quarta-feira, 6 de abril de 2016

AS ÁGUAS CORREM CALMAS NO NILO



Rui Peralta, Luanda

As negociações, politicas e técnicas, entre o Cairo e Adis Abeba sobre a gestão conjunta das águas e recursos do rio Nilo mantêm-se paralisadas, devido á insistência etíope de prosseguir com a construção da barragem Renaissance, algo que o Egipto considera uma ameaça aos seus interesses no Nilo. Isto obriga os egípcios a procurar outros parceiros do Nilo, sendo o Congo Democrático (RDC) um aliado estratégico do Egipto desde o início da disputa com a Etiópia.

Em Fevereiro, o primeiro-ministro da RDC, Augustin Matata Ponyo, visitou o Cairo, por três dias, chefiando uma delegação que incluiu os ministros da energia, água e industria. Ponyo, o primeiro-ministro egípcio, Sherif Ismail, e o presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, efectuaram encontros e prolongadas reuniões, que culminaram com a assinatura de um memorando de entendimento entre ambos os Estados, em torno do projecto da barragem de Inga.

Numa conferência de imprensa os dois primeiros-ministros anunciaram que o Egipto participaria nas fases 3 e 4 da construção da barragem de Inga. O Egipto prestará assistência técnica, tecnológica e financeira para a construção da barragem. Nas palavras do ministro egípcio para a Electricidade e Energia, Mohamed Shaker, o Egipto “beneficiará da interconexão da rede eléctrica entre a África do Sul e o Norte de África”. O Egipto concederá 10 milhões de USD á RDC, para a execução de 6 projectos, incluindo os estudos de design, além da formação dos trabalhadores e será o “responsável pela coordenação e implementação de todos os projectos de cooperação, assinados em torno da barragem de Inga”, segundo Hossam Maghazi, ministro egípcio da Irrigação e Recursos Hidráulicos.

A barragem fica localizada no Rio Congo, a 140 milhas (225 Km) a sudoeste da capital da RDC, Kinshasa e será um dos maiores projectos hidroeléctricos do continente africano, gerando 40 mil megawatts de electricidade. O custo final estimado ronda os 80 mil milhões de USD. O ministro congolês da Energia e Águas, Matadi Gamanda referiu que a “construção da barragem comporta imensos desafios (…) e que com Egipto esses desafios serão superados com êxito. (…) Decidimos competir com a Etiópia em termos de produção de electricidade (…) a barragem de Inga produzirá muito mais energia eléctrica e não pode ser comparada ao projecto etíope da barragem Renaissance (…) A posição da RDC nesta disputa é simples e explícita: nunca iremos assinar quaisquer acordos contrários aos interesses egípcios”.

Os interesses do Egipto na RDC não se limitam á barragem de Inga. Nos últimos três anos os egípcios apresentaram diversas propostas sobre gestão de recursos fluviais, alicerçadas num tecnicamente controverso projecto sobre a ligação do rio Nilo ao rio Congo. Este projecto nasce como resposta a diversos factores: 1) necessidade do Egipto em aumentar o seu consumo de água por habitante (660 metros cúbicos por habitante, um dos mais baixos do mundo e que não é suficiente para satisfazer e suportar o crescente demográfico egípcio nos próximos 50 anos, que se prevê duplique o numero de habitantes); 2) reacção ao projecto etíope da barragem Renaissance; 3) resposta ao Acordo de Entebe sobre a Bacia do Nilo, assinado pela Etiópia, Quénia, Uganda, Tanzânia, Ruanda e Burundi (e aqui a RDC constitui, simultaneamente, uma aliado e um mediador, que permitirá ao Egipto a possibilidade de renegociar o Acordo com alguns dos seus signatários).

O Cairo vê no relacionamento privilegiado e estratégico com Kinshasa um importante passo para o fortalecimento da presença egípcia na região dos Grandes Lagos, passo essencial para as pretensões egípcias. A RDC é um consistente suporte para o Egipto. Efectivamente, a RDC recusou assinar o Acordo de Entebe sobre a Bacia do Nilo (ao contrário do Burundi, que em 2011 mudou de posição) e apoia as posições egípcias no diferendo com a Etiópia sobre a barragem Renaissance. Por outro lado o Egipto tenta compensar, através da RDC, a insipida coordenação até agora obtida com um outro aliado, na questão dos recursos do Nilo, o Sudão. O projecto de Inga constitui uma forte pressão sobre a Etiópia, que pretende ser o grande fornecedor de energia de África, pressão política, mas também económica, uma vez que constitui uma alternativa mais segura e de menor custo.

