Mendo
Henriques*
Ocidentais
e outros que tais!
Confrontado
com o escândalo dos “Documentos
do Panamá” o sr. Ramón Fonseca, de 64 anos, banqueiro, novelista,
presidente do “partido panamenho” no seu país, co-associado da Mossack Fonseca,
e um grande traste, respondeu: “Há duas maneiras de ver o mundo. A primeira é
ser competitivo e a segunda criar mais impostos“.
Para
já, há uma terceira maneira. É dar um pontapé nesta canalha dourada – incluindo
a Mossack
Fonseca – que tomou conta dos destinos do mundo ocidental e que nos
faz passar por menores aos olhos do resto do globo.
Mas
vamos por partes
O
que haverá de comum entre Putin, o rei Saud, o presidente Macri , o
primeiro-ministro da Islândia, os familiares de Xi Jining, e pelo menos
mais 140 políticos, entre os quais 12 actuais ou antigos chefes de Estado ou de
Governo, além de empresários, actores e jogadores de futebol, que se aproveitam
das técnicas de fazer dinheiro em off-shores para fugir ao fisco em
mais de 200 países ou territórios?
Cometeram
ilegalidades nestas aplicações? O pensamento único dos mercados financeiros
dirá que não. Mas o que está em causa não é ser ou não ser ilegal. O que é
chocante é o que foi legalizado: o roubo organizado dos povos através dos
off-shores.
Praticaram
subornos, peculatos, abusos de poder, concussão, favorecimentos pessoais,
tráfico de influências? Mais escandaloso do que ser contra a lei, é uma lei
escandalosa que não permitirá ir muito longe neste caso.
E
mesmo se crimes não existiram, nem tudo o que é legal é lícito. Ser ético não é
cumprir a lei mas sim criar a lei certa para benefício de todos.
Ora
os documentos revelados pelo ICIJ desde 3 de Abril mostram como centenas de
personalidades usam paraísos fiscais para fugir ao fisco e criar empresas
fantasmas de lavagem de dinheiro.
Então,
sabemos onde reside o mal. Dinheiro sujo. Dinheiro não declarado. Dinheiro não
tributado. Dinheiro subtraído ao investimento social. Dinheiro roubado ao
Estado Social. Dinheiro que nos faz a todos mais pobres do que já somos.
É
uma história com barbas
A
canalha dourada mundial descobriu há dezenas de anos que os ocidentais têm
técnicas de multiplicar o dinheiro. E aproveitam-se enquanto se riem de nós,
ocidentais que vendemos a corda com que outros que tais nos enforcam.
Niklas Luhmann explicou
em A política da sociedade (2000) que as sociedades ocidentais operam
em vários sistemas, cada qual com seus valores. Na política, esse meio é o
poder legítimo das eleições; na economia, é o dinheiro, desejavelmente
transparente; no direito, é a justiça, desejavelmente imparcial; na ciência é o
conhecimento insuspeito nas unidades de investigação.
Até
aqui, tudo muito limpinho. A sociedade seria uma máquina. Mas uma sociedade é
também uma comunidade viva. Tem um rosto, um propósito, tem um carácter, tem
uma ética, um princípio que ao mesmo tempo mobiliza esses sistemas e os mantém
autónomos.
Foi
com esse propósito de vida em comum para benefício de todos, que o ocidente
criou grandes códigos de conhecimento, legalidade, democracia e honestidade que
estão na raiz dos subsistemas em que (sobre)vivemos. Foi a esse propósito que o Consórcio Internacional de Jornalistas de
Investigação deu vida.
Mas
é esse bem comum que é pisado pela canalha de colarinho branco que apaga as
fronteiras entre conhecimento, legalidade, democracia e honestidade e deixa à
solta a ganância humana.
Desde
que Sutherland falou
em 1939 dos “crimes de colarinho branco” que se estuda como a riqueza conduz a
mais crimes que a pobreza. E com a festa dos paraísos fiscais e do dinheiro
roubado ao investimento social, vem a orgia da corrupção e a violação dos
valores.
Aí
temos as empresas a comprar decisões políticas e sentenças judiciais; os
políticos a obter favores de juízes, empresários e cientistas. Empresários,
políticos, cientistas, juízes, académicos, todos se deixam comprar. Em
Roma, tudo se vende, escreveu o poeta Juvenal. No Ocidente, também, e sobretudo
aos inimigos.
Enquanto
não reconhecermos o princípio judaico-cristão que exige ao Estado respeitar o
mais humilde dos cidadãos, não vamos a sítio nenhum. Enquanto esquecermos que
estas coisas foram ditas por uma equipa que dá pelos nomes de Goethe,
Cervantes, Morus, Camões, Shakespeare, Dante, Victor Hugo, Melville, e tantos
mais, não vamos a sítio nenhum.
Na
nossa arrogância e condescendência de ocidentais, supomos que o mundo vai
abusar dos nossos sistemas maravilhosos e deixar-nos a alma intacta. Não vai. E
a nossa alma já está quase perdida.
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