Martinho Júnior, Luanda
O
Movimento de Libertação em África e nele o MPLA, tornaram-se nas décadas de 70
e 80 do século passado mobilizadores das aspirações mais legítimas dos
africanos, conseguindo naturalmente, no caso de Angola, a aderência
incondicional de várias gerações de quadros e militantes, a todos os níveis e
em todas as latitudes e longitudes nacionais.
Quando
ocorreu a saga da independência, na altura da consumação do Programa Mínimo do
MPLA, por todo o país se sentiu a efervescência da juventude, que a quente
viveu um momento ímpar: pela primeira vez os angolanos eram chamados a optar
com vontade própria, assumindo-se; por isso uma parte substancial das crianças
e dos jovens perceberam o seu papel e do que deles se esperava em termos de
luta e em particular no âmbito dos anseios mais progressistas de então.
Dos
jovens era o futuro e o MPLA comportava a doutrina e a ideologia capaz de
lançar os alicerces desse futuro, apontando o rumo socialista do Programa
Maior, pelo que não foi de estranhar a mobilização massiva da juventude dessa
época telúrica e decisiva, que punha fim a séculos de injustiça histórica de
tão má memória e de tão perversa manipulação.
À
data da independência o camarada Paulo Cadi era uma criança de 11 anos de idade
(nascido a 18 de Dezembro de 1964), de origem camponesa (filho de Paulo Cadi e
Madalena Cololo), natural de Quimabaluquidi, área municipal de Quimbele na
Província do Uíge e como muitos angolanos, ainda que habitantes das imensas
extensões rurais, não deve ter ficado desapercebido dos expressivos
acontecimentos que afectaram então todo o país.
Angola
independente e soberana nascia dum parto sangrento, mas pujante nas suas forças
para encarar os desafios futuros.
O
que é facto é que já em 1977 com as mesmas motivações de milhões e milhões de
outros jovens, ingressava na Organização dos Pioneiros Angolanos e dois anos
depois, a 17 de Agosto de 1979, tornava-se membro da Juventude do MPLA, com o
cartão nº 021710.
Lembre-se
o que dizia na altura o camarada Presidente Agostinho Neto: “nós somos
milhões e contra milhões ninguém combate”!... e mesmo que não fôssemos esses
milhões, que dúvidas havia que o parecíamos efectivamente ser?
Nos
primeiros anos da independência o MPLA levou muito a sério a necessidade de
luta contra o analfabetismo e a JMPLA trabalhava com afinco integrando o
pelotão daqueles que, onde quer que fosse, levavam a cabo as ingentes tarefas
nesse sentido.
Coerente
com o rumo que protagonizava, o MPLA foi também o rumo e a universidade para as
crianças e a juventude, inspirando na essência da sua formação as realizações
pessoais e estrutura ética e moral de cada um e do seu colectivo.
Tudo
isso foi realizado num amplo resgate de direitos humanos que os poderosos da
Terra tendem deliberadamente a olvidar: o próprio Movimento de Libertação
comportava direitos humanos que até então jamais haviam sido alcançados pelos
africanos, outrossim pelos angolanos, abrindo ao futuro da modernidade e do
progresso o futuro de várias gerações, num longo processo de luta que se tornava
cultura.
O
camarada Paulo Cadi foi mobilizado no quadro do 1º contingente das Brigadas de
ensino Comandante Dangereux, partindo como alfabetizador para a Província do
Cunene, precisamente no lado oposto à sua Província de origem.
Em
1981, no rescaldo dessa patriótica tarefa, instalou-se no Huambo, onde assumiu
um cargo no secretariado municipal da JMPLA, continuando ligado à Juventude do
Partido em 1982, quando trabalhou na Empresa Agro-Pecuária da Quissala.
Por
efeitos da Lei 12/82 sobre o Serviço Militar Obrigatório, é recrutado no Huambo
em 1983, ingressando no Batalhão nº 536 da Luta Contra Bandidos da Segurança do
Estado, numa altura em que as Províncias do Bié e do Huambo levaram a cabo
mobilizações geo estratégicas contra os dipositivos de infiltração sustentados
pelas South Africa Defence Forces, no âmbito de sua “guerra de fronteiras” que
em 1975 se havia iniciado sintomaticamente com a Operação Savanah, na
profundidade do território e na ânsia de tomar Luanda em sincronização com a
Operação Iafeaure da CIA contra Angola.
Dadas
as suas capacidades, o camarada Paulo Cadi frequentou no Huambo o curso de
Contra Inteligência, sendo colocado sucessivamente ao longo de vários anos de
convulsão armada como chefe do grupo de informação e análise do Sector
Provincial de Operações Especiais, chefe da Secção Municipal de Operações
Especiais do Bailundo e da Caála, chefe de Sector de Protecção Física e Segredo
Estatal do Aeroporto Albano Machado (ENANA-Huambo), chefe da Delegação
Provincial dos Transportes e Comunicações e por fim oficial de informação e
análise da divisão AY na Delegação Provincial do SINFO em Luanda.