A posição egípcia é a de gerir a situação, de forma a ganhar aliados na região, assegurando os seus interesses na questão da água. O desafio desta posição é se o Egipto conseguirá conjugar os seus interesses com os dos seus aliados (presentes e futuros) que aspiram ao desenvolvimento. É desta conjugação de interesses que depende o êxito da política egípcia na questão da água. É dos resultados práticos e do que estes projectos podem representar para o desenvolvimento destes países - através de políticas de coordenação e de cooperação de interesses e não das promessas e das visitas oficiais - que o Egipto poderá realizar a efectivação dos seus interesses.

Mas, enquanto as relações com a RDC se fortalecem, as relações com o Sudão (um dos aliados do Egipto nesta questão) atravessam um momento de turbulência. Uma das causas do mal-estar existente entre os dois países é o Triângulo de Halayeb-Shalateen, um território com cerca de 13 mil quilómetros quadrados, localizado na fronteira com o Sudão, a sul do Egipto. Este território é revindicado pelo Sudão, embora, nas palavras do presidente sudanês Omar al-Bashir, o Sudão não tenha intenções de “ir para a guerra por isto” e opte pela via negocial. Entretanto o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi afirmou, durante uma entrevista á TV egípcia, logo após ter ganho as eleições, que “ o triângulo de Halayeb-Shalateen é parte do território egípcio e apelamos ao Sudão que não entre em conflito connosco”. Por outro lado, pela primeira vez na história parlamentar egípcia, a região elegeu um deputado, Mamdouh Amara.

Esta região faz face a diversos problemas, principalmente nas áreas da saúde pública e da educação. O governo egípcio alocou cerca de 11,2 milhões de USD na política de saúde, restruturando o hospital e estabelecendo novos departamentos médicos, mas os médicos recusam-se a trabalhar na região, devido á falta de condições. O mesmo se passa com os professores e o governo iniciou uma política de incentivos que se tornem atraentes para os médicos e professores estabelecerem-se na região. O governo central anunciou recentemente que planeia investir mais 86 milhões de USD em infra-estruturas administrativas, rodoviárias, aeroportuárias, abastecimento de água e energéticas (está em curso a construção de uma central solar).

Contudo o problema principal reside nos recursos humanos. As populações da região, através do seu representante parlamentar, efectuaram um apelo ao governo para a instalação de um pólo universitário. Muitos estudantes terminam o ensino secundário e depois não prosseguem os estudos. Alguns optam pela formação profissional, mas as opções não são muitas. Como resultado a região fica sem quadros superiores e com poucos quadros médios, dificultando ainda mais o seu desenvolvimento e encarecendo as despesas com quadros vindos do Cairo e de outras províncias egípcias.

Mas é noutra região fronteiriça, Sinai, que muitas das atenções se concentram. O Daesh desenvolve aqui uma intensa actividade e o exército egípcio desencadeou uma série de operações no território (em alguns casos em cooperação com as forças israelitas) que obrigaram o Daesh a alterar as suas tácticas, passando a atacar alvos civis, perante a dificuldade em atacar alvos militares.

A Wilayat Sinai (WS) é a afiliada do Daesh, na península do Sinai. Um dos seus maiores ataques foi, no ano passado, ao posto de controlo militar em Sheikh Zuweid que provocou a morte de 17 militares egípcios. Hoje a organização, perante as dificuldades que sente no terreno, está praticamente impossibilitada de atacar as forças egípcias. Os alvos civis e a vida económica tornaram-se alvos da WS, que com esta alteração pretende, também (além de constituir um aviso á população civil para não colaborar com as autoridades), adquirir maior visibilidade, o que lhe pode ser vantajoso em termos de suportes financeiros.

Em 2015 as estatísticas confirmam que as organizações terroristas que actuam no Egipto tornaram-se mais agressivas. O número de atentados subiu de 349 em 2014, para 617, em 2015, de acordo com o índice de estabilidade do Centro Regional de Estudos Estratégicos, no Cairo. Segundo esta mesma fonte, no Sinai, o número de ataques terroristas subiu para 90, em 2015. Mas nem tudo é mau. Os detalhes do índice confirmem que existiu uma quebra na actividade terrorista após os ataques de Sheikh Zuweid. O número total de ataques terrorista e atentados no Egipto, no segundo semestre de 2015 foram de 64, contra 170 no mesmo período de 2014. Este declínio de actividade está reflectido no Sinai, que representa 15% do total de acções terroristas em 2015.

