Miguel
Guedes* - Jornal de Notícias, opinião
A
robustez e inteligência táctica da geringonça está a transformar-se numa
tragédia para a Direita portuguesa. À entrada de Agosto, PSD e CDS-PP falharam
todas as metas de apocalipse e todas as suas alucinações de fé pela derrocada
de um governo sustentado por forças políticas que nunca se haviam habituado a
tratar por tu diariamente. À Direita sobrava aquela esperança cínica - feita
certeza - de que as forças do mal internas se encarregariam de implodir em
poucos meses um acordo que sempre foi alvo de escárnio, maldizer e desdém pelas
habituais antenas do sistema. Ei-los agora, tentaculares, à espera do Diabo em
Setembro.
Após
alguns meses e perante os sinais de saúde da coligação parlamentar, a Direita
fez emigrar a sua esperança: se o Governo não se desmancha por dentro, abanaria
pelas notícias de fora. Transferiu e depositou toda a sua esperança para os
amigos europeus, salivando por sanções, multas e palmadas de régua e pouco
esquadro da União Europeia (UE). Já não seria o Orçamento do Estado que abriria
as fendas, seriam as vírgulas do défice a remexer nas chagas. Mas nada disso
aconteceu. Lutaram por sanções. Tentaram agarrar-se à tábua enquanto esperavam
pelo nadador-salvador. Mas nada disso aconteceu. E, entretanto, nem a liderança
de Passos Coelho convence nem a de Assunção Cristas se afirma. A coligação
reforça-se e cerra os dentes. É o que acontece, muitas vezes, a quem deseja a
infelicidade dos outros para fazer o seu caminho: o beco sem saída é cada vez
mais a estrada larga da Direita portuguesa.
Todos
os movimentos da oposição os capacitam mais como relicários dos interesses
particulares do que como referenciais do interesse nacional. Esperemos por
Setembro para perceber se a Direita portuguesa tem menos capacidade de
autocrítica do que o sacrossanto FMI. Se Passos e Cristas insistirem na
estratégia de culpabilização nacional e na defesa de sanções europeias,
dificilmente sustentarão as suas lideranças. Não será defensável, nem
compreensível. Se tudo apostarem na suspensão dos fundos estruturais para Portugal,
admitem a falência de qualquer projecto de progresso para o país.
É
quase um programa de novas oportunidades para a Direita portuguesa. Não
emigrem. Façam tudo cá dentro. Se temos "nas mãos o calor de Agosto",
como na canção que Victor Espadinha celebrizou, será em Setembro que os
conheceremos verdadeiramente. O tempo verbal não é arbitrário: se foi passado
ou se será futuro. Não abunda a esperança nesta Direita-bagunça que faz das
imperfeições da geringonça a sua força motriz. GPS para Agosto e auspício
estival: a canção lembrava que "tudo são recordações" e acrescentava
de imediato como "é triste viver de ilusões". Não são muitas.
*
Músico e advogado – Imagem: Geringonça, HenriCartoon
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