações, porque queremos que as coisas aconteçam."

Atitudes que lesam

A existência de enormes quantidades de gás natural na Bacia do Rovuma estão a atrair muitos investidores nacionais e estrangeiros. O receio de alguns analistas é que estes recursos possam ser uma maldição para o país.

Luís Mata, da organização da sociedade civil, refere por isso que "se há qualquer coisa nova é sempre problemático, até para abrir um projeto qualquer de pequena dimensão no interior às vezes tenho até de dar bacela, algo que motive".

E Mata prossegue questionando: "Eu pergunto, porque não há caminho de ferro para Macanga, para Marávia com tanta produção, Tsangano, Angónia, porquê? Se não se criarem incentivos para que isso aconteça, nunca vai acontecer."

As empresas que já estão a trabalhar na Bacia do Rovuma prevêem a exploração do gás a partir de 2020. E, nessa altura, deverão ser criados mais de 700 mil empregos até 2035.

Mas Otelo Julião, economista, também da sociedade civil, está preocupado com os ganhos das comunidades daquela região, tal como aconteceu em Tete, centro de Moçambique.

Governo vs multinacionais

Segundo ele, "as populações estão a espera de ter uma vida substancialmente melhorada, e provavelmente não vão ter isso porque estamos a falar de indústrias de alta tecnologia. E é importante, isto mais para o meu amigo Mithá, pensar um pouco, como mitigar este efeito."

Outras das preocupações é sobre quanto o Governo irá ganhar com a exploração de gás natural a partir de 2020. Feliciano Simbine, analista para assuntos económicos e membro da sociedade civil, entende que o país ainda não está preparado para lidar com esta situação.

Ele lembra que "[o país] não ganha muito, porque quiz acelerar antes de estar preparado para entrar no próprio negócio. O outro ponto, é que enquanto o Governo procura estudar mecanismos de como ganhar mais, as empresas que investem nesta área procuram estudar mecanismos de como retirar mais benefícios em detrimento do Governo."

Assim, a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos deverá enfrentar desafios no que diz respeito ao desenvolvimento de infra-estruturas comuns para a implementação dos projetos de gás e para massificar o uso deste recurso no mercado local e regional.

Romeu da Silva (Maputo) – Deutsche Welle

Timor-Leste. O sangue do massacre de Santa Cruz que mancha a camisa branca de Zeferina



Díli, 11 nov (Lusa) - À primeira vista poderia parecer um pano vermelho que lhe cai ao longo do peito até às mãos, mas rapidamente se percebe que o vermelho, afinal, é sangue e que começa mais acima, na cara de Zeferina dos Santos.

Está encostada à parede do interior da capela do Cemitério de Santa Cruz, camisa branca com pintas pretas - ainda que grande parte manchada de vermelho -, mangas até ao cotovelo e o cabelo a aparentar estar apanhado.

Na imagem que registará para sempre essa manhã fatídica de 12 de novembro de 1991, o elemento mais poderoso da fotografia nem é o sangue que cobre o rosto, a roupa e os baços de Zeferina. São os olhos.

Não chora e, se acaso chorou, o sangue lavou-lhe as lágrimas. A raiva que se poderia esperar, agora que se interpreta a imagem 24 anos depois, não está presente. É antes um olhar quase vazio, ausente, resignado.

Esse olhar não mudou ainda que a jovem de 25 anos de então seja hoje uma mãe de sete filhos que está "contente pela independência", como explica à Lusa numa conversa no Arquivo e Museu da Resistência Timorense (AMRT) em Díli.

A imagem é de Max Stahl e tornou-se um dos retratos mais poderosos do massacre de Santa Cruz.

Não o maior mas certamente o mais importante massacre da história da ocupação indonésia de Timor-Leste. As imagens do jornalista inglês fizeram do mundo testemunha para o que a resistência dizia há 16 anos, gritando praticamente sem ser ouvida.

"Houve missa na Igreja de Motael e depois fomos a Santa cruz. Quando chegámos ao cemitério houve muita confusão e alguns cá fora começaram a dizer que tínhamos que entrar. Ouvi tiros, caí e caíram muitas pessoas por cima de mim. Fiquei cheia de sangue", recorda.