A alteração táctica da WS reflecte esta realidade. No passado dia 1 de Março a WS revindicou a decapitação de um cidadão egípcio e o fuzilamento do seu filho, por colaborarem com o exército e com as forças de segurança egípcias. O grupo rapta homens de negócios e intimida trabalhadores. Em Dezembro último fez circular um panfleto, ameaçando de morte os condutores de ambulâncias, se estes transportarem militares ou agentes de segurança feridos, para os hospitais. Em Outubro e Novembro do ano passado o WS desviou ambulâncias e atacou um posto de saúde em el-Arish. Destruiu,também, um posto de saúde em Sheikh Zuweid.

O presidente egípcio anunciou recentemente um plano de desenvolvimento do Sinai, orçamentado numa primeira fase em um milhão e 280 mil USD. Com este plano o governo egípcio, além de apostar no desenvolvimento económico da região fronteiriça com Israel, espera delimitar a actividade terrorista na região.

Um outro problema do Egipto é o relacionamento com a Arábia Saudita. No dia 8 de Fevereiro os sauditas e os Emiratos Árabes Unidos (EAU) anunciaram a preparação para o envio de forças militares para a Síria, com o objectivo de reforçar a coligação internacional liderada pelos USA. Este anúncio criou mal-estar no Cairo. A 10 de Fevereiro o primeiro-ministro egípcio, Shariff Ismail; cancelou a sua visita a Riade. A visita tinha como objectivo a finalização do acordo sobre a criação do Conselho para a Coordenação Egipto-Arábia Saudita, que numa primeira fase permitiria o investimento saudita no Egipto de 8 mil milhões de USD. O acordo incluía cláusulas sobre as reservas egípcias de petróleo e sobre o tráfico marítimo saudita no Canal do Suez, além de questões relacionadas com a cooperação militar entre ambos os Estados e a criação de uma força militar conjunta.

O Egipto necessita de assegurar as suas reservas petrolíferas de forma a satisfazer as suas necessidades de consumo para os próximos cinco anos (estimada em 5 milhões de barris por ano). Por outro lado o investimento saudita em diversos sectores da economia egípcia (como o turismo, sistema bancário e agricultura) é também importante para o país. O acordo beneficiaria, sem dúvida o Egipto, mas a 16 de Fevereiro o ministro do negócios estrangeiros egípcio, Sameh Shoukry, afirmou que a decisão da Arábia Saudita e dos EAU de enviarem forças militares para a Síria, no âmbito da Aliança Militar Islâmica para o Combate ao Terrorismo (liderada pelos sauditas) que engloba 34 Estados, é contrária á decisão egípcia. O Egipto está disposto a suportar uma solução politica para a Síria, mas não uma solução militar.

Ambos os Estados consideram que este diferendo de opiniões não afectam o seu relacionamento, mas os factos não parecem confirmar esta afirmação de intenções. Os sauditas são muito sensíveis a qualquer visão politica regional que não esteja de acordo com a sua. A recente suspensão de ajuda financeira ao Líbano é uma confirmação desta sensibilidade saudita. Para o Cairo os acordos de cooperação militar e a sua participação nas alianças militares lideradas pelos sauditas são uma forma de obter ajuda financeira que lhe permitirá solucionar algumas questões económicas internas. Na Guerra do Golfo o Egipto (sob a administração Mubarak) arrecadou 100 mil milhões de USD, em suporte pela sua posição na guerra, favorável aos aliados, tendo os sauditas financiado 10% dessa verba (10 mil milhões de USD), além de cancelado os débitos egípcios, consequência de anteriores empréstimos sauditas.

Durante o ano passado o Egipto por diversas vezes realçou a sua objecção a intervenções militares externas e em Abril de 2015 o presidente Sisi afirmou que “as Forças Armadas do Egipto são apenas para o Egipto”. No mesmo mês foi autorizada uma manifestação de protesto, no Cairo, frente á Embaixada da Arábia Saudita, contra a intervenção saudita no Iémen e o governo egípcio recebeu uma delegação representativa do ex-presidente iemenita Ali Abdullah Saleh. Como consequência os sauditas excluíram o Egipto de estar presente nos encontros entre as facções iemenitas, realizadas antes das negociações de Genebra, em Junho.

