terça-feira, 19 de abril de 2016

Brasil. “AQUI SÓ DE GRAVATA!”



Ricardo Castanheira* – TSF, opinião

A quem é, como eu, visita frequente no Congresso brasileiro, a "peixeirada" de domingo não gera surpresa alguma, apesar do constrangimento.

Quando, há cinco anos, acabado de chegar a Brasília, visitei pela primeira vez o magnífico edifício do Congresso Nacional, fui barrado à entrada do "Salão Verde" - antecâmara do Plenário - por não usar gravata. O protocolo interno obriga o adereço. A fiscalização é efetiva e inultrapassável. Mas o curioso - ou talvez não - é que nas sessões, apesar da gravata e do formalismo, a algazarra é frequente, a agressividade verbal comum e a bagunça uma constante.

A sessão deste domingo foi efetivamente diferente, mas porque estavam lá quase todos os deputados (o que é raro) e não pelo linguajar utilizado ou pela pobreza argumentativa. A quem é, como eu, visita frequente no Congresso brasileiro, a "peixeirada" de domingo não gera surpresa alguma, apesar do constrangimento.

É preciso ir fundo nas razões e não ficar apenas pela superficialidade da forma. Importa ler os currículos e percursos de vida da esmagadora maioria daqueles deputados para compreendermos alguma coisa. É essencial analisar o sistema político-eleitoral para perceber como conseguem chegar ao poder. É imperativo observar o modelo de financiamento partidário - alimentado por doses indescritíveis de corrupção - para entender como se elegem.

Os políticos brasileiros deixaram há muito de satisfazer a esperança do povo, que inexoravelmente encontrou resposta nas igrejas que pululam a cada esquina e no discurso justicialista de juízes e procuradores. As igrejas passaram a ter grupos parlamentares e os magistrados (ex. Joaquim Barbosa e Sérgio Moro) vistos como salvadores da pátria. Por tudo isto é fácil compreender as centenas de invocações da figura divina nas declarações de voto, neste domingo. Não era por fé, mas por conveniência!

O Brasil vive uma crise política seríssima que retroalimenta a debelada economia. Inflação crescente, desemprego galopante e taxas de juros incomportáveis fizeram descer o país aos infernos em pouco mais de dois anos. A maior operação global de combate à corrupção (Lava-Jato) a par de uma inabilidade quase inata para governar por parte da Presidente - tudo somado - resultou num caldo propício para o processo de impedimento e para a animosidade que transbordava em cada fala dos deputados, assim como nas ruas pela voz do povo. O Brasil da paz, já era.

Os brasileiros nunca foram bons em previsões - até porque não faz parte das suas preocupações quotidianas, nem da respetiva idiossincrasia - e, menos ainda, em planeamento. O que virá, virá e logo mais se vê. Convivem naturalmente com a incerteza e com o improviso, por isso muitas das análises prospetivas sobre o que vai passar-se na política (mais do que na economia, onde o desastre é certo) correm o risco de ser tempo perdido. Aliás, vale, aqui, recordar a expressão que "no Brasil, até o passado é incerto", atribuída a um ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan.

O Brasil é um país complexo e de uma diversidade singular. Como disse Tom Jobim: "não é para principiantes!". Tentar analisá-lo à luz de valores europeus ou de modelos sociais e políticos portugueses é um erro tremendo, que não aproximará as partes, mas antes aprofundará o fosso do desconhecimento recíproco, que até hoje quase ninguém, em ambos os lados do Atlântico, tentou mitigar.

* Ex-deputado do PS na Assembleia da República, empresário em Brasília

Sem comentários:

Mais lidas da semana