Cássio
Garcia Ribeiro* e Mário Tiengo*, Pragmatismo
Político
O
enredo do processo de impeachment da Presidenta Dilma é absolutamente surreal.
Traição, oportunismo, revanchismo, falência ética e moral são alguns dos
principais ingredientes desse enredo. Muitos dos protagonistas estão envolvidos
até os últimos fios de cabelo em escândalos de corrupção, havendo provas
robustas contra eles. Mesmo se forçássemos a barra e considerássemos a pedalada
fiscal um crime de responsabilidade, tal crime seria burlesco ante os crimes
cometidos por muitos dos excelentíssimos parlamentares que encabeçam a
tentativa de impeachment da Presidenta. Formação de quadrilha, sonegação
fiscal, enriquecimento ilícito, improbidade administrativa, desvio de recursos,
peculato, crime eleitoral, crime contra o sistema financeiro nacional e lavagem
de dinheiro não esgotam a longa ficha corrida imputada aos nobres
representantes da sociedade brasileira.
Mais
da metade (37 dos 65 deputados) dos integrantes da comissão de impeachment está
na mira da justiça brasileira, inclusive o relator do impeachment, o deputado
Jovair Arantes (PTB-GO). Suas contas de campanha referentes às eleições de 2006
e 2012 foram reprovadas, além de ser alvo de ação movida pelo Ministério
Público Federal por crimes de improbidade administrativa. Além disso, quatro
outros integrantes dessa comissão já foram condenados por improbidade
administrativa: Paulinho da Força (SD/SP), Marcelo Squassoni (PRB/SP), Marcos
Montes (PSD/MG) e Paulo Maluf (PP/SP), todos favoráveis ao impeachment.
O
Presidente da Câmara é um caso à parte. Dizem as boas línguas que ele controla
uma bancada particular no Congresso Nacional, obtida a partir da distribuição
de dinheiro entre seus colegas com envergadura moral equiparável à sua. Cínico,
manipulador, calculista, pinta e borda na casa do povo brasileiro ao brincar
com os rumos da política e da sociedade brasileira ao seu bel prazer. Sua
figura exerce um dos papéis mais importantes da República com o beneplácito, o
salvo-conduto da grande imprensa e de parte da sociedade. É comum ouvir que
“podemos tolerar um Eduardo Cunha presidente da Câmara, em que pesem seus
desvios, pois ele está cumprindo um serviço à nação ao ajudar a expulsar a
Dilma e o PT da Presidência”. É chocante e estarrecedor o efeito de catarse que
presenciamos aqui no Brasil em torno da caça às bruxas direcionada a um partido
e aos seus principais líderes, um tipo de neo-macarthismo à brasileira que
deixa a impressão de que as pessoas perderam o bom-senso, a noção de democracia
e de justiça, afogando o espírito republicano em berço esplêndido. Nesse
universo paralelo fomentado por uma opinião pública dissimulada e manipuladora,
todos os desvios e as ilegalidades são aceitos, as apunhaladas pelas costas se
transformam em um mero “desembarque”, quando o tema é “Fora Dilma e leve o PT
junto”!
Vale
a pergunta: cadê as cavalarias do Ministério Público, da Procuradoria Geral da
República e do Supremo Tribunal Federal? Onde está o sistema de pesos e
contrapesos da democracia? A resposta novamente aponta para um cenário
desolador: a toga se omitindo, ou desequilibrando descaradamente a balança. Um
famoso membro do STF conspira publicamente, sem pudor algum, com políticos da
oposição, enxovalhando a imagem do órgão máximo da justiça brasileira. Um
Procurador Geral da República parcial e que, para além disso, comenta-se que
teria assumido a função de alto comando do golpe. Deixou (ou, quem sabe,
delegou funções, articulou) os soldados e cabos do golpismo agirem livremente.
Prisões arbitrárias, delações premiadas, vazamentos seletivos, escutas
telefônicas de advogados com seus clientes e da própria Presidenta da
República. Não é preciso ser profundo conhecedor do ordenamento jurídico
brasileiro para constatar que muitas dessas ações ocorrem à margem da
legalidade, em nome de um pretenso combate implacável à corrupção.
Tomaram
de assalto a casa do povo brasileiro, rasgaram a Carta Magna e estão prestes a
impedir uma presidenta honesta, íntegra, que não cometeu qualquer crime de
responsabilidade (ao contrário de muitos que votarão contra ela no domingo) e
que foi eleita democraticamente! A justiça, dando de ombros, ou se metendo a
fazer política partidária, esquecendo-se de seu importante papel de guardiã da
Constituição, de última muralha a salvaguardar o estado de direito. Assim como
ocorreu em 1964, uma parcela importante da sociedade brasileira vem dando uma
carta em branco a esses senhores, ao avalizar um golpe de estado que pode nos
levar à barbárie.
É
a miséria da razão na democracia brasileira materializando-se em frente aos
nossos olhos. É preciso que a sociedade tenha consciência sobre a infâmia que
está acontecendo no país. Nesse sentido, urge que as ruas do país sejam tomadas
pelas forças progressistas e democráticas, com vistas a mostrar que um eventual
governo ilegítimo será repudiado de maneira veemente. O brado forte que deve
retumbar é do protesto contra essa ilegalidade, em oposição a esse verdadeiro
atentado ao estado de direito e à vontade popular expressa nas urnas.
*Cássio
Garcia Ribeiro é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) e Mário Tiengo é especialista em Governança Pública e
colaboraram para Pragmatismo Político.
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