quinta-feira, 2 de junho de 2016

ÁFRICA E AS NAÇÕES UNIDAS



Roger Godwin – Jornal de Angola, opinião

Um assunto que começa a ganhar dimensão a nível das preocupações do continente é o que se prende com a representatividade africana no seio da Organização das Nações Unidas (ONU), mais concretamente no seu órgão máximo: o Conselho de Segurança.

Vai crescendo cada vez mais o número dos países que defendem que África já merece ter um estatuto diferenciado ao nível das Nações Unidas, avançando com a necessidade de ter dois lugares permanentes no seio do Conselho de Segurança, de forma a melhor expressar e defender aquilo que são os sentimentos e as estratégias do conjunto de nações que fazem parte do continente.

Os países que defendem a existência de dois assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU argumentam com a necessidade de África ser uma potência em constante crescimento e de, por isso mesmo, ter necessidade de melhor poder expressar e defender aquilo que é a sua estratégia em relação aos grandes temas de importância intercontinental.

Muito recentemente, o ministro argelino Abdelkader Messahel, responsável pela importante pasta que trata dos Assuntos Magrebinos, da União Africana e da Liga dos Estados Árabes, deu a cara por esta ideia que começa a ganhar cada vez mais contornos e está a preocupar, como seria de esperar, as grandes potências ocidentais pouco preparadas em dividir o seu actual quase absoluto poder.

Trata-se de uma voz autorizada e alargadamente reconhecida como incontornável quando estão em questão os problemas que afectam o continente africano, uma espécie de “porta-voz autorizado” dos países do norte de África, onde estão países como o Egipto, Marrocos, Tunísia, Líbia e, claro, Argélia, entre outros.

Este responsável da Argélia, sempre que pode, não perde a oportunidade de apontar o dedo à União Africana acusando esta organização de ser a grande responsável pelo facto de o continente ainda não ter um estatuto diferenciado e estar devidamente representado no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

Conselho de Segurança

Numa altura em que se fala com maior insistência na necessidade do início de um processo de introdução de profundas reformas ao nível da Organização das Nações Unidas, começa a ganhar forma a possibilidade de África ter dois representantes permanentes no Conselho de Segurança, o que lhe daria a possibilidade de deixar de lado a necessidade de andar a mendigar favores junto das grandes potências ocidentais a troco de concessões políticas que, muitas das vezes, colocam em causa a sua própria soberania e são contrárias aos seus verdadeiros interesses.

A estratégia do ministro argelino visa transformar a União Africana num órgão que defenda verdadeiramente os interesses do continente e isso passa por colocar na sua presidência uma personalidade mais descomprometida com as estratégias regionais e mais empenhada na defesa mais abrangente de África.

Numa altura em que todos se preparam para o início do debate em volta da substituição da actual presidente da Comissão da União Africana, a sul-africana Nkosazana Dlamini-Zuma, seria importante que esta questão fosse tida na devida linha de conta porque ela representa um passo extremamente importante para a dignificação e emancipação do continente.

Um outro factor que pode ajudar a relevar a importância do tema é o que se prende com o actual processo de pré-campanha para a eleição do futuro secretário-geral das Nações Unidas. 

Todos os pré-candidatos para o cargo dizem estar empenhados e convencidos da inevitabilidade da introdução de reformas, mais ou menos profundas, no sistema de funcionamento e no próprio estatuto da Organização das Nações Unidas, podendo isso ser uma oportunidade a não perder para a intensificação do debate em torno do número de lugares que o continente africano pode passar a ter no seio do grupo de membros permanentes do Conselho de Segurança.

Isso passa pelo reforço das estratégias diplomáticas dos diferentes países do continente, de modo a que sejam capazes de ultrapassar a habitual inércia da União Africana para se afirmarem como parceiros incontornáveis na discussão e na busca de soluções para os problemas que afectam o mundo.

Cada vez de forma mais vincada, muitos têm sido os países ocidentais a reconhecer a importância do papel de África nos esforços para a solução de conflitos, dentro e fora do continente, o que sublinha a ideia da sua determinante influência para a busca de soluções pacíficas.

Continente diferente

África é hoje um continente muito diferente daquele que era quando foram fixados o número e quais os modos de representatividade dos membros permanentes no seio do Conselho de Segurança das Nações Unidas. 

Essa diferença tem que estar expressa de forma clara no equilíbrio de forças no seio da organização internacional, de modo a que sejam cada vez mais os países e os continentes a sentirem-se legitimamente representados naquele que é considerado o mais importante órgão de decisão política do mundo.

Para que isso seja possível, mais uma vez é importante que os países africanos tenham a consciência de que nada lhes será dado de borla, que terão que trabalhar e muito para encontrar uma plataforma comum de entendimento que permita a preparação de uma estratégia conjunta que os possa motivar para travar e vencer mais esta batalha diplomática pela sua afirmação política.

Trata-se de um desafio para o qual o continente africano tem que estar preparado, na certeza de que tem todas as condições para o vencer, caso mais uma vez saiba colocar a importância dos objectivos comuns à frente de eventuais caprichos individuais de países que se percam na tentação de se julgarem mais importantes do que os outros.

Com ou sem a União Africana, é esta a hora do continente lutar pela sua emancipação junto de quem está, estranhamente, habituado a decidir sobre o seu futuro à luz daquilo que lhe é mais conveniente tendo em conta as suas estratégias individuais.

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