Rafael
Barbosa – jornal de notícias, opinião
1. Num
país como Portugal, em que são norma os salários miseráveis, uma remuneração de
423 mil euros por ano é um excesso. Não será um salário milionário (até porque
sobre esses 30 mil euros mensais incide um taxa de IRS de 45%), mas não deixa
de ser imoral quando do que estamos a falar é daquilo que vai receber o gestor
de uma empresa pública. E pior ainda quando se trata da CGD. Porque, para
qualquer português (sobretudo se acumula a qualidade de cidadão com a de
contribuinte), quando se fala de Banca, seja pública ou privada, o que vem à
memória são conceitos como incompetência, má gestão, usura e desperdício de
recursos públicos. O que a experiência nos ensina é que a atividade bancária,
apesar de ter um papel crucial na economia de mercado, também representa, ora a
privatização de lucros, ora a socialização de prejuízos. Ou seja, em tempos de
bonança é um bom negócio para os seus gestores e acionistas; em tempos de crise
é um péssimo negócio para os contribuintes (embora continue a ser bom para os
seus gestores). E é por isso que justificar, como faz Mário Centeno, os
salários a pagar na CGD com a média do que se paga no setor é o pior dos
argumentos. Muitos dos banqueiros que conhecemos não justificam os salários que
recebem e pelo menos alguns deveriam estar na cadeia.
2. A
questão dos salários na CGD é importante e deve falar-se dela. Mas não é
seguramente a mais importante. E é quando se ouve uma personagem como Marques
Mendes proclamar, do alto do seu púlpito televisivo, que o Governo se pôs de
"cócoras" perante as exigências dos novos administradores da CGD que
isso se torna ainda mais claro. Marques Mendes anda na política há várias
décadas. Já foi deputado, já foi secretário de Estado, já foi ministro, já foi
líder do PSD. Mas é também um homem ligado a múltiplos negócios. Ou seja, é um
dos mais destacados membros do chamado bloco central de interesses, essa
nebulosa teia que cruza interesses políticos, económicos e financeiros e que
agrega gente ligada ao PSD, ao CDS e ao PS. No fundo, a casta que, entre outras
façanhas, arruinou a CGD e patrocina assaltos fiscais regulares aos
contribuintes, forçados a tapar os buracos. Não é preciso que Marques Mendes
tenha uma ligação direta a qualquer dos atos de gestão danosa e até de roubo
descarado que atravessam sucessivas administrações. Basta saber que já teve
cargos políticos centrais em governos que, para usar a sua expressão
escatológica, também se puseram de cócoras perante a fraude em que quase sempre
assentou a gestão da CGD. E que é, portanto, um dos responsáveis pelo facto de
os portugueses, mais uma vez, serem obrigados a pôr-se de cócoras e pagar
milhares de milhões de euros.
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