Apesar deste mau ambiente a coordenação militar entre ambos os países continua, assim como continuam abertos imensos canais e corredores entre o Cairo e Riade. O Egipto participou nas manobras militares Trovão do Norte, na Arábia Saudita, apesar de anteriormente ter manifestado a sua opinião acerca da Síria. As politicas sauditas de coordenação e aliança com o Egipto, têm como principal objectivo o fortalecimento da coligação sunita na região, para fazer frente ao Irão, o inimigo numero 1 dos sauditas. O Cairo aceita participar nesta coligação, mas de forma muito independente (mantém relações com o Irão e com grande parte dos inimigos da coligação, além de manter uma posição hostil para com a Turquia, o principal aliado dos sauditas, na região, e um dos alicerces da coligação sunita contra o Irão.

Muitas questões mantêm-se em aberto sobre a mesa. De nada servirá á Arábia Saudita usar pressões e ameaçar com o corte na ajuda (como aconteceu com o Líbano). O Egipto nunca adoptará uma posição clara neste - e em outros - relacionamentos). Para o Egipto não existem soluções militares, nos casos sírio e iemenita, mas, sim, soluções politicas. Já demonstrou que está aberto a aprofundar relações com o Irão e surge como uma eventual ponte (ou, pelo menos, como um tabuleiro da ponte) entre Teerão e Riade.

E existe ainda uma outra vertente na politica externa egípcia: África. É que – e muitos o esquecem, até os africanos - o Egipto é um país africano, que faz a ponte com o médio-oriente (uma ponte física e cultural, não só através da geografia mas, também, através da história). E querem maior prova de africanidade do que o Nilo?

Fontes
Al-Rassheed, M. Why did Riyadh cancel $4 billion in aid to Lebanon? http://www.al-monitor.com
Aman, A. Will the Democratic Republic of Congo be Egypt's newest ally in dam disputes? http://www.al-monitor.com
Aman, A. Potential solutions to Egypt-Ethiopia dam dispute remain murky http://www.al-monitor.com
Aman, A. Will cancel aid to Egypt? Riyadh http://www.al-monitor.com
Fouad, A. Islamic State's Sinai branch shifts its strategy http://www.al-monitor.com
Fouad, A What's Saudi's new Islamic coalition really up to? http://www.al-monitor.com
Al-Ghoul, A.  Rural Egyptian village stuck in time  http://www.al-monitor.com
Hussein, W. Controversy continues over Nile, Congo river projects http://www.al-monitor.com
Hussein, W. Egypt’s 'Lost Dream' of Linking Congo, Nile Rivers http://www.al-monitor.com
Hussein, W. Cairo scrambles to restart Entebbe negotiations http://www.al-monitor.com
Linn, E.C. Rising temperatures scorch Egypt’s rural poor http://www.al-monitor.com
Mikhail, G. Will border region dispute threaten Egyptian-Sudanese ties? http://www.al-monitor.com
Mikhail, G. Will Sudan side with Egypt in Renaissance Dam dispute? http://www.al-monitor.com
Mikhail, G. Former insurgent Islamist leader's take on IS in Sinai http://www.al-monitor.com
Riedel, B. Will there be peace in Yemen? http://www.al-monitor.com
Slavin, B. The battle to defund Islamic State http://www.al-monitor.com

Angola. CADA UM DE NÓS E A OMS



Jornal de Angola, editorial

O país vive desafios ao nível do sector da saúde, que estão a merecer da parte das entidades governamentais e de toda a sociedade a tomada de medidas para inverter o quadro.

Felizmente, já se pode dizer que o cenário dantesco que as unidades hospitalares viviam, fruto do impacto do paludismo e da febre amarela, conheceram uma redução notável. 

Fruto do empenho do Estado angolano e da ajuda dos seus parceiros, dentro e fora do país, está a ser controlado o surto de paludismo e de febre-amarela que nas últimas semanas enlutou centenas de famílias. Em Angola, o que é notável é que ninguém ficou de braços cruzados ante os desafios provocados por aquelas duas enfermidades. 

