Rui Peralta, Luanda
Diferentes
sinais e significados são perceptíveis na relação entre Riade e Moscovo. Os
ministros do petróleo russos e sauditas encontraram-se, a 16 de Fevereiro em
Doba, Qatar. Conjuntamente com o Qatar e com a Venezuela acordaram em congelar
o aumento da produção petrolífera, mantendo os níveis de Janeiro deste ano.
Esta foi uma decisão cuidadosa, devidamente calibrada, que permitiu – pela
primeira vez em 18 meses – mostrar que a Arábia Saudita e a Rússia, ou seja os
dois maiores produtores (sendo os sauditas os maiores no seio da OPEC e os
russos fora da OPEC), preocupavam-se com a situação, dando inicio a um processo
de gestão dos níveis de produção, tentando controlar a queda do preço do barril
aplicando medidas do lado da oferta.
Apesar
deste diálogo no sector petrolífero, russos e sauditas na Síria mantiveram-se
em posições opostas. A Rússia procurou uma solução politica, negociou e negocia
as tréguas e um acordo alargado entre as diversas forças sírias que coloque um
fim á guerra, ao mesmo tempo que foi decisiva no terreno ao atacar as posições
do Daesh e ao auxiliar o reforço das forças governamentais sírias no
território. Em contrapartida a Arábia Saudita ameaçou por diversas vezes enviar
forças milites para território sírio, com o objectivo de combater o Daesh (sem
nunca o fazer), apostou nos grupos armados da oposição (principalmente nos
grupos sunitas) financiando-os, equipando-os e dando-lhes formação militar, a
sua actuação em relação ao Daesh foi dúbia e acabou por tornar-se parte do
problema na Síria.
Pouco
antes da cimeira com os russos sobre o petróleo, o ministro saudita dos
negócios estrangeiros, Adel Jubeir referiu o envio de forças militares sauditas
para combater o Daesh, mas logo após a cimeira referiu que o governo saudita
iria enviar misseis terra-ar para os grupos da oposição armada. O mais provável
é os misseis serem usados contra a força aérea síria (uma vez que os russos
cessaram as operações militares no território). Os sauditas acusaram os russos
de terem bombardeado de forma indiscriminada o Daesh e os grupos oposicionistas
sírios que combatiam o Daesh, mas um facto é que as tréguas continuam a
vigorar, sem que o combate contra o Daeh tenha cessado. E isto constitui uma
pesada derrota para os interesses sauditas.
Uma
opinião comum nos meios oficiais da Arábia Saudita e no Qatar considera que os
Estados do Golfo são ameaçados por uma aliança russa/iraniana e consideram que
USA e U.E capitularam ao permitirem a “nuclearização” do Irão. Perante isto
propõem o apoio a grupos que possam combater a “ameaça iraniana”, muitas vezes
subentendida como “ameaça xiita”. Foi assim que 55 clérigos sauditas editaram
uma “fatwa” (um apelo á jihad, ou seja, á guerra santa) contra o governo sírio
(diabolizando o presidente sírio, Bashar al-Assad), os seus aliados russos
(considerados cruzados, pelos clérigos) e iranianos (considerados apóstatas).
Recentemente
alguns diplomatas e académicos sauditas conceberam a ideia de divulgar o país
na Rússia. Os laços históricos entre ambos os países são escassos. Putin, em
2007, foi o primeiro líder russo a visitar a Arábia Saudita. O ex-chefe da
inteligência saudita, Bandar bin Sultan visitou a Rússia e o ministro saudita
da defesa, Mohammed bin Salman encontrou-se com Putin em 2015. Existem,
efectivamente, potenciais áreas de comum interesse no aprofundar do
relacionamento entre ambos. Os sauditas exploram áreas de interesse comum com a
Rússia. A preocupação com o Irão é um dos pontos principais dos sauditas, para
além das relações económicas. Os sauditas observaram atentamente como os
israelitas iniciaram a aproximação com a Rússia e estão dispostos a avançar com
entendimentos mais consistentes com os russos.
