Aprovada
na generalidade no dia 12 de Agosto pela esmagadora maioria da bancada
parlamentar do MPLA, de iniciativa de José Eduardo dos Santos enquanto chefe do
Executivo, o pacote de leis sobre o exercício da comunicação social em Angola
continua a merecer a atenção dos jornalistas, pois contêm vários artigos que
colocam ainda mais em perigo a quase inexistente liberdade de imprensa no país.
Sedrick
de Carvalho*
Defensor
das liberdades, em geral, e com as de expressão e de imprensa, em particular, o
Folha 8 continua atento ao pacote de leis sobre a comunicação social. E desta
vez dedicou atenção redobrada ao que estas propostas de leis dizem quanto às
futuras multas aplicáveis aos jornalistas que não cumpram o determinado pelo
regime/MPLA.
O
capítulo sete da lei de imprensa proposta, intitulado “valor e processamento
das multas”, define os limites mínimos e máximos das multas a serem aplicadas
de acordo com a infracção cometida pelo jornalista.
Cem
mil Kwanzas é o estipulado como valor mínimo das multas, conforme a alínea g do
artigo 84º da lei já referida. Mas comecemos pela alínea a) deste artigo que
remete para os artigos 13º e 28º, ambos da mesma lei, para realçar que quem
violar o disposto nestes artigos será obrigado a pagar de 200 mil a um milhão
de Kzs.
O
artigo 13º refere-se ao “direito a extractos informativos”. Segundo o artigo
84º, alínea a), “os responsáveis pela realização ou promoção de acontecimentos
políticos, desportivos, artísticos ou outros eventos públicos” não podem
proibir a “divulgação de breves extractos de natureza informativa dos mesmos”
eventos. Neste caso, por exemplo, uma rádio que tenha exclusivamente
transmitido uma actividade política ou desportiva, não pode opor-se a que outra
emissora radiofónica divulgue extractos da sua transmissão, e se assim
proceder, ser-lhe-á aplicada uma multa.
Quanto
ao disposto no artigo 28º, obriga as publicações informativas a deixar três
exemplares de cada edição posta a circular na sede do Ministério da Comunicação
Social. Suponhamos, tão logo a lei de imprensa seja aprovada em definitivo e
entre em vigor, que o Folha 8 não deposite a última edição do seu jornal no
Ministério da Comunicação Social. Sem hesitar, o ministro vai multar o Folha 8
a pagar 200 mil Kzs, ou um milhão, quando o Estado não contribui sequer com um
Kwanza para que o jornal se mantenha, tal como dispõe a actual lei de imprensa
em seu artigo 15º (lei nº 7/06, de 15 de Maio), obrigação que entretanto
deixará de existir formalmente no âmbito da nova lei.
Outro
aspecto que resultará em multa que varia de 500 mil a um milhão e meio de Kzs é
o incumprimento por parte dos jornalistas do disposto no artigo 16º, nos termos
do previsto na alínea b) também do artigo 84º.
Desde
a sua entrada em vigor, os órgãos de comunicação social serão obrigados a
divulgar “gratuitamente”, com a “máxima urgência e o devido relevo” todas as
notas oficiais de iniciativa dos órgãos de soberania do Estado, isto é, do Presidente
da República, da Assembleia Nacional e dos Tribunais.
Será
assim: se a rádio Despertar estiver a emitir o seu programa dominical “Angola e
o Mundo em sete dias”, que faz uma resenha dos factos ocorridos na semana, e
José Eduardo nomear um dos filhos ou outra pessoa para qualquer cargo no mesmo
instante, o programa terá de ser interrompido para ler o despacho de nomeação
do presidente. Ao não interromper a grelha normal de programação, o Ministério
da Comunicação Social ou a “nova polícia dos jornalistas” (Entidade Reguladora
da Comunicação Social Angolana – ERCA) vai aplicar a referida pena. E importa
destacar que a rádio Despertar também não recebe qualquer incentivo do Estado,
segundo o seu director Emanuel Malaquias.
A
multa de até dois milhões de Kzs é aplicável aos jornalistas de órgãos de
imprensa estrangeiros a actuarem em Angola sem a autorização do ministério de
tutela, assim diz a alínea c) do artigo 84º.
O
valor inicia em 500 mil Kzs, e chega aos dois milhões em caso de reincidência:
os jornalistas da Voz da América e Deutsche Welle em Angola, dentre outros
órgãos, terão de possuir “carteira de jornalista ou outro título profissional
equivalente” e pedir ao “chefe do ministério” que lhes permita trabalhar no
país. Depois da solicitação, é só rezar, como disse William Tonet num debate
sobre este pacote de leis. Enquanto não for autorizado, não pode trabalhar,
senão… dois milhões terá de entregar ao ministério.
Pulemos
ainda a alínea d) e passemos à alínea e), também do artigo 84º, que prevê a
punição daqueles órgãos que não informarem por escrito o nome dos seus
proprietários no valor de 200 mil Kzs, enquanto a alínea f) estipula uma multa
de 400 mil Kzs às empresas em caso de não divulgação dos meios de financiamento
dos órgãos de comunicação social.
Tanto
a obrigação de transparência da propriedade (artigo 26º), como a de divulgação
dos meios de financiamento (artigo 27º), são daqueles pontos que certamente
suscitam muito interesse, pois, se forem realmente cumpridos, se tornará
público os verdadeiros donos de vários jornais, rádios e televisões, com a
Zimbo em destaque, que têm surgido nos últimos anos.
Desde
100 mil (o valor mínimo) a 500 mil Kzs é a quantia definida na alínea g) para
os que violarem os termos dos artigos 29º, 30º, 31º e 32º, todos da proposta
lei de imprensa.
Conforme
o artigo 29º, dentre outras possibilidades de sanção, o Ministério da
Comunicação Social ou a ERCA, ou até ambos, vão passar a multar as direcções
dos órgãos de imprensa que não remeterem as propostas de alterações que
pretenderem fazer aos seus estatutos.
Também
serão sancionados as empresas que coloquem estrangeiros como director ou
presidente do Conselho de Administração, ou ainda directores de conteúdos, nos
termos dos artigos 31º e 32º. Notemos que o número 3 do artigo 31º vem reforçar
que a nomeação e demissão do Conselho de Administração ou directores e adjuntos
dos órgãos estatais de comunicação social são da competência do chefe do
Executivo – o mesmo desde 1979.
Vinte
milhões de Kwanzas! É este o montante máximo das multas. Os destinatários deste
castigo são os órgãos que violarem o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 24º
(propriedade das empresas) e o 25º (proibição do monopólio), conforme avança a
alínea d) do artigo 84º. O Executivo de José Eduardo claramente não quer que as
empresas de comunicação social tenham uma “participação directa ou indirecta de
capital estrangeiro” superior aos trinta por cento, nem estrangeiros
maioritários nas empresas.
Realçamos
que o valor das multas duplica passados dez dias sem o pagamento, determina o
nº 2 do artigo 85º. A cobrança nessa fase fica sujeita aos tribunais mediante
processo de execução fiscal.
Angola,
segundo a organização não-governamental Human Rights Foundation, é governada
por um regime autoritário que está preocupado em aprovar leis que limitam a
liberdade de expressão, incluído na internet.
Recordemos
ainda que o país ocupa o 123º lugar no ranking da liberdade de imprensa da
organização Repórteres Sem Fronteiras.
*Folha
8
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