Um
reformado de 78 anos que votou para o Reino Unido sair da UE e um economista de
27 que queria ficar explicam ao JN em Londres o que sucedeu.
"Não
há volta. Se a decisão foi pela saída, sairemos". Glenn Jobs, 78 anos, um
reformado que enriqueceu com catering, parece decalcar as palavras do
primeiro-ministro David Cameron antes de cair na demissão e no referendo que
ditou a extração do Reino Unido da União Europeia (52% pela saída, contra 48%;
a diferença é de 1,2 milhões num eleitorado de 46 milhões).
Glenn
até usou a metáfora do voo de Cameron, mas para a retorcer: "Se quisermos
sair de um avião em andamento, podemos sair, mas depois não há forma de voltar
a entrar", disse Cameron em campanha, frase que agora Glenn engrossa:
"Mas, quem raio é que quer ir num avião que se vai despenhar? Por isso,
bom voo para vocês, os da UE. Mas, se fosse eu, via já onde é que estão os
paraquedas, isto é, se os houver...".
"Mas,
quem raio é que quer ir num avião que se vai despenhar? Por isso, bom voo para
vocês, os da UE. Mas, se fosse eu, via já onde é que estão os paraquedas, isto
é, se os houver..."
Glenn,
que veio para Londres das Caraíbas em 1959, aos 21 anos, e lembra-se do império
de outras eras, é da faixa etária do eleitorado que mais peso imprimiu à saída
(61% dos maiores de 65 anos votou "Brexit"). "Eu vi como este
país dantes era melhor, antes até da adesão de 1973. Era mais fácil ter
emprego, havia mais benefícios, os bancos emprestavam bom dinheiro, não se
gastava tanto a assistir emigrantes que não nos trazem riqueza", diz
Glenn.
A
seguir desfia o que o Reino Unido vai ganhar: "Soberania, total controlo
da migração, regulação económica que faça sentido para nós". E diz o que o
irrita ("a eurozona é um desastre") e diz o que o fez mesmo votar
para sair: "A crise financeira de 2008, que nos afundou no paquiderme da
UE, e a contínua crise de refugiados da Síria, aqui tratada com excesso de
liberalidade".
Glenn,
que se entretinha na tarde londrina deste domingo a apostar em cavalos e no
França-Irlanda ("olha, ganhei três vezes o que pus na vitória dos
frogs!"), tem uma família grande de seis votantes. Diz que todos estiveram
unidos no não à UE. E agora, Glenn, quem quer a governar? "Fácil: o Boris
[Johnson, conservador], ele saberá defender-nos do mal da UE".
Mas eles perderam a cabeça?
Mas eles perderam a cabeça?
"Agora
vai ficar tudo mais caro! Isto é muito claro. Não sei onde é que eles tinham a
cabeça", diz Luke Wright, 27 anos, financeiro na City e que sabe realmente
de números.
"Ora
bem, a libra já está a desvalorizar, ontem uma libra valia 1.37 dólares e 1.23
euros. Há um ano valia mais: 1.57 dólares e 1.40 euros. É a maior
desvalorização desde 1980!", diz ele a consultar o iPhone. E dá exemplos:
"Os ingleses que vão de férias para o vosso solarengo país, o Algarve (são
os da classe operária e que ganham menos, não é?), bom, a esses agora vai ficar
tudo mais caro, comida, hotéis, entretenimento, tudo, simplesmente porque a
libra vai deflacionar".
Luke,
que faz parte da geração que votou maioritariamente para ficar na UE (56% na
faixa etária 25-49 anos; nos de 18-24 anos foi 75%), continua a informar bem:
"Mas aqui os preços também vão subir: tudo o que for importado, comida,
eletrónica, roupa, gasolina, vai encarecer, não só pelo embate com o dólar, mas
pelas novas taxas alfandegárias que se vão criar - o aumento na gasolina vai
ser já sentido porque o crude é referenciado em dólares".
No
imobiliário, pode haver um efeito curioso, diz ele: "O preço das casas vai
descer, algures entre 5% e 15%, pondo fim à subida contínua desde o século
passado. É a única coisa boa que vejo. De resto, o céu parece-me muito
carregado para nós", diz Luke que acha que quem votou para sair "não
é solidário, não é global e é definitivamente racista".
E
conclui a olhar para Oeste: "Isto favorece os populistas e os políticos
hipócritas. Já viu que nos EUA pode ficar a mandar Donald Trump e aqui Boris
Johnson, dois demagogos sem qualidades? E nem vou falar do cabelo ridículo dos dois!".
José
Miguel Gaspar, em Londres – Jornal de Notícias
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