No
Huambo o camarada Paulo Cadi participou nos expedientes de contramedidas como
quadro da Segurança do Estado numa altura em que a cidade enfrentou uma onda
sem precedentes de atentados e acções terroristas, algo que haveria de
anteceder em Angola o futuro processo“somalizador” da década de 90 (que
também outros “freedom fighters” tinham já levado a paragens como o
Afeganistão)…
Chegou
a ser subordinado do camarada capitão António Carlos, Delegado Provincial da
Segurança do Estado, que faleceu em combate no Huambo no dia 9 de Julho de
1984…
Entre
1985 e 1992, em resultado do seu empenho, foi sendo sucessivamente patenteado,
grau a grau, de Aspirante a 1º Tenente (Ordem Militar nº 45/CMD/FC/92 para este
último).
Atravessou
o camarada Paulo Cadi o período crítico de 1992 e 1993 alternando entre o
serviço activo e a desmobilização, o que o motivou a corresponder à campanha de
crescimento do MPLA no Huambo, passando a integrar a célula do MINTEC em 1995.
O
camarada Paulo Cadi havia regressado depois da retomada da cidade capital da
Província ao Huambo, integrando a Delegação do MINTEC, vocacionado justamente a
dar a sua contribuição e empenho na reconstrução do que a guerra havia
destruído.
Em
1996 no âmbito de VIª Conferência Provincial do MPLA o camarada Paulo Cadi e
correspondendo aos seus méritos, tornou-se membro do Comité Provincial do Partido,
com o cartão de responsável como o nº 694/99 e de militante nº 20791/97.
Aproveitando
as oportunidades que o ensino foi concedendo no Huambo à medida do crescimento
de estruturas de Educação do Estado Angolano, o camarada Paulo Cadi em 1999
conclui o curso pré-universitário na área de Ciências Sociais e em 2010, o
curso de Geografia no Instituto Superior de Ciências de Educação.
Com
a constituição da Acção Social Para Apoio e Reinserção, ASPAR, o camarada Paulo
Cadi, conhecedor do Huambo e da comunidade de membros da ex-Segurança do Estado
naquela Província, é nomeado Delegado Provincial da ASPAR, cargo que desempenhava
com mérito e abnegação à hora de seu desaparecimento físico.
O
camarada Paulo Cadi estava levando a cabo a construção da primeira Delegação
Provincial da ASPAR no país, enquanto com toda a dignidade continuava a
defender os interesses da comunidade, por muitos votada irresponsável e
deliberadamente ao esquecimento e ao abandono.
Um
acidente rodoviário no trajecto entre Luanda e o Huambo feriu gravemente o
camarada Paulo Cadi a 17 de Novembro de 2015, que ainda resistiu seis meses ao
infortúnio vindo a falecer no Huambo aos 17 de Maio de 2016.
Entre
tantos e tantos milhares de patriotas, este é apenas um exemplo do muito que
trouxe o MPLA ao rumo de Angola: atravessando décadas de guerra e beneficiando
finalmente da paz, enquanto jovem absorveu a cultura da libertação, enquanto
mancebo ingressou resolutamente nas fileiras que garantiam a independência e a
soberania nacional e enquanto adulto trabalhou como um executivo provincial,
estudou e foi sempre adquirindo conhecimentos, sem se inibir de dar o seu
contributo em benefício de seus camaradas, qualquer que fosse o seu estatuto de
existência.
A
sua trajectória em vida, uma trajectória de luta e de sacrifícios, mas também
de incalculáveis avanços em relação ao passado de trevas, marca, como tantos
outros milhões e milhões de patriotas, a militância que o MPLA soube tornar
extensiva cultura.
Para
os outros camaradas militantes foi dignificante conhecê-lo, por que também com
seu exemplo percebe-se além do mais que o rumo de Angola tem vitalidade humana
intrínseca ao seu projecto de futuro, para além das contingências e
vicissitudes que se atravessaram e se vão ter de atravessar.
Milhões
e milhões de fios de vida patriótica como a do camarada Paulo Cadi sustentam
humanamente a fibra da angolanidade, uma fibra cuja militância é historicamente
impossível de subverter… e é isso que muitos desconhecem, ou propositadamente
tentam fazer por não conhecer, confundidos na mistificação duma globalização
que está longe, muito longe de ser uma escola de luta, de coerência, de amor
colectivo pela liberdade e pela vida, de virtude solidária e de respeito para
com a Mãe Terra.
Camarada
Paulo Cadi, com o exemplo de tua trajectória humana, sabemos que Angola poderá
continuar a aspirar em ir longe nos imensos resgates que ainda há que realizar!
Fotos:
- Assembleia
Provincial da ASPAR no Huambo, a 17 de Junho de 2011, presidida pelo camarada
Brigadeiro Sacha, Presidente da ASPAR, com o camarada Paulo Cadi Delegado
Provincial da ASPAR em primeiro-plano e ao fundo o camarada Muana Mundele,
zeloso Vogal da ASPAR;
- O
camarada Paulo Cadi no dia 20 de Novembro de 2011, durante o Conselho
Consultivo Alargado da ASPAR em Luanda;
- Camarada
capitão António Carlos herói do Huambo, que chegou a ser chefe do camarada
Paulo Cadi, falecido em combate em 9 de Julho de 1984.
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