terça-feira, 19 de abril de 2016

A MISÉRIA DA RAZÃO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA



Cássio Garcia Ribeiro* e Mário Tiengo*, Pragmatismo Político

O enredo do processo de impeachment da Presidenta Dilma é absolutamente surreal. Traição, oportunismo, revanchismo, falência ética e moral são alguns dos principais ingredientes desse enredo. Muitos dos protagonistas estão envolvidos até os últimos fios de cabelo em escândalos de corrupção, havendo provas robustas contra eles. Mesmo se forçássemos a barra e considerássemos a pedalada fiscal um crime de responsabilidade, tal crime seria burlesco ante os crimes cometidos por muitos dos excelentíssimos parlamentares que encabeçam a tentativa de impeachment da Presidenta. Formação de quadrilha, sonegação fiscal, enriquecimento ilícito, improbidade administrativa, desvio de recursos, peculato, crime eleitoral, crime contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro não esgotam a longa ficha corrida imputada aos nobres representantes da sociedade brasileira.

Mais da metade (37 dos 65 deputados) dos integrantes da comissão de impeachment está na mira da justiça brasileira, inclusive o relator do impeachment, o deputado Jovair Arantes (PTB-GO). Suas contas de campanha referentes às eleições de 2006 e 2012 foram reprovadas, além de ser alvo de ação movida pelo Ministério Público Federal por crimes de improbidade administrativa. Além disso, quatro outros integrantes dessa comissão já foram condenados por improbidade administrativa: Paulinho da Força (SD/SP), Marcelo Squassoni (PRB/SP), Marcos Montes (PSD/MG) e Paulo Maluf (PP/SP), todos favoráveis ao impeachment.

O Presidente da Câmara é um caso à parte. Dizem as boas línguas que ele controla uma bancada particular no Congresso Nacional, obtida a partir da distribuição de dinheiro entre seus colegas com envergadura moral equiparável à sua. Cínico, manipulador, calculista, pinta e borda na casa do povo brasileiro ao brincar com os rumos da política e da sociedade brasileira ao seu bel prazer. Sua figura exerce um dos papéis mais importantes da República com o beneplácito, o salvo-conduto da grande imprensa e de parte da sociedade. É comum ouvir que “podemos tolerar um Eduardo Cunha presidente da Câmara, em que pesem seus desvios, pois ele está cumprindo um serviço à nação ao ajudar a expulsar a Dilma e o PT da Presidência”. É chocante e estarrecedor o efeito de catarse que presenciamos aqui no Brasil em torno da caça às bruxas direcionada a um partido e aos seus principais líderes, um tipo de neo-macarthismo à brasileira que deixa a impressão de que as pessoas perderam o bom-senso, a noção de democracia e de justiça, afogando o espírito republicano em berço esplêndido. Nesse universo paralelo fomentado por uma opinião pública dissimulada e manipuladora, todos os desvios e as ilegalidades são aceitos, as apunhaladas pelas costas se transformam em um mero “desembarque”, quando o tema é “Fora Dilma e leve o PT junto”!

Vale a pergunta: cadê as cavalarias do Ministério Público, da Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal Federal? Onde está o sistema de pesos e contrapesos da democracia? A resposta novamente aponta para um cenário desolador: a toga se omitindo, ou desequilibrando descaradamente a balança. Um famoso membro do STF conspira publicamente, sem pudor algum, com políticos da oposição, enxovalhando a imagem do órgão máximo da justiça brasileira. Um Procurador Geral da República parcial e que, para além disso, comenta-se que teria assumido a função de alto comando do golpe. Deixou (ou, quem sabe, delegou funções, articulou) os soldados e cabos do golpismo agirem livremente. Prisões arbitrárias, delações premiadas, vazamentos seletivos, escutas telefônicas de advogados com seus clientes e da própria Presidenta da República. Não é preciso ser profundo conhecedor do ordenamento jurídico brasileiro para constatar que muitas dessas ações ocorrem à margem da legalidade, em nome de um pretenso combate implacável à corrupção.

Tomaram de assalto a casa do povo brasileiro, rasgaram a Carta Magna e estão prestes a impedir uma presidenta honesta, íntegra, que não cometeu qualquer crime de responsabilidade (ao contrário de muitos que votarão contra ela no domingo) e que foi eleita democraticamente! A justiça, dando de ombros, ou se metendo a fazer política partidária, esquecendo-se de seu importante papel de guardiã da Constituição, de última muralha a salvaguardar o estado de direito. Assim como ocorreu em 1964, uma parcela importante da sociedade brasileira vem dando uma carta em branco a esses senhores, ao avalizar um golpe de estado que pode nos levar à barbárie.

É a miséria da razão na democracia brasileira materializando-se em frente aos nossos olhos. É preciso que a sociedade tenha consciência sobre a infâmia que está acontecendo no país. Nesse sentido, urge que as ruas do país sejam tomadas pelas forças progressistas e democráticas, com vistas a mostrar que um eventual governo ilegítimo será repudiado de maneira veemente. O brado forte que deve retumbar é do protesto contra essa ilegalidade, em oposição a esse verdadeiro atentado ao estado de direito e à vontade popular expressa nas urnas.

*Cássio Garcia Ribeiro é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Mário Tiengo é especialista em Governança Pública e colaboraram para Pragmatismo Político.

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