"Sim. Pensei que ia morrer. Perdi os sentidos. Ouvi os tiros e pensei que ia morrer. Quando caí perdi a consciência", relembra, falando em tétum, uma das duas línguas oficiais de Timor-Leste. A outra é o português.

Zeferina, sobrevivente de um massacre que ceifou mais de 250 timorenses (e o neozelandês Kamal Bamadhaj), conversa encostada à cronologia que mostra a história da luta pela independência de Timor-Leste nas paredes do AMRT.

A sua imagem é um dos símbolos mais poderosos da mostra, por cima das imagens, em vídeo, recolhidas também por Max Stahl e que passam, ininterruptamente, num pequeno ecrã ao seu lado: o som da sirene, em 'loop', a acrescentar ainda mais dramatismo ao momento que, dizem muitos, mudou a história de Timor-Leste.

"O sangue é das outras pessoas que caíram por cima de mim. Quando acordei vi que estava uma camioneta para atirar para lá os mortos. Levantei a cabeça e um dos militares, apontou-me a arma e disse-me para me levantar", explica.

"Levantei-me devagar e o militar deu-me pontapés com as botas".

E de novo o olhar. Agora mais destemido, porque Zeferina não se arrepende de lá ter estado. Nem de desafiar as irmãs.

"Quando estava a sair de casa as minha irmãs proibiram-me de ir, mas estava decidida, tinha que sair. Quer morresse quer não", diz.

É difícil ver as imagens? "Sim, custa muito. Penso que poderia ter morrido".

ASP // EL

Timor-Leste. Imagens do massacre de Santa Cruz sairam escondidas dentro de roupa interior



Díli, 11 nov (Lusa) - Dois dias depois do massacre de Santa Cruz, a 14 de novembro de 1991, Saskia Kouwenberg coseu duas cuecas uma à outra, arranhou o interior do nariz até chorar e deixou cair sangue no tecido, que escondia um documento vital.

A 'bolsa' improvisada pela holandesa, manchada de sangue, tinha no seu interior a cassete com as imagens do massacre no cemitério de Santa Cruz, recolhidas pelo jornalista inglês Max Stahl e que, para muitos marcaram um momento de viragem na questão de Timor-Leste.

Foi uma medida preventiva. Saskia Kouwenberg, que aceitou pela primeira vez contar a história, explicou à Lusa que o conteúdo da cassete que transportou de Díli tinha que chegar às televisões de todo o mundo.

Pensando que a sua bagagem poderia ser revistada - e contando com os eventuais preconceitos muçulmanos caso isso acontecesse -, Kouwenberg, que conversou com a Lusa pela rede social Skype, a partir de Amesterdão, queria garantir que as imagens não seriam descobertas.

"Pedi a um jornalista que me arranjasse agulha e linha. Eu uso sempre cuecas enormes. Confortáveis mas enormes. Arranhei tanto o nariz que até chorei. E enchi as cuecas de sangue, e depois cozi duas e meti a cassete lá dentro e fui para o aeroporto", recordou.

Envolvida no movimento pacifista da década de 1980 teve o primeiro contacto com os timorenses em Darwin, norte da Austrália, para onde se mudou com o marido no início dos anos 1990.

A proposta visita de uma delegação parlamentar portuguesa a Díli, em outubro de 1991 fez aumentar o interesse à volta da situação em Timor. Como a visita coincidia com uma viagem que Saskia e o seu marido na altura, Russell, deveriam fazer à Europa, decidiram incluir uma passagem por Díli.

"Na altura disseram que ia ser muito difícil entrar, que não íamos conseguir. Mas conseguimos entrar. Só que a visita da delegação acabou por ser cancelada e tudo entrou em colapso", recorda.

O Governo indonésio rejeitou a inclusão na delegação - de que fariam parte 12 jornalistas - da jornalista australiana Jill Jolliffe, considerada próxima da resistência, e Portugal recusou manter a visita se esta fosse excluída.