Mas
a diplomacia saudita continua a persistir nas suas políticas erróneas. E isto é
o que acontece com a política saudita em relação ao Líbano. As tensões latentes
entre os dois países tomam proporções de ruptura de relações, processo causada
pela rivalidade entre Riade e Teerão e que no Líbano reflecte-se na crescente
influência xiita. A 19 de Fevereiro os sauditas anunciaram o cancelamento de 3
mil milhões de USD em ajuda ao exército libanês e cerca de mil milhões de USD
para a polícia. Alguns dias depois o ministro dos negócios estrangeiros saudita
pediu aos cidadãos para não viajarem ao Líbano, Em breve o Kuwait, os Emiratos
Árabes Unidos (EUA), o Qatar e o Bahrein apoiaram a decisão saudita e
juntaram-se á campanha.
Existem
cerca de 300 mil trabalhadores libaneses nos Estados do Golfo, principalmente
no pequeno comércio, hotelaria, turismo e construção. As relações económicas
entre ambos os Estados são profundas. O investimento saudita no Líbano é
importante e existe desde sempre. Na década de 60 o Líbano tornou-se uma zona
tampão entre as hegemonias regionais. Na luta entre os regimes nacionalistas
progressistas e as monarquias tradicionais as tensões internas libanesas
desdobraram-se, tornando o país foi utilizado como um escudo saudita contra as
tendências nacionalistas árabes. Os comerciantes libaneses de Beirute e de
Sídon, maioritariamente sunitas reforçaram os seus laços comerciais com os
sauditas e acabaram por promover os interesses da Arábia Saudita nas suas
comunidades. Uma relação de subserviência acabou por submeter o Líbano aos
interesses sauditas.
O
peso deste relacionamento não foi quebrado pelas guerras civis libanesas, nem
pelas invasões sionistas ou sírias, mas sim pelo assassinato do
primeiro-ministro libanês (descendente de famílias sauditas) Rafik Hariri em
2005. Desde aí o Irão e a Síria tomaram o lugar comercial da Arábia Saudita no
país. A destruição da infra-estrutura libanesa, provocada pela guerra de 34
dias com Israel, foi o segundo golpe decisivo para o fim da hegemonia saudita
no país. O Hezbollah tornou-se uma força política dominante no Líbano, ao
encabeçar a resistência nacional contra a invasão israelita. Hassan Nasrallah,
líder do Hezbollah tornou-se um “Herói da Resistência”, reconhecido pelo
Iraque, Jordânia, Síria, Irão e pelos Estados do Magrebe, isolando a posição
saudita que acusava o Hezbollah de ter provocado a invasão israelita e de
servir os interesses do Irão e da Síria. Ao invés de ajudarem a resistência
libanesa contra Israel, os sauditas alimentaram o sectarismo sunita.
O
novo monarca saudita, Salman bin Abdul-Aziz Al Saud e o seu filho o príncipe
Mohammed bin Salman, radicalizaram as posições sauditas nas relações com os
restantes estados da região e estabeleceu uma “diplomacia sunita”, suportada
pelos seus aliados do Golfo e pela Turquia. Esta abordagem típica dos “falcões”
da região (abordagem oposta á tradicional e delicada diplomacia árabe, tendente
á resolução pacifica e dialogada dos conflitos) acabará por isolar os sauditas
e seus aliados da região. Para um Poder regional como a Arábia Saudita a
política de “disciplina e punição” utilizada nas relações com um pequeno Estado
como o do Líbano, é contraproducente e trará consequências imprevisíveis nos
equilíbrios da região.
Na
sua ânsia de controlar a influência iraniana e de esmagar o Hezbollah no
Líbano, os sauditas recorrem aos seus aliados na região mobilizam forças para a
intensificação do conflito. Rabbo Mansour Hadi, o presidente iemenita suportado
pelos sauditas, acusou o Hezbollah de apoiar os Houthis, seus rivais políticos,
de origem xiita. Alguns dias depois o ministro saudita da defesa, Ahmad Assiri reforçou
a acusação do presidente iemenita ao afirmar que os serviços de inteligência
saudita tinham gravações e filmagens que comprovavam o envolvimento do
Hezbollah na revolta Houthi. No mesmo dia surge um vídeo nas cadeias
informativas internacionais, que apresenta imagens de um miliciano libanês do
Hezbollah a dar instrução militar a um grupo de rebeldes houthis.
