quarta-feira, 13 de abril de 2016

Portugal. CHAPA SOARES



Miguel Guedes* - Jornal de Notícias, opinião

Longe de ser um brasileirismo, objecto radiológico ou uma questão de hereditariedade. Quem pretender reduzir o caso das "salutares bofetadas" virtuais de João Soares a uma questão de sangue e genes, radiografia com caracteres primários em transmissão por nome de família no longo avental genealógico da democracia portuguesa, tropeça na facilidade da análise a tender para o desaforo. Ainda que nos recordemos dos pequenos humores de Mário Soares sintetizados para a posteridade na forma desabrido-bonacheirona com que vociferava "Ó senhor guarda, desapareça!" em plena Estrada Nacional 10, na presidência aberta de 1993 em Lisboa. Ainda assim, é curto morder a língua e soletrar "runs in the family".

Até porque a realidade contemporânea se encarrega de nos abrir portas em família, é desnecessário recuar no tempo para relembrar os antagonismos entre os irmãos bíblicos Abel e Caim ou as relações - na mitologia grega - entre Urano, Cronos e respectiva descendência. Convém ter a noção das conveniências e do peso das comparações. E é por isso que não é compreensível que João Soares se defenda pela comparação com o estilo de Eça de Queiroz. Eça poderia anunciar bofetadas enquanto cônsul mas nunca foi ministro e, estou certo, nunca abriria uma conta no Facebook ou nas linhas dos livros para colocar na boca de "uma amiga" referências à saúde mental ou consumo de álcool dos outros. Porventura, à falta de neurologistas, bebia-o.

O trabalho cultural desenvolvido por João Soares enquanto presidente da Câmara de Lisboa tem sido bastante valorizado e foi repetidamente colocado em cima da mesa como argumento aquando da sua nomeação para ministro da Cultura. Mas mesmo aqueles que olhavam com desconfiança ou desilusão para o nome que personificava a transformação de uma Secretaria de Estado num Ministério, concordavam na tese do peso relativo: se João Soares não era um peso pesado da intelectualidade ou da gestão cultural, parecia inegável que importava para a cultura um enorme peso político. Então por que se esqueceu de ser político, conquistando - em poucas semanas - a fama de ser o ministro que menos dialogava com os próprios partidos que lhe "emprestavam" apoio parlamentar? Por que se esqueceu de ser ministro para aparentar um enorme erro de casting?

Para a chapa ou fotografia fica um problema que António Costa resolveu após curta criação. João Soares seria sempre uma pequena bomba em contra-relógio. Porventura, nunca se adaptaria. E o aviso fica dado. Para memória futura, sobra a certeza de que nenhum ministro duvidará da autoridade pragmática de Costa, nome de família do primeiro-ministro que ainda não cumpriu a promessa de nos devolver um Ministério. Que seja desta.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

*Músico e advogado

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