"Isso gerou pânico em Timor. Muitas pessoas e muitos jovens tinham-se preparado para visita e queriam, a todo o custo, falar com eles", recorda Saskia, uma dos sete ou oito estrangeiros que estavam em Díli na altura.

A tensão aumentou e a 28 de outubro tropas indonésias e elementos pró-integracionistas atacaram um grupo de jovens que estava na Igreja de Motael a preparar manifestações para receber a delegação parlamentar, de que resultou a morte do jovem pró-independentista Sebastião Gomes e do pró-integracionista Afonso Henriques.

A 12 de novembro realiza-se uma missa e cerimónia em homenagem de Sebastião Gomes e milhares de pessoas dirigem-se de Motael até ao cemitério de Santa Cruz.

Durante o percurso alguns abriram cartazes e faixas de protesto. As forças indonésias respondem com extrema violência, matando mais de 250 pessoas.

Um ativista neozelandês, Kamal Bamadhaj, foi morto, dois jornalistas foram espancados, os americanos Amy Goodman e Allan Nairn, e as imagens foram registadas pelo jornalista inglês Max Stahl.

Nesse dia Saskia estava como uma grande dor nas costas, que praticamente não a deixava movimentar-se. Gravou algumas imagens, ainda na igreja, e regressou ao Hotel Díli, onde estava hospedada.

"Quando saí de novo vi que a cidade estava praticamente deserta e comecei a perguntar o que tinha acontecido. Estavam pessoas escondidas em vários locais que disseram que tinha acontecido algo muito mau", contou.

"Nessa noite falei com o Max que disse que tinha escondido o filme no cemitério. Ele foi lá busca-lo e, depois a questão era quem tirava o filme de Timor. Eu ofereci-me porque não tinha sido vista em Santa Cruz", explica.

Primeiro tentou com o Relator Especial da ONU para Direitos Humanos e Tortura, Pieter Kooijmans, que estava em Díli a quem pediu se podia levar a cassete.

"Ele disse que não. Estava borrado de medo. Falei também com a Embaixada holandesa. Ninguém acreditava que isto tinha acontecido", disse.

Retirar a cassete com as imagens de Timor-Leste, recorda, foi uma espécie de "filme B" que começa no aeroporto onde chega, no dia seguinte, com o seu marido e o americano Steve Cox, e é informada de que o voo estava cheio.

"Eu corri para o avião a dizer que tinha que sair. Os militares tentaram tirar-me das escadas. Estava aos gritos. E enquanto isto estava a decorrer o Kooijmans passou por mim e fez que não me conhecia", disse.

"Depois de muitos gritos e discussão deixaram-me entrar com o Steve Cox e o Russell. E quando chegámos vimos que havia mais lugares vazios. Foi uma situação muito tensa", disse.

Os seus companheiros de viagem saíram em Kupang, Timor indonésio, e Saskia continuou até Bali onde se misturou com turistas enquanto esperava ligação para Jakarta.

Ali, depois de uma conversa de uma hora entre o embaixador e as autoridades indonésias, acabou por passar pela zona VIP, sendo levada para um quarto na missão diplomática de onde não pode sair.

"Eles insistiam que eu entregasse tudo o que tinha comigo. Diziam-me que eu não ia conseguir sair com o filme. Pensei e dei-lhes um pacote que disse que só podiam entregar ao charge d'affairs - que eu sabia que estava fora. Eles pensaram que era a cassete mas era só uma cópia do livro Exodus", conta, sorrindo.

Coze as cuecas e prepara-se para nova viagem para o aeroporto antes do voo para Amesterdão. Apesar do medo e de mais negociações com as autoridades indonésias é levada de carro à porta do avião e embarca, sem que a sua mala seja sequer revistada.

"Passam quatro dias entre sair de Díli e estar em segurança. Na Holanda tive que dar o filme aos donos que tinha contratado Max Stahl. Eu queria que o filme fosse transmitido nessa mesma noite porque ainda havia a controvérsia porque a Indonésia negava que tinha havido um massacre em Timor", disse.