É verdade que até muito recentemente o quadro era assustador, a julgar pela combinação de uma série de factores que sobrecarregaram demasiado as unidades sanitárias. Luanda, pelas especificidades demográficas, continua a ser o centro nevrálgico quando se trata de questões que se levantam ao nível do sector da saúde.

 O fundamental era manter os níveis de controlo para que os desafios provocados pelo surto das enfermidades não complicasse a capacidade de resposta das autoridades sanitárias.

Temos ainda muito trabalho pela frente, mas a campanha desencadeada pelo Executivo no sentido de mobilizar entidades e pessoas, dentro e fora de Angola, começam a gerar os resultados que pretendemos. 

Numa altura em que se encontra no país a directora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, a nível de África, a responsável regional, as autoridades angolanas reafirmam o compromisso de contar com os esforços de todos, dentro e fora do país. Abrir as portas do país a entidades responsáveis da OMS para, pelas suas próprias avaliações, fazerem as observações e recomendações que se impõem. 

E foi bom ouvir de Margareth Chan que os esforços para reduzir a incidência do paludismo e da febre-amarela resultam na baixa dos números.

O importante foi sobretudo o facto da OMS associar-se às iniciativas das autoridades angolanas, instituição com a qual o Executivo conta muito para empreender lado a lado a cruzada contra as enfermidades. 

A ajuda com meios humanos e materiais, prometida pela directora-geral da OMS, vai fazer toda a diferença sobretudo nesta fase em que cresceram os desafios, mas estão igualmente controlados. É salutar que, na província de Luanda, a vacinação contra a febre-amarela já abrangeu cerca de 87 por cento da população. 

Acreditamos que Angola e os angolanos registam com satisfação a vinda e o trabalho desempenhado no país pelas duas distintas entidades da OMS. É preciso continuar a alargar o raio de vacinação em todo o país contra a febre-amarela, tal como recomenda a médica sino-canadiana que dirige a OMS. “Nós tivemos a oportunidade de visitar alguns centros de vacinação, bem como o Hospital Geral de Luanda e registamos que há progressos, na medida em que o número de casos está a reduzir”, disse Margareth Chan, numa alusão à delegação da OMS. 

Uma outra recomendação, várias vezes já salientada entre nós, tem a ver com o envolvimento das populações e das famílias para que determinadas metas no controlo e combate contra o paludismo sejam eficazes. Vale insistir que as comunidades e as famílias devem também fazer a sua parte para melhor se prevenir doenças.

A directora da OMS, na sua curta visita ao nosso país, não deixou de sublinhar a necessidade do engajamento de todos, tendo apelado ao voluntarismo traduzido em várias iniciativas. As campanhas de limpeza, promovidas por muitas organizações da sociedade, os actos públicos de doação de sangue, apenas para mencionar estes, têm o potencial de prevenir dezenas de enfermidades e salvar milhares de vidas humanas. 

No fundo, o essencial deve passar pelo aumento da vigilância epidemiológica, pelo reforço dos cuidados elementares ao nível da casa e da comunidade e a ida aos hospitais e postos de assistência aos primeiros sintomas de qualquer enfermidade. Esta é também a mensagem trazida pela OMS, que deve ser passada e observada pelas famílias para serem bem sucedidas na contenção das enfermidades em causa. Afinal, como é evidente, a maioria dos mosquitos vectores da febre-amarela reproduz-se nos agregados familiares, razão pela qual o empenho a partir de casa é vital. 

Da parte do Executivo há o firme compromisso de empenho e de mobilização de todos os seus parceiros, dentro e fora de Angola, para o êxito no controlo e erradicação das enfermidades. A parceria com a OMS é, neste momento, de suma importância para que possamos acelerar todas as formas para se erradicar a febre-amarela, tal como tinha sucedido no passado.
    
Temos a certeza de que todos estes esforços vão resultar em avanços significativos que o sector conhece, tal como testemunhado pela directora da OMS. O que precisamos, para o sucesso de todos os esforços que fazemos para travar a febre-amarela e atenuar os números do paludismo, é que cada um, pessoa ou instituição, faça a sua parte.

Angola. NUNO DALA ESTÁ QUASE HÁ UM MÊS EM GREVE DE FOME



Segundo a sua irmã, Gertrudes Dala, o activista continua a depender de cadeira de rodas para se movimentar.

