quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Angola. ROL DE DESERÇÕES SEM FIM NA UNITA



Rui Ramos – Jornal de Angola

A deserção, ou saída de militantes, é uma palavra que perturba desde há muito tempo a direcção da UNITA. O ano de 2016 não começou diferente dos outros para a organização de Isaías Samakuva.

Mais de quatro mil pessoas, no Cuanza Sul,  abandonaram a UNITA e ingressaram no MPLA, seguindo o exemplo de milhares de outras pessoas em todo o país.

Há cerca de dois anos, em Agosto de 2014, o “histórico” e agora “contestatário” Paulo Lukamba Gato disse, num seminário na província do Huambo, que uma das principais razões do abandono, por muitos militantes, das fileiras da UNITA, tem origem na “falta de diálogo permanente” entre a direcção do partido e os militantes da base.

Paulo Lukamba Gato manifestava, publicamente, pela primeira vez na história da UNITA, a preocupação de muitos outros dirigentes da UNITA em assistirem, impotentes, ao abandono massivo e permanente de militantes, em todas as províncias e a todos os níveis, que não só abandonam o partido do Galo Negro como se filiam noutros partidos, nomeadamente, no MPLA.

Paulo Lukamba Gato “pôs o dedo na ferida” ao sublinhar que a direcção da UNITA não tem tempo para o diálogo nem para os contactos com as bases e por esse motivo os militantes, sentindo-se abandonados, optam por bater com a porta e ingressam num partido bem organizado, no qual os comités de base e a cadeia de diálogo com a direcção funcionam.

Permeável à corrupção

Mas Paulo Lukamba Gato não se ficou por aí. A corrupção, para o antigo companheiro de Jonas Savimbi e de Isaías Samakuva, é igualmente um importante factor que motiva o abandono sistemático dos militantes da UNITA. 

A organização criada por Jonas Savimbi tem sido muito permeável, ao longo da sua história, ao aliciamento e à deserção. A primeira deserção séria das hostes da UNITA foi protagonizada, em 1969, por Tiago Sachilombo, um dos 18 fundadores da UNITA, que, com o treino militar recebido na China, se passou para as forças armadas coloniais e complicou a vida à recém-formada organização, que se confinou à fronteira do Cuando Cubango com o então Sudoeste Africano (Namíbia). Com Sachilombo, saem Samuela Chivala, Frank Mateus e José Sozinho.

Antes, em 1967, Jonas Savimbi tenta transportar armas vindas da China, através da Zâmbia, e é preso às ordens do Presidente Kenneth Kaunda, que o envia para o exílio no Egipto, onde vai encontrar-se com Tony Dacosta Fernandes e Nzau Puna, para formarem a UNITA externa.

Em 1970, Castro Bango protagoniza a segunda grande deserção na UNITA, no Huambo, arrastando para a prisão um número considerável de ex-companheiros. Nessa altura já está elaborada a colaboração de Jonas Savimbi com os colonialistas portugueses, que o utilizaram contra a FNLA e o MPLA no Leste de Angola. O Exército colonial português chegou a ter um plano para a integração de Jonas Savimbi como governador do distrito do Bié e contactos preparatórios nesse sentido chegaram a ser entabulados.

Depois, foram os EUA, através da CIA, que lançaram um programa de aliciamento no seio da UNITA, que provocou estragos e levou Jonas Savimbi a desconfiar de tudo e de todos desencadeando uma política de terror que levou ao assassinato de famílias inteiras de militantes e dirigentes.

Em Portugal, a Maçonaria aliciou dirigentes da UNITA, que permanecem na organização secreta até hoje e manobram, ao mesmo tempo, no interior da direcção do Galo Negro.  

Quando a UNITA se pôs ao colo do apartheid sul-africano, os serviços secretos de Pretória, com a sua experiência de mais de três décadas de repressão contra os negros, manobraram e colocaram os seus agentes não só no interior da UNITA mas também no escalão mais alto da direcção, um segredo bem guardado até hoje.

Alcançada a paz, não param de ser notícia os constantes abandonos de militantes e simpatizantes da UNITA, grande parte para o MPLA, mas o maior trovão veio de Abel Chivukuvuku, que não só desertou, levando grande número de correligionários e eleitores, mas também surpreendeu, ao criar um novo partido, o que antes parecia impossível ou utópico.

Lukamba Gato, ao contrário de Isaías Samakuva, defende não haver nenhum partido no mundo que aplauda uma defecção ou deserção. “É sempre um motivo de preocupação para a direcção do nosso partido”, afirmou em dada altura, “e vamos fazer tudo para que o partido possa estancar este movimento de abandono”.

E nessa altura dirigentes houve que consideraram que a fuga de militantes da UNITA tem também origem numa “apatia” em relação à liderança de Isaías Samakuva. E ilustram com a fuga de militantes como Carlos Morgado, Joaquim Icuma, os irmãos Abel e Américo Chivukuvuku, entre outros históricos da UNITA, que eles relacionam  com essa apatia, esse desinteresse, essa falta de vontade de lutar politicamente. 

Abílio Kamalata Numa, deputado e ex-secretário-geral da UNITA, é o mais relevante contestatário do “regime partidário” de Isaías Samakuva, e há muito tempo que adverte que a actual liderança da UNITA não tem sido capaz de fazer uma verdadeira oposição contra o Governo do MPLA, e essa incapacidade, segundo ele, origina as deserções. E Abílio Numa vai mais longe nas críticas, ao passar um atestado de ineficácia partidária à liderança  do  presidente Isaías Samakuva: “É uma liderança que vai fazendo o que pode, mas não pode pressionar o MPLA para as alterações que Angola precisa”.

Um rol infindável

O rol das deserções de militantes e simpatizantes da UNITA para outros partidos e, nomeadamente, para o MPLA, é infindável. Todas as províncias já conheceram essa escolha de quem antes militava na organização da oposição, se cansou e sentiu-se marginalizado e inútil ante o vazio de projectos, de estratégias e de acção. 

Essas deserções não são esporádicas nem pré-acordadas, seja por militantes da UNITA, seja através de “sedução” a partir do MPLA. Resultam, sim, da frustração pessoal de pessoas do povo, ante uma direcção presidida pela inoperância, pelos jogos regionais, pela divisão, pelo abandono dos militantes de base, sem metas nem objectivos.

Em política, não há espaços vazios. Se um partido não tem organização nem acção de acordo com as suas declarações de intenção, esse partido perde força na sociedade e não consegue cativar os militantes.

A lista de militantes que abandonam a UNITA vai continuar. Para o MPLA é a vitória do seu trabalho de organização e mobilização, oferecendo uma linha política clara e defensora dos interesses do povo a longo, médio e curto prazo. Para Isaías Samakuva, significa incapacidade de agregar as forças da UNITA numa grande vontade de mudança. 

Lukamba Gato e Kamalata Numa foram corajosos, claros e precisos nas suas críticas severas à direcção da UNITA. Incapacidade de liderança, abandono dos militantes, vazio, apatia, falta de tempo para o diálogo – foram expressões utilizadas nas suas críticas ao presidente da sua própria organização. Abel Chivukuvuku, esse foi mais longe na sua tomada de posição quando em 14 de Março de 2012, depois de cerca de 40 anos de militância, declarou: “Já não sou da UNITA”.


Foto: Edições Novembro

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