Martinho Júnior, Luanda
1
– Deu-se início a 15 de Fevereiro de 2011 ao movimento do “golpe suave” inspirado
pela doutrina de Gene Sharp e inscrito nas “Primaveras Árabes” na
Líbia e os resultados para África são por demais gritantes:
-
Na Líbia ainda não se saiu do pântano do caos, com as pressões dos mesmos de
sempre a passar do choque para a terapia capitalista neo liberal e com isso
procurando moldar a vida sócio-política do país com um estado que responda aos
interesses dominantes, um estado submisso, neo colonizado e que garanta
incomensuráveis lucros às multinacionais interessadas no espólio; como
alternativa a Líbia pode ser dividida conforme o foi a Jugoslávia, ou o Sudão
ou conforme escaparam de o ser a Síria ou o Iraque (quer dizer com mais
radicalização do caos);
-
Por todo o Sahel, do Senegal à Somália, proliferam entidades jihadistas, na
maior parte dos casos de expressão salafista de inspiração wahabista apoiados
deliberadamente por veios com origem na Arábia Saudita, no Qatar ou na Turquia,
à excepção do Uganda, onde o “Lord Resistence Army”adopta o metamorfoseado
fundamentalismo cristão, numa onda em expansão em direcção ao sul que chegou já
a alguns dos países do Golfo da Guiné;
-
Nos Grandes Lagos subsiste a luta pela terra, pelos acessos à água interior dos
lagos e das correntes do Nilo, do Congo e do Zambeze e pelas riquezas minerais,
com variantes que vão desde a situação crónica de conflito nos Kivus entre
sedentários e os migrantes nilóticos, até à instabilidade convulsiva do
Burundi, ou aos riscos jihadistas que ameaçam o Quénia e a República Centro
Africana;
-
Na África Austral, as fragilizadas nações resultantes da descolonização,
algumas das quais tiveram de encetar lutas prolongadas contra o colonialismo, o “apartheid” e
com sequelas que se confundem com o choque neo liberal, estão a ser “abertas” de
acordo com ementas específicas numa trilha de terapia do choque, procurando a
aristocracia financeira mundial com isso fazer conjugar todo um imenso pacote
de fenómenos que definem a actual conjuntura geral e específica, desde a
desvalorização do barril de petróleo, até à desvalorização das moedas, à
inflação, à proliferação de alienações de toda a ordem visíveis até nos órgãos
de comunicação social oficiais, oficiosos e privados, aos fenómenos de
aquecimento global que adicionam crise humana às outras crises e à entrada dos
actores decisivos para impactar nos ambientes sócio-políticos como o Banco
Mundial e o FMI…
2
– África vai assim assistindo a uma situação neo colonial não declarada, mais
subtil em alguns lugares do que noutros, com maior sensibilidade no “pré
carré” da “FrançaAfrique”, onde até a moeda está comprometida com o
domínio francês em todo o Oeste Africano e onde a quadrícula militar, por
efeitos da desestabilização jihadista que se disseminou particularmente após o
ataque de 2011 à Líbia, se tornou mais densa, com a instalação prolífera de
forças francesas, norte-americanas e dos países vassalos (exércitos nacionais)
oficialmente considerados de “parceiros”.
Todo
o entrosamento é garantido por via de coordenações entre as potências
envolvidas e delas com os exércitos locais, segundo tecnologias e técnicas
ocidentais que foram introduzidas explorando os êxitos das “alianças”, ou
seja, explorando nexos entre forças simultaneamente da NATO e do próprio
AFRICOM, com “correias de transmissão” dependentes (que podem também
ser empresas de mercenários) mais visíveis nos países-alvo de maior valor geo
estratégico.
A “FrançAfrique” já
vinha detrás com instalações militares importantes em vários países, do Senegal
ao Níger (onde a Areva prospecta e explora Urânio), do Gabão ao Chade, até
Djibouti.
Com
o advento do AFRICOM em 2007, pequenas unidades norte-americanas têm sido
dispersas a norte de Angola, desde pontos de apoio, até pequenas bases para o
uso de drones, ou ainda centros de treino de densidade variável (dependendo dos
acordos com os governos locais).
O
Djibouti tornou-se a leste a base preferencial comum para os franceses e os
norte-americanos, mas há dispositivos espalhados desde a Somália à Mauritânia,
com uma incidência maior nos Grandes Lagos por parte dos norte-americanos, que
entrosam as sensibilidades civis com as militares, de forma a garantir melhor
os enlaces de inteligência, cobertura, observação e reconhecimento do
território.