Borralho Ndomba*

O activista Nuno Álvaro Dala continua em greve de fome. Completou esta quarta-feira 28 dias sem comer. O investigador e professor universitário está desde o dia 10 de Março a protestar para que as autoridades devolvam os seus bens apreendidos no dia 20 de Junho, bem como a revelação dos resultados dos exames médicos que havia feito.

Gertrudes Dala, irmã do activista que faz parte dos 15+2 jovens condenados de 2 a 8 anos e seis meses de prisão por crimes de actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores, disse que o seu irmão continua a depender da cadeira de rodas para se movimentar.

O activista contou à irmã que os profissionais de saúde do Hospital Prisão de São Paulo têm estado a medir os seus sinais vitais. Segundo Gertrudes Dala, ontem os médicos da unidade prisional aplicaram soro ao activista.

“Já começaram a lhe aplicar soros na veia. Mas isso no meu entender não é suficiente. É necessário que seja transferido para uma clínica para ter boa assistência porque ele não está bem”, solicitou.

Desde que começou com a greve, Nuno Dala só ingere líquidos. Água, soro e chá são os únicos meios de sobrevivência. Em declarações dadas anteriormente ao Rede Angola, o investigador disse que só vai parar o protesto quando reaver os seus pertences.

“Sei que estou a prejudicar a minha saúde. Mas não vou parar sem que cumpram com as minhas exigências. Eles estão a me obrigar a agir assim”, disse o activista ao RA no dia 24 de de Março, data em que completava 14 dias em greve de fome.

Gertrudes Dala contou que ontem, os familiares dos activistas estavam na 14ª Secção dos Crimes Comuns para receberem todos os materiais  apreendidos no dia 20 de Junho do ano passado. Os familiares recusaram-se em recebê-los porque estavam incompletos.

De acordo com a irmã do activista, os parentes dos 15+2 dois só podiam levar bens como livros, mochilas e algumas pastas de bolso.

“Não podíamos levar os materiais informáticos porque estavam sob perícia. E nós decidimos não levar coisas incompletas porque quando nos convocaram, alegaram que teriam nos dados todas as coisas e posto lá a atitude deles foi outra. Só deram livros e as mochilas. Quanto a devolução dos cartões de crédito e os documentos do Nuno não vi nada. Na mochila dele só havia papéis”, explicou.

*Rede Angola – Foto: Ampe Rogério

Angola. S.O.S. FMI OU A OCULTAÇÃO DA INCOMPETÊNCIA DO REGIME



O Ministério das Finanças de Angola justificou hoje o pedido de ajuda externa ao Fundo Monetário Internacional (FMI) com a necessidade de aplicar políticas macroeconómicas e reformas estruturais que diversifiquem a economia e respondam às necessidades financeiras do país.

Em Fevereiro do ano passado, o FMI dizia que não via necessidade de um apoio financeiro a Angola, devido à quebra na cotação do barril do petróleo, mas advertia que, para ultrapassar as dificuldades, seria necessária uma distribuição dos sacrifícios.

Por outras palavras, o FMI dia a todos nós que o Povo deve ficar com os prejuízos e os governantes com os lucros. Nada de novo, portanto.

“Com o objectivo de desenhar políticas macroeconómicas e reformas que restaurem o crescimento económico forte e sustentável, de fortalecer a moldura institucional que suporta as políticas económicas, de lidar com as necessidades da balança de pagamento, e manter um nível adequado de reservas internacionais, o Governo pediu o apoio do FMI para complementar a atempada resposta ao declínio dos preços do petróleo”, lê-se num comunicado do Ministério das Finanças.

A posição de Fevereiro de 2015 foi assumida pelo chefe da missão de assistência técnica do FMI a Angola, Ricardo Velloso, na conclusão de uma semana de reuniões de trabalho com o Executivo angolano, no âmbito da supervisão financeira do país.

O economista brasileiro afirmou que um apoio financeiro do FMI a Angola, como aconteceu depois da crise petrolífera de 2009, não foi abordada. “Angola é um país muito importante para o FMI e, neste momento, o apoio, através deste diálogo e através do nosso programa de assistência técnica, está a ter efeitos muito positivos no país e não vemos, no momento, necessidade de um apoio financeiro”, disse o responsável do FMI.

Pouco mais de uno depois, o que então era verdade passou a ser mentira. Ou falhou o FMI (“através do nosso programa de assistência técnica, está a ter efeitos muito positivos no país e não vemos, no momento, necessidade de um apoio financeiro”) ou, como sempre, as autoridades angolanas estiveram-se nas tintas para as recomendações.

