De
um lado, a rendição ao capitalismo global; de outro, a sujeição a um populismo
anti-imigração. Que tipo de política poderá superar esse impasse?
Slavoj
Žižek, no Blog da
Boitempo – Outras Palavras - Tradução: Artur Renzo
Quando
perguntaram ao camarada Stalin no final dos anos 1920 o que ele achava pior, a
direita ou a esquerda, ele imediatamente rebateu: “Os dois são piores!” E essa
é minha primeira reação ao Brexit. A Europa está presa agora em um
círculo vicioso, oscilando entre dois falsos opostos: de um lado, a
rendição ao capitalismo global, e de outro, a sujeição a um populismo
anti-imigração. É preciso colocar a pergunta: qual é o tipo de política capaz
de nos tirar desse impasse?
O
capitalismo global tem se caracterizado cada vez mais por acordos comerciais
negociados a portas fechadas como o TISA ou o TTIP (Parceria Transatlântica de
Comércio e Investimento). Discuti a dimensão e o significado do TISA aqui, e também não há dúvida sobre o impacto social do
TTIP: ele representa nada menos do que um ataque brutal à democracia. Talvez o
exemplo mais explícito seja o caso dos ISDSs (Mecanismos de Resolução de
Litígios entre Investidores e o Estado), que basicamente permitem que empresas
processem governos se suas políticas ferirem sua margem de lucro. Para resumir,
isso significa que corporações transnacionais (que não foram eleitas) podem
simplesmente ditar as políticas de governos democraticamente eleitos.
Então
como avaliar o Brexit nesse contexto? É preciso entender em primeiro lugar que
de uma certa perspectiva de esquerda há até justificativas para ter apoiado o
referendo: afinal, um forte Estado-nação, livre do controle dos tecnocratas de
Bruxelas pode estar numa situação melhor para proteger o Estado de bem-estar
social e reverter políticas de austeridade. No entanto, o que é perturbador é o
pano de fundo ideológico e político dessa posição. Da Grécia à França, uma nova
tendência está surgindo a partir do que sobrou da “esquerda radical”: a
redescoberta do nacionalismo. De uma hora para outra, deixou-se de falar em
universalismo – ideia que passou a ser descartada como uma simples contraparte
política e cultural (“superestrutural”, se quiser) do capital global
“desenraizado”.
A
razão que explica esse movimento dessa esquerda parece evidente: o fenômeno da
ascensão do populismo nacionalista de direita na Europa Ocidental. Por incrível
que pareça, é o populismo nacionalista de direita que aparece agora como a mais
expressiva força política a reivindicar a proteção dos interesses da classe
trabalhadora, e ao mesmo tempo, a mais forte força política capaz de mobilizar
verdadeiras paixões políticas. Então, a lógica é a seguinte: por que a esquerda
deve deixar esse campo de paixões nacionalistas à direita radical? Por que ela
não poderia disputar com o Front National de Le Pen a reivindicação da “pátria
amada” [la patrie]?
Nessa
vertente de populismo de esquerda, a lógica do “Nós” contra “Eles” permanece,
mas aqui o “Eles” não aparece na forma de pobres refugiados ou imigrantes, mas
na figura do capital financeiro e da burocracia tecnocrática do estado. Esse
populismo também vai além do velho anticapitalismo da classe trabalhadora; ele
visa reunir uma multiplicidade de lutas, da ecologia ao feminismo, do direito
ao emprego à saúde e à educação gratuitas.
A
tragédia recorrente da esquerda contemporânea é a velha história do líder ou
partido que é eleito com entusiasmo universal junto à promessa de um “novo
mundo” (o caso de Mandela e de Lula são emblemáticos aqui), mas que uma hora ou
outra (geralmente depois de alguns dois anos), se vê diante do dilema
fundamental: será que me atrevo a mexer com os mecanismos capitalistas, ou opto
por “jogar de acordo com as regras do jogo”? E, claro, quando ousa-se perturbar
os mecanismos do capital, logo vem o rebote das perturbações do mercado, o caos
econômico e por aí vai… Então como pensar uma verdadeira radicalização passado
o primeiro estágio de promessa e entusiasmo?
Estou
convicto de que nossa única esperança é agir em nível transnacional – só assim
teremos a chance de fazer frente ao capitalismo global. O Estado-nação não é o
verdadeiro instrumento para confrontar a crise dos refugiados, o aquecimento
global e outras questões urgentes que se colocam. Então ao invés de se opor aos
eurocratas em nome de interesses nacionais, por que não começar tentando formar
uma esquerda europeia? Não vamos competir com os populistas de direita. Não vamos
permitir que eles definam os termos da luta. O nacionalismo socialista não é a
forma certa de combater o nacional socialismo.
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