A
densidade maior dos norte-americanos nos Grandes Lagos deriva dos êxitos
alcançados utilizando a pressão de povos nilóticos no Uganda, no Ruanda, no Burundi
e nos Kivus (RDC), sobretudo após a ascensão de Paul Kagame ao poder no Ruanda,
no seguimento dos holocaustos em ambos os lados da fronteira (Ruanda e Kivus),
no tempo da administração democrata de Bill Clinton, um “rhodes
scholarship” preferencial do poderoso “lobby” dos minerais nos
Estados Unidos.
Essas
disputas têm como pano de fundo o acesso à terra, à água e por tabela aos
recursos minerais, tendo em conta que, face à imensidão desértica que vai desde
o Mediterrâneo ao Congo, é nos Grandes Lagos onde nascem rios tão importantes
(e decisivos) como o Congo, os braços do Nilo e o Zambeze…
3
– Para a realização das “primaveras árabes” as alianças dos Estados
Unidos, com potências europeias como a Grã-Bretanha ou a França (a coberto da
NATO), com as monarquias Arábicas (Arábia Saudita, Qatar e ultimamente, entre
outros, com a Turquia sob a égide de Erdogan, uma Turquia que possui um dos
maiores exércitos componentes da NATO), com recursos próprios ou provenientes
de multinacionais interessadas, motivadoras de mercenários e arregimentando
doutrinas como as produzidas e concertadas na Universidade de Chicago tutelada
pela família Rockefeler, (uma das mais poderosas componentes da aristocracia
financeira mundial, ciosa de hegemonia unipolar), desencadearam um conjunto
alargado de acções com impactos sócio-culturais, sócio-políticos,
sócio-económicos e animadas de múltiplas variantes financeiras ao sabor de
híbridos “filantropos-especuladores-financeiros” como George Soros,
experimentado perito na“abertura de sociedades”, que não perde uma e de facto
desde a “revolução colorida” que pulverizou a Jugoslávia passou a
estar em todas, coligando-se acima de tudo aos neo conservadores e falcões
liberais republicanos nos Estados Unidos e na Europa sob tutela da NATO e
arregimentando velhas redes “stay behind” com berço na IIª Guerra
Mundial.
Para
além da doutrina neo liberal de Milton Friedman que necessita do choque para
ser instalada (desde logo a 11 de Setembro de 1973 com o golpe sangrento no
Chile) a doutrina do “golpe suave”de Gene Sharp serve para modelar as
tendências do poder de feição sob agenciamento do capital neo liberal em
concertação com o exercício do poder hegemónico, de forma a moldar as elites
locais cada vez mais avassaladas e a formatar as mentes nos vários espectros
das sociedades (em especial em alguns sectores da juventude), dando curso à
terapia de choque em processos de geometria variável que exploram desde logo as
manipulações entre contraditórios, já com capacidades de ingerência instaladas
e garantidas, filtradas pelos serviços de inteligência (política, diplomática,
económica e financeira) ao serviço da globalização neo liberal.
A
conduta última do Presidente Barack Hussein Obama, “suave” nas
interpretações que vai fazendo, conforme por exemplo a esta última sobre a
Líbia, abre espaços à musculada interpretação da NATO/AFRICOM e dos serviços de
inteligência afins, para outras derivas cirúrgicas e selectivas que não tendo
nada de “suave”, são um refinamento da velha ementa latino-americana que
deu pelo nome de “Condor”, fazendo ao mesmo tempo parte da terapia de
choque neo liberal!
4
– Em relação a Angola, a missão cumprida com Savimbi, instrumentalizado
enquanto choque neo liberal, está a dar sequência à terapia do choque com recurso
ao “golpe suave” por via duma oposição difusa que se distende por
alguns partidos e sectores de oposição, uns com presença na Assembleia da
República e outros a coberto da “sociedade civil” e de instituições
como as ONG tuteladas pelo National Endowment for Democracy, ou pela USAID,
entre outros presentes nos dispositivos centrais do AFRICOM e na Embaixada
norte-americana no Miramar, em Luanda, gerindo ramificações múltiplas.
Os
Estados Unidos para fazer avançar os discretos expedientes de ingerência (NSA,
CIA, DIA, ECHELON, etc.) estabelecem conexões duma multiplicidade de acções
concertadas, fazendo mover um tão enorme quão dissuasivo “rolo compressor” nas “sociedades
abertas” e acompanhadas a partir dos centros de decisão e de análise das
situações, explorando todo o tipo de fenómenos correntes, desde os ambientais,
aos económicos e financeiros, atendendo sempre às características próprias dos
alvos e tirando partido das capacidades dominantes decorrentes da revolução
digital, que se sucedeu à revolução industrial e a complementa.
Esse
processo integra os “vínculos fazedores de reis” aproveitando a “open
society” e de forma a melhor estabelecer as manipulações entre os
contrários, normalmente uma tese governamental e uma oposição difusa, a fim de
desencadear a síntese já num quadro de tendência de terapia neo liberal,
introdutória ao neo colonialismo!
