quinta-feira, 21 de abril de 2016

Portugal. O SALÁRIO DE MEXIA



Rafael Barbosa* – Jornal de Notícias, opinião

Estava-se mesmo a ver que esta história de aumentar o salário mínimo para os 530 euros ia acabar mal.

Bem prega a Comissão Europeia, como Frei Tomás (Torquemada para os amigos), por políticas virtuosas. Não temos emenda. Fazemos umas contas simplórias, como dividir 530 euros por 30 dias, e indignamo-nos com os 16,60 euros que isso dá. Quem vive com semelhante miséria? Uma pergunta que apenas reflete uma visão pouco qualificada sobre o mercado de trabalho. Reparem, em alternativa, no elaborado argumentário dos qualificados, e por isso bem pagos, funcionários da Comissão Europeia: "Os aumentos não parecem alinhados com a evolução macroeconómica em termos de inflação, desemprego e crescimento da produtividade". Isto sim, é que é falar. Que profundidade analítica se encontra em tentar esmiuçar a vida miserável da operária analfabeta de uma qualquer fábrica de sapatos de Felgueiras? Ou a violência contratual de uma qualquer jovenzita licenciada que trabalha numa loja de um shopping? O mais certo é que não estejam alinhadas com a evolução macroeconómica. Ou que tenham faltado à escola (a operária) ou escolhido mal o curso superior (a rapariga do shopping). Seja como for, é seguramente culpa delas, não dos inquisidores (como Frei Tomás) da Comissão Europeia, lugar onde o salário mínimo (para um trabalhador braçal) é de 1907 euros.

Mas, escrevia eu que se estava a ver que isto de aumentar o salário mínimo ia acabar mal. Porque é sabido que aumentar os rendimentos aos desqualificados do calçado, têxtil, supermercados, lojas, ou da construção civil tem um efeito dominó. A seguir, os patrões têm de aumentar os salários aos que ganham um bocadinho mais. Ora, num país em que 42% dos trabalhadores ganham menos de 600 euros, é muita gente a reclamar aumentos. Mais, o efeito dominó vai por aí acima, até chegar aos CEO. E é assim que chegamos à EDP e a António Mexia, que, este ano, vai ganhar mais 600 mil euros do que no ano passado, ou seja, qualquer coisa como 2,6 milhões de euros. O equivalente ao salário mínimo de 4905 operárias do calçado analfabetas e meninas do shopping com cursos de Psicologia ou Gestão.

Não se prendam, no entanto, com contas simplórias. Atentem antes na justificação da comissão de vencimentos da EDP para justificar o justo aumento de Mexia: é necessário alinhar o salário com o mercado. Ora aí está, a confirmação do efeito dominó e a prova de que os alertas da Comissão foram certeiros. Aumentam o salário mínimo aos tipos do fundo da pirâmide e a coisa vai por aí acima, acompanhando a evolução macroeconómica. Concluindo, quando, por estes dias, se indignarem no Facebook com o salário milionário de Mexia, tenham pelo menos a decência de acrescentar que a culpa é do António Costa e da "geringonça" que o acompanha.

*Editor-executivo

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