Miguel
Tiago - AbrilAbril, opinião
Uma
sociedade em que os cidadãos não sejam colocados de forma igual perante a
política, a economia, a cultura e os serviços do Estado, não é democrática.
Começam
por estes dias a entrar nas escolas as crianças com os primeiros manuais
escolares gratuitos. Pela primeira vez em Portugal, os pais mais ricos e os
pais mais pobres vêem os seus filhos entrar com livros que custaram a ambas as
famílias o mesmo esforço financeiro: nenhum. E entram todos com manuais nas
mochilas, não há crianças de mochilas vazias enquanto outras as levam
carregadas.
A
proposta da gratuitidade dos manuais escolares há muito defendida pelos
comunistas portugueses não está desligada do entendimento que temos do conceito
de gratuitidade do ensino previsto e fixado na Constituição da República
Portuguesa. Por isso mesmo, a gratuitidade dos manuais escolares para o 1.º ano
do 1.º ciclo do ensino básico, determinada por proposta do PCP no quadro do
Orçamento do Estado para 2016, reveste-se de uma importância proporcional ao
silenciamento que essa conquista mereceu na comunicação social dominante.
Não
se trata de uma medida do âmbito assistencial, é algo de alcance muito mais
fundo e vasto. A perspectiva política em que assenta a proposta do Partido
Comunista Português, e concretizada no quadro da actual solução política, é a da
plena concretização da gratuitidade do ensino em todos os seus graus.
Seria
politicamente desajustado dizer que a política do Governo PS rompe com as
linhas e opções dos sucessivos Governos, mas não se pode negar que existem
conquistas progressistas num contexto conservador, assim o determinem a
dimensão da luta de massas, a força das organizações sindicais de classe e a
força das organizações políticas dos trabalhadores. A gratuitidade dos manuais
escolares é um desses elementos, um desses traços de conquista e progresso num
contexto que não deixa de ser conservador e que não deixa de se enquadrar nas
limitações e condicionantes que o capitalismo e a União Europeia colocam a
Portugal, por opção dos sucessivos Governos, de entre os quais o actual não se destaca.
«Se
a Escola não pode eliminar as assimetrias que existem na sociedade, pode fazer
com que se repercutam o mínimo possível na aprendizagem de cada criança, de
cada jovem.»
É
também por isso que a gratuitidade dos manuais escolares para os alunos do 1.º
ano do 1.º ciclo não pode ser dissociada de uma luta mais ampla e audaz, pela
gratuitidade do Ensino, pela qualidade da Escola Pública e pela construção de
uma democracia social, económica, cultural e política.
A
gratuidade do ensino, de que faz parte a dos manuais escolares enquanto estes
desempenharem o papel que actualmente desempenham no âmbito do processo
educativo, é um dos pilares de uma Escola da República que é, por sua vez, o
mais estrutural pilar de uma democracia.
Se
é verdade que as dimensões social, económica, cultural e política da democracia
são interdependentes e interpenetrantes, não é menos verdade que a Educação
desempenha um papel absolutamente fundamental para a concretização de cada uma
dessas dimensões. Uma sociedade em que os cidadãos não sejam colocados de forma
igual perante a política, a economia, a cultura e os serviços do Estado, não é
democrática. Uma sociedade em que uns têm condições para ter todos os meios e
instrumentos de estudo e outros não conseguem comprar atempadamente os manuais
escolares é uma sociedade que, logo no início da formação da cultura dos seus
indivíduos, cria assimetrias e amplia clivagens.
A
gratuitidade do Ensino, e daqui não podemos excluir a gratuitidade dos
transportes, da alimentação, dos manuais e outros instrumentos de estudo, do
alojamento, as propinas do Ensino Superior, é pois algo mais do que uma medida
de acção social: é a base da Escola Pública. Se a Escola não pode eliminar as
assimetrias que existem na sociedade, pode fazer com que se repercutam o mínimo
possível na aprendizagem de cada criança, de cada jovem. Ou seja, um aluno
filho de ricos estará sempre em vantagem, mas o Estado tem o dever de atenuar a
vantagem, elevando as condições dos alunos filhos de pobres. A gratuitidade
para todos, independentemente da sua capacidade económica é a resposta mais
justa e mais democrática, pois que a justiça social em Portugal deve ser
procurada através do sistema fiscal redistributivo. Se a família é rica, paga
mais impostos e se é pobre, paga menos, mas quando chegam os seus filhos à
escola, ambos terão do Estado o mesmo: a gratuitidade.
Este
passo – o da gratuitidade dos manuais no 1.º ano do 1.º ciclo do Ensino Básico
– não pode ser visto como uma conquista isolada, antes como um primeiro elo de uma
corrente de progresso que, ainda que limitada, abre potencialidades
democráticas que seriam impensáveis concretizar há, por exemplo, dois anos
atrás. Este passo, no entanto, não pode de forma alguma ser menorizado ou
secundarizado porque ele representa, para milhares de famílias portuguesas uma
diferença substancial: há dois anos atrás, fustigados pelos cortes salariais,
pelo aumento de impostos, pelo desemprego, os pais estariam a ser ainda
confrontados com os custos dos manuais escolares; hoje, com a reposição
salarial no horizonte mas ainda alvos de uma política fiscal injusta e de um
desemprego estrutural avassalador, os pais portugueses podem ambicionar o
alargamento da gratuitidade dos manuais escolares a outros anos de
escolaridade, assim também se empenhem connosco na luta por uma escola pública,
gratuita, democrática, inclusiva e de qualidade para todos.
Foto:
A gratuitidade do ensino é um dos pilares de uma Escola da República / Rádio
Hertz
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