"Eles insistiam que as imagens eram para usar num documentário. E eu recusei-me a entregar a cassete. Pedi primeiro à televisão holandesa que fizesse uma cópia. E essas foram as imagens transmitidas na noite de sábado 16, cinco dias depois do massacre", recorda.

Um momento crucial para Timor-Leste, quer pelo reconhecimento internacional que o problema assumiu mas, destaca, pelo impacto que as imagens tiveram em Portugal.

"Até Santa Cruz havia tanta negação na comunidade internacional sobre o que estava a acontecer. E aqui tínhamos um exemplo em que os indonésios diziam que nada tinha acontecido, e as imagens mostraram o contrário, que algo grande tinha ocorrido", disse.

"Essas imagens fizeram uma grande diferença especialmente em Portugal. Porque as pessoas na capela e no cemitério estavam a rezar em português. E em poucos dias todas as casas em Portugal acenderiam velas por timor, comprometendo-se a não abandonar Timor de novo", afirmou.

ASP // EL

Indonésia vai investir milhões nas fronteiras com Timor-Leste e reduzir burocracia



Jacarta, 10 nov (Lusa) - A Indonésia vai investir 2,2 mil milhões de rupias (150,6 milhões de euros) nas zonas fronteiriças com Timor-Leste e reduzir a burocracia para facilitar o acesso por terra ao enclave timorense de Oecusse.

Asep Chaerudin, das relações públicas do Ministério Coordenador de Assuntos Políticos, Jurídicos e de Segurança (Polhukam, na abreviação indonésia), justificou hoje o valor do investimento, referindo que "as fronteiras são algo muito importante para manter a segurança e a estabilidade entre países vizinhos".

O responsável rejeitou que as fronteiras terrestres com Timor-Leste representem um foco de preocupação para as autoridades indonésias e lembrou que "todas as pessoas que vivem na fronteira dizem: 'nós ainda somos família'".

O responsável falava à agência Lusa a propósito da visita ministerial a alguns pontos fronteiriços que terá lugar na quarta-feira.

A deslocação, liderada pelo responsável máximo do Polhukam, Luhut Binsar Pandjaitan, contará também com os ministros da Defesa, Ryamizard Ryacudu, do Interior, Tjahjo Kumolo, das Obras Públicas e da Habitação, Basuki Hadimuljono, e da Comunicação e Tecnologias de Informação, Rudiantara.

Na comitiva seguem ainda o comandante do exército, o general Gatot Nurmantyo, e o chefe da polícia nacional, Badrodin Haiti, confirmou Asep Chaerudin, sem, contudo, avançar mais informações sobre a agenda da deslocação e os locais a visitar.

A visita tem como objetivo "pensar toda a estratégia" e "ver as condições no terreno", até porque algumas obras já estão em andamento, disse.

O porta-voz do Polhukam garantiu também que "a Indonésia vai melhorar a questão burocrática", quando questionado sobre as dificuldades para entrar e sair do enclave timorense de Oecusse, um processo moroso e que custa no mínimo 50 dólares por visto.

A Indonésia tem ignorado os acordos bilaterais com Timor-Leste que regulam o trânsito de pessoas entre os dois países bem como o princípio da reciprocidade, já que os cidadãos indonésios que entram em território timorense pagam 10 dólares pelo visto obtido à entrada.

Uma situação que beneficia os empresários indonésios, que podem entrar e sair facilmente do enclave, dominando, por isso, todo o mercado de fornecimento para Oecusse.

Asep Chaerudin defendeu ainda, a título pessoal, a isenção de vistos entre Timor-Leste e a Indonésia, realçando que isso "é muito importante entre países vizinhos" e que hoje em dia, volvidos 13 anos após a declaração da independência, Jacarta e Díli têm "relações diplomáticas muitíssimo boas".

Se Timor-Leste for aceite como membro da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) beneficiará da isenção já existente entre os dez países que compõem o grupo.

O mesmo porta-voz afirmou ainda que as disputas quanto às fronteiras terrestres entre as duas nações já foram resolvidas, embora persistam ainda "alguns problemas nas fronteiras marítimas", um ponto mais complexo dados os recursos petrolíferos e de gás natural do Mar de Timor. 

AYN (ASP) // JMR

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