Ricardo
Castanheira* – TSF, opinião
A
quem é, como eu, visita frequente no Congresso brasileiro, a
"peixeirada" de domingo não gera surpresa alguma, apesar do
constrangimento.
Quando,
há cinco anos, acabado de chegar a Brasília, visitei pela primeira vez o
magnífico edifício do Congresso Nacional, fui barrado à entrada do "Salão
Verde" - antecâmara do Plenário - por não usar gravata. O protocolo
interno obriga o adereço. A fiscalização é efetiva e inultrapassável. Mas o
curioso - ou talvez não - é que nas sessões, apesar da gravata e do formalismo,
a algazarra é frequente, a agressividade verbal comum e a bagunça uma
constante.
A
sessão deste domingo foi efetivamente diferente, mas porque estavam lá quase
todos os deputados (o que é raro) e não pelo linguajar utilizado ou pela
pobreza argumentativa. A quem é, como eu, visita frequente no Congresso
brasileiro, a "peixeirada" de domingo não gera surpresa alguma,
apesar do constrangimento.
É
preciso ir fundo nas razões e não ficar apenas pela superficialidade da forma.
Importa ler os currículos e percursos de vida da esmagadora maioria daqueles
deputados para compreendermos alguma coisa. É essencial analisar o sistema
político-eleitoral para perceber como conseguem chegar ao poder. É imperativo
observar o modelo de financiamento partidário - alimentado por doses
indescritíveis de corrupção - para entender como se elegem.
Os
políticos brasileiros deixaram há muito de satisfazer a esperança do povo, que
inexoravelmente encontrou resposta nas igrejas que pululam a cada esquina e no
discurso justicialista de juízes e procuradores. As igrejas passaram a ter
grupos parlamentares e os magistrados (ex. Joaquim Barbosa e Sérgio Moro)
vistos como salvadores da pátria. Por tudo isto é fácil compreender as centenas
de invocações da figura divina nas declarações de voto, neste domingo. Não era
por fé, mas por conveniência!
O
Brasil vive uma crise política seríssima que retroalimenta a debelada economia.
Inflação crescente, desemprego galopante e taxas de juros incomportáveis
fizeram descer o país aos infernos em pouco mais de dois anos. A maior operação
global de combate à corrupção (Lava-Jato) a par de uma inabilidade quase inata
para governar por parte da Presidente - tudo somado - resultou num caldo
propício para o processo de impedimento e para a animosidade que transbordava
em cada fala dos deputados, assim como nas ruas pela voz do povo. O Brasil da
paz, já era.
Os
brasileiros nunca foram bons em previsões - até porque não faz parte das suas
preocupações quotidianas, nem da respetiva idiossincrasia - e, menos ainda, em
planeamento. O que virá, virá e logo mais se vê. Convivem naturalmente com a
incerteza e com o improviso, por isso muitas das análises prospetivas sobre o
que vai passar-se na política (mais do que na economia, onde o desastre é
certo) correm o risco de ser tempo perdido. Aliás, vale, aqui, recordar a
expressão que "no Brasil, até o passado é incerto", atribuída a um
ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan.
O
Brasil é um país complexo e de uma diversidade singular. Como disse Tom Jobim:
"não é para principiantes!". Tentar analisá-lo à luz de valores
europeus ou de modelos sociais e políticos portugueses é um erro tremendo, que
não aproximará as partes, mas antes aprofundará o fosso do desconhecimento
recíproco, que até hoje quase ninguém, em ambos os lados do Atlântico, tentou
mitigar.
*
Ex-deputado do PS na Assembleia da República, empresário em Brasília
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