Os
governantes sauditas e do Estados do Golfo pretendem alterar o Poder político
no Líbano, seja através de uma força política emergente, seja através do
enfraquecimento do Hezbollah, que antecipou-se às medidas dos Estados do Golfo
enviando uma delegação ao Cairo. Esta delegação encontrou-se com oficiais
egípcios que aceitaram servir de mediadores entre os sauditas e o Hezbollah. O
problema é que os sauditas rejeitaram a mediação egípcia e consideraram que o
Egipto é um Estado que suporta os Houthis (muitos destes fizeram a sua formação
em universidades egípcias).
As
retaliações sauditas contra o Líbano surpreenderam muitos observadores e são
parte de uma série de medidas de segurança que Riade tomou contra figuras e
partidos que operam, directa ou indirectamente, na Arábia Saudita a favor do
Irão e do Hezbollah. Estas medidas incluem as restrições bancárias e controlo
das contas bancárias, os investimentos e propriedades de 44 libaneses
residentes na Arábia Saudita e considerados simpatizantes e afiliados do
Hezbollah.
As
autoridades sauditas também perseguem os clérigos xiitas nas províncias de
Qatif e Ihsaa por estes efectuarem campanhas de recolhas de fundos nas
comunidades xiitas da Arábia Saudita com o objectivo de criarem redes
comunitárias de assistência social, educação e saúde. Alguns clérigos foram
detidos nas operações contra “lavagem de dinheiro”, como o caso do Sheik Kaled
Seif, julgado em Outubro do ano passado e condenado a uma pena de 5 anos.
As autoridades sauditas acusam o Hezbollah de ser uma “quinta coluna” do Irão
que teria como missão penetrar no Golfo e paralisar os planos da Arábia Saudita
para liderar a região, ao nível militar e de segurança.
Estas
acusações radicalizaram-se quando o rei Salman bin Abdul-Aziz Al Saud ascendeu
ao Poder e foram ampliados pelo seu ambicioso filho Mohammad bin Salman que
lançou as operações de combate á “lavagem de dinheiro” (Operação Tempestade
Decisiva). Os planos de combate ao Hezbollah e á “influência” iraniana
continuaram quando os sauditas formaram a aliança para combater os houthis no
Iémen, mais tarde ampliada em Dezembro com uma aliança de 34 Estados islâmicos
para combate ao “terrorismo”.
O
embaixador saudita em Beirute, Awad Assiri, lançou em Abril de 2013 uma
campanha diplomática contra o Hezbollah. A campanha falhou, uma vez que o
governo libanês não consegue controlar o Hezbollah. Agora Riade vai além da
campanha diplomática e passou á “guerra económica”. Para já é visível uma
situação que joga contra Riade: O principal afectado é o governo libanês,
enquanto o Hezbollah não dá sinais de ser afectado pelas sanções sauditas.
Mas
o combate ao Hezbollah, no Líbano e aos houthis no Iémen, não é a única
preocupação saudita no seu braço de ferro contra o Irão. No Iraque desenrola-se
uma nova campanha para os governantes sauditas, preocupados com as milícias
xiitas no país, que trabalham coordenadas nas Unidades de Mobilização Popular
do Iraque (UMPI), organização criada e suportada pelo Irão, em meados de 2014,
com o objectivo de combater o Daesh no Iraque.
Esta
organização engloba mais de 40 grupos e milícias xiitas iraquianas (os
principais são o Asa`ib Ahl al-Haq, o Kata`ib Hezbollah e a Organização Badr).
Os sauditas e as milícias sunitas iraquianas acusam o UMPI de albergar milícias
xiitas causadoras de massacres entre as comunidades sunitas. O próprio UMPI é
considerado, pelos sauditas e seus aliados no terreno, uma organização sectária
xiita que tem como objectivo realizar uma revolução xiita no Iraque, ao estilo
iraniano.
Preparando-se
para efectuar um ataque a estas milícias num futuro próximo, está a ser
efectuado no Norte da Arábia Saudita, junto á fronteira com o Iraque, um
exercício militar massivo, sob o nome de código “Trovão do Norte”, que engloba
combatentes dos grupos sunitas iraquianos aliados da coligação antiterrorista.