Em
Angola é o próprio MPLA que está á prova, perdida que foi a vanguarda que se
havia instalado com o Partido do Trabalho e aproveitando a fragilização da
Segurança do Estado há trinta anos (fez agora, em Março trinta anos que uma
parte importante dos mais experientes oficiais foram presos e/ou
marginalizados), bem como o fim das gloriosas FAPLA, de nada lhes valendo o
facto de terem saído vitoriosas dos campos de batalha do Cuito Cuanavale!...
As
próprias transformações do MPLA, acompanhadas com a fragilização da Segurança
do Estado e o fim das FAPLA, possibilitaram o choque do Savimbi por via da “guerra
dos diamantes de sangue” (1992/2002) e a terapia de choque que se vai
fazendo sentir ainda “em lume brando” de 2002 a esta parte, está já a
fazer um teste real das capacidades de resistência, com vista a neutralizar a
independência e a soberania de Angola e por fim instalar um fantoche da ocasião
em Luanda!
Nos
cenários a prever para Angola devem-se inventariar desde os indexados às “revoluções
coloridas”, ou às “primaveras árabes”, como a oportunidade para golpes
cirúrgicos e/ou selectivos sobre entidades e/ou pessoas que têm demonstrado uma
posição potencial ou declaradamente alternativa, ou que de algum modo sejam
consideradas de obstáculo aos desígnios da hegemonia unipolar, inclusive o meu
caso pessoal, Martinho Júnior, tendo em conta o curriculum público das minhas
intervenções desde o século XX…
Por
isso, cinco anos volvidos sobre a intervenção NATO/AFRICOM na Líbia, é tão
importante recorrer-se aos múltiplos ensinamentos em relação ao caso específico
desse país e aos derivados da percepção sobre a disseminação do caos que a
partir dela foi desencadeado, determinante para o impulso neo colonial que pesa
sobre África, sob os auspícios da hegemonia unipolar e em contradição difusa
com as emergências do quadro multipolar!
As
articulações da harmonia e da paz angolana e regional oscilam nessa “corda-bamba”,
agora com mais intensidade tendo em conta os processos conjugados de crise e
dos impactos neo liberais directos e indirectos, “filtrados” pela
NATO e pelo AFRICOM, em estreita coordenação com as Embaixadas Ocidentais “no
terreno”!
Ao
fazer deslocar, por exemplo, uma tão grande quantidade de profissionais para
Angola, os circuitos de inteligência adstritos à NATO e ao AFRICOM (que foram
tirando partido dos acordos que Angola foi fazendo desde então) possuem não só
forte implantação garantida no terreno, como uma enorme capacidade de
influência estimulando as nervuras da tese governamental (com isso os muitos
fenómenos de corrupção activa e passiva que foram gerados), colocando-a à mercê
do desencadear da antítese que ocupa de forma difusa o campo da oposição.
Tem
sido Portugal, por exemplo e nesse aspecto, a ideal plataforma facilitadora a
expedientes dessa natureza (um efeito “boomerang” dos retornados que
se afastaram de Angola com a intervenção norte-americana que chegou ao ponto de
financiar o IARN), daí o facto de serem completamente distintos os votos
formulados pelo PCP em relação a Angola na Assembleia da República Portuguesa,
se comparados aos outros (tantos os que apoiaram Angola, como os que a estavam
a condenar).
A
alternativa, em termos de cenários, à radicalização do processo e ainda no
âmbito da terapia de choque, pode ser um “suave” governo transitório
Do tipo de “salvação nacional” (tendo em conta os efeito do pacote de
crises que atingem em simultâneo e conjugadamente Angola), não impedindo em
qualquer dos casos a introdução de operações cirúrgicas e selectivas sobre
entidades distintas conforme acima referi, ou ainda do início de actividades
operativas jihadistas em solo angolano.
Nesse
caso a tendência será buscar “no terreno” aqueles que foram sobretudo
seguidores de Agostinho Neto e Lúcio Lara (muitos deles quadros do Partido do
Trabalho ou ao serviço do estado angolano na década entre 1975 e 1985), os “bodes
expiatórios” que estão mais à mão-de-semear, ou ainda aqueles que vão
pondo nos circuitos abertos radiografias correntes que têm efectivamente toda a
sua oportunidade em ser feitas, em relação às conjunturas externas e internas
correntes.
O
impulso está a se tão forte que até a África do Sul, componente dos BRICS, não
está a salvo dos desequilíbrios!...
No
xadrez africano, dramáticos jogos podem estar já s ser desencadeados em
direcção à África Austral, em função das possibilidades da terapia neo liberal
em curso, algo que em Angola é muito mais sensível que antes, tendo em conta a
conjugação em tempo das simultâneas crises económicas, financeiras,
sócio-políticas e ambientais.
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