segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Portugal. A BOMBA ATÓMICA



Inês Cardoso* – Jornal de Notícias, opinião

Imagine que o seu vizinho da frente está enterrado em dívidas e com vendas a crédito no supermercado. A certa altura, o gestor de conta começa a dizer que lhe parece inevitável um novo empréstimo para estabilizar a situação financeira. Preocupado, o fornecedor de eletricidade ameaça cortar-lhe o abastecimento e aumenta os juros sobre os pagamentos em atraso. Os proprietários do supermercado, por mais que ele assegure a pés juntos que tem a situação controlada, limitam o acesso aos produtos. A certa altura, não resta alternativa: vê-se obrigado a pedir um novo crédito, para acalmar os credores e poder voltar a abastecer a despensa.

Os profetas da desgraça têm o estranho poder de fazer surgir nuvens negras onde instantes antes reinava alguma acalmia. O economista João César das Neves foi às Jornadas Parlamentares do PSD assegurar que estamos à beira de um novo resgate, antes de terminar a sua intervenção citando António de Oliveira Salazar. E disse ainda que "eles", os socialistas que governam, já estão conscientes de que "uma trovoada de um tamanho tal" está prestes a abater-se sobre as nossas cabeças.

Igualmente negras foram as previsões de João Salgueiro, para quem o quarto resgate pode ser "inevitável". Frases que deixam os nossos fornecedores de eletricidade nervosos, voltando à metáfora do vizinho da frente. Só que o vizinho somos nós. E parece pouco sensato andar a brincar às profecias numa altura em que os ansiosos mercados estão de ouvidos colados à porta, a escutar todos os azedos comentários com que os nossos políticos falam de finanças e os nossos economistas fazem política.

Como se não bastasse o trovejar à Direita, à Esquerda ressuscita-se o debate sobre a renegociação da dívida, tema que foi votado nada menos que 13 vezes na legislatura anterior. O BE desafia o PS a sentar-se num grupo de trabalho para refletir sobre a redução dos montantes da dívida, prazos de pagamento e taxas de juro.

Lembra-se de em 2011 um deputado socialista invocar a possibilidade de usarmos uma bomba atómica contra os alemães? Seria, em linguagem simples, o vizinho chegar ao banco, aos fornecedores de bens e ao supermercado, e dizer que não pagava. "Ou se põem finos e me perdoam uma parte da dívida, ou não há nem mais um cêntimo". Esse deputado agora é secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Só que, entretanto, a Grécia parece ter-nos ensinado que as instituições europeias não ponderam outro caminho que não o de manter os alunos disciplinados. Resta saber se Pedro Nuno Santos concorda ou até onde está disposto a empurrar o Governo no desafio à teoria do bom aluno.

*Subdiretora

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