No exercício militar participam forças terrestres, aéreas e navais, conduzidas
pela Guarda Nacional Saudita, sendo as forças terrestres constituídas por cerca
de 75 mil elementos, incluindo forças especiais, infantaria, artilharia e
cavalaria às quais se juntam forças aérea e navais de 20 países, incluindo o
Paquistão, Egipto, Malásia, Sudão, Jordânia, Marrocos, Tunísia, Senegal,
Mauritânia, Chade e os Estados do Golfo, num total de aproximadamente 200 mil
elementos.
Esta
coligação liderada pela Arábia Saudita justifica o exercício devido ao que
considera ser a negligência dos USA e da NATO perante as milícias xiitas
iraquianas, constituídas por mais de 100 mil combatentes e equipadas pelo Irão.
Algumas destas milícias (caso da Asa´ib Ahl al-Haq e da Organização Badr) estão
activas desde a sublevação xiita iraquiana em 2004. Por sua vez a Kata´ib
Hezbollah, cujos militantes combateram na Síria, ao lado das forças
governamentais de Bashir al-Assad e no Líbano ao lado do Hezbollah, consta na
lista de organizações terroristas do Departamento de Defesa dos USA, uma vez
que o grupo combateu contra a invasão norte-americana no Iraque, sendo
responsável por diversas acções e atentados contra as forças norte-americanas e
aliadas. Quanto á Organização Badr, formada no Irão em 1982, como ala militar
do Supremo Conselho para a Revolução Islâmica no Iraque (SCRII), é conhecida
pelos seus grupos especiais (estilo esquadrões da morte) e pela sua capacidade
logística (infantaria ligeira e artilharia antiaérea) sendo conhecidas as suas
acções militares e atentados contra o governo de Sadam Hussein e mais tarde
contra as forças de ocupação, além de serem acusadas de massacres perpetrados
contra as comunidades sunitas iraquianas.
No
início do ano o embaixador saudita em Bagdade acusou as forças xiitas
iraquianas de estarem a intensificar as tensões sectárias na região,
considerando “exacerbado” o seu número de combatentes na coligação contra o
Daesh. O embaixador acusou as milícias xiitas iraquianas de executarem cerca de
40 líderes comunitários sunitas e de incendiarem 9 mesquitas sunitas em
retaliação pelos atentados que matarem cerca de 25 milicianos xiitas em
princípios de Janeiro.
O
“Reino”, temendo um eventual isolamento (devido á posição russa, que
retirou-lhe a iniciativa na região) e frustrado com a derrota diplomática dos
seus aliados ocidentais, tenta manter a sua influência na região. Nem que para
isso tenha de recorrer á ameaça, á extorsão e á guerra, arrastando o Ocidente e
toda a região para o caos e para o “Inferno do deserto”…
Alami,
M. Meet one of Hezbollah's teen fighters http://www.al-monitor.com
Al-Desoukie,
O. Displaced Yemenis suffer in silence in Egypt http://www.al-monitor.com
Al-Hatlani,
I. Saudis increasingly frustrated with Lebanon http://www.al-monitor.com
Al-Rasheed,
M. Why did Riyadh cancel $4 billion in aid to Lebanon? http://www.al-monitor.com
Aziz,
J. Lebanon feels aftershocks of Saudi-Iran crisis http://www.al-monitor.com
Cafiero,
G.Can Oman help Saudis save face in Yemen? http://www.al-monitor.com
Dehghanpishe,
B. Special Report: The fighters of Iraq who answer to Iran http://www.reuters.com
Kinninmont,
J. In dealing with Russia, Saudi is keeping its options open http://europe.newsweek.com
Mamouri,
A. How to rein in Iraq's Popular Mobilization Units http://www.al-monitor.com
McDowall,
A. Saudi opposition clerics make sectarian call to jihad in Syria http://www.reuters.com
Nazer,
F. Is Saudi Arabia building an 'Islamic NATO? http://www.al-monitor.com
Obaid,
N. Why Saudis may take on Iraq’s Shiite militias http://www.al-monitor.com
Rizk,
A.What Hezbollah stands to gain from Iran's nuclear deal http://www.al-monitor.com
Slavin,
B. Hariri: Late Syrian security chief tried to speak out http://www.al-monitor.com
Tastekin,
F. Three faiths, three commanders http://www.al-monitor.com
Chulov,
M. Controlled by Iran, the deadly militia recruiting Iraq's men to die in
Syria The Guardian, 2014/03/12
Sem comentários:
Enviar um comentário