Rui
Sá* – Jornal de Notícias, opinião
É
conhecida a experiência do fisiologista russo Ivan Pavlov, que permite a
definição do reflexo condicionado: mostrando a um cão um bocado de carne em
simultâneo com o toque de uma campainha, constatou que, repetidas várias vezes
a experiência, bastava o toque da campainha, sem se mostrar o pedaço de carne,
para o cão começar a salivar, preparando o seu organismo para abocanhar a
carne.
Tenho-me
lembrado desta experiência quando leio ou ouço gente da Direita a escrever ou a
falar sobre o momento económico e político do país. É que, presos à ideia de
que a Terra está fixa, recusam-se a ver que ela de facto se move e salivam
sempre que descortinam nos astros "indícios comprovantes" da sua
teoria.
Assim,
e se os juros da dívida pública aumentam, esfregam, salivantes, as mãos,
dizendo, com indisfarçável satisfação: "nós não dizíamos?".
Se
a carga fiscal (ou "austeridade") deixa de ser aplicada sobre os
rendimentos do trabalho, logo a Direita saliva, dizendo, com contentamento,
que, afinal, é sobre os impostos indiretos, o que "é ainda mais
injusto".
Se
o Senhor Schäuble, como se a Alemanha tivesse ganhado a Segunda Guerra Mundial,
dispara mais umas ameaças/ingerências ao caminho que o povo português
democraticamente escolheu, a Direita baba-se de tanto salivar, suspirando
"até que enfim a Europa vai pôr estes tipos no seu sítio!".
Se
o senhor presidente do Eurogrupo - aquele ministro holandês com nome tão
impronunciável como o vulcão islandês que lançou, em 2010, o caos na aviação
mundial - com o ar hipócrita de quem sabe que muita da riqueza produzida em
Portugal paga (baixos) impostos no seu país por força de uma vergonhosa e
antipatriótica opção fiscal de empresários portugueses, tece umas críticas
sobre o rumo que Portugal, soberanamente, escolheu, a Direita saliva de
satisfação, antevendo o desejado chumbo do Orçamento nacional em Bruxelas.
Se
o colégio de Comissários Europeus produz, esquecendo os relatórios técnicos
produzidos pela Comissão Europeia que reconhecem o erro das políticas impostas
pela troika a Portugal, um relatório que, entre outras coisas, critica o
aumento do salário mínimo em menos de 1euro/dia, a Direita saliva de regozijo,
clamando "veem, nós temos razão!".
Mas
tanta salivação não afoga a realidade. Afinal, os juros, depois de uma subida,
baixaram para mínimos históricos - provando que as flutuações dos mercados
financeiros têm razões que a razão desconhece... -, o Orçamento foi aprovado em
Portugal e em Bruxelas e o novo salário mínimo aí está (tal como a reposição de
feriados e a diminuição da sobretaxa de IRS, o aumento das deduções específicas
por filho em sede de IRS, a diminuição do IVA na restauração).
O
que demonstra que, apesar do caminho difícil e minado (externa e internamente),
afinal, não havia apenas um caminho único como os agora salivantes nos
venderam. O que, sendo penalizador para quem tanto o jurou, não justifica a
defesa do "quanto pior melhor". Que a Direita deseja,
independentemente das consequências para os portugueses na expectativa de que
isso a leve ao poder que as eleições lhe tiraram.
*
Engenheiro
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