Esta visita decorreu em pleno processo de revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2015, motivado pela forte quebra na cotação internacional do barril de petróleo.

“As nossas impressões são de que Angola vai realmente passar por um ano difícil e é preciso que todos os angolanos contribuam para o ajuste fiscal que está sendo feito. É muito importante para que isso dê certo. O Governo tomou medidas importantes nesse sentido”, assumiu o chefe da missão do FMI. Referindo-se à revisão do OGE, Ricardo Velloso admitiu tratar-se de um documento “duro”, mas “positivo”. “Infelizmente são as medidas necessárias”, apontou.

Conclusão. O diagnóstico até estava certo, mas a medicação revelou-se um fracasso total. Fracasso que tem origem na atávica certeza do regime que, desde 1975, supostamente acreditava que o preço do petróleo nunca desceria e que, por isso, a diversificação da economia era uma tese de gente ignorante.

Nesse mês, Fevereiro de 2015, e a propósito da então nova estimativa do barril de petróleo – utilizada para calcular as receitas fiscais potenciais -, que estava abaixo da cotação internacional (próxima dos 60 dólares por barril), Ricardo Velloso disse tratar-se de uma “medida acertada”, dada a “volatilidade” do mercado.

Garantindo que Angola “tem um futuro brilhante à sua frente”, o chefe desta delegação do FMI apontou a necessidade da “melhoria do clima de negócios” no país e a conclusão dos investimentos nas infra-estruturas do país, para que estes se tornem reprodutivos na economia.

O documento agora revelado pelo Governo não anuncia qual o valor da assistência financeira, centrando-se antes na assunção de um conjunto de repetidos compromissos políticos que passam pelo aumento da transparência das contas públicas, maior diversificação económica e pela promessa de um reforço da aposta nas áreas da agricultura, pescas, minas, educação, serviços financeiros, água, serviços básicos e saúde.

Ou seja, reedita tudo aquilo que há décadas é defendido pelos especialistas, mesmo alguns afectos ao regime, mas que o poder instituído mandou para as calendas, convicto de que era e é dono da verdade.

“O Governo está, assim, empenhado nos objectivos da diversificação económica expostos no Plano Nacional de Desenvolvimento 2013-2017 e considera que a preservação da estabilidade macroeconómica e a implementação de uma agenda de reformas estruturais ambiciosa são elementos essenciais para a estratégia de obtenção destes objectivos”, acrescenta o comunicado divulgado hoje pelo Ministério das Finanças.

Com o título “Angola está empenhada na diversificação económica com o apoio do FMI”, o texto assume que “o Governo está consciente da forte dependência que o sector petrolífero representa para a vulnerabilidade das finanças públicas e para a economia, mais globalmente”, argumentando que os esforços para diversificar a economia começaram “há muitos anos”.

“Os esforços sustentados desde há muitos anos para promover a diversificação económica já resultaram num significativo aumento da contribuição do sector não petrolífero no PIB de 68,1% hoje, comparado com os 40% dos anos 80, mas o petróleo representa ainda mais de 95% das receitas das exportações e 52% da receita fiscal em 2015″, pode ler-se no comunicado.

O documento indica o empenho do Governo em garantir que está comprometido com um conjunto de reformas para reforçar a estabilidade macroeconómica e financeira, bem como a transparência no sector bancário e nas finanças públicas, para além de melhorias na tributação.

“A curto prazo, os nossos esforços de diversificação vão estar focados na agricultura e pescas, minas, educação, serviços financeiros, água, saneamento básico e sectores da saúde”, lê-se no texto governamental, argumentando que “a expansão destes sectores é uma ferramenta importante na melhoria do emprego em todo o país, particularmente nas áreas rurais”.

As discussões deste empréstimo e do apoio institucional às políticas macroeconómicas de Angola deverão começar a ser discutidas nas Reuniões de Primavera, no final da próxima semana, seguidas de mais negociações em Angola: “Estas discussões vão definir claramente o âmbito das medidas políticas necessárias dado os requisitos do Programa de Financiamento Ampliado [Extended Fund Facility, na expressão em inglês], com um foco forte nas reformas estruturais para lidar com as fraquezas institucionais e económicas, mantendo a estabilidade macroeconómica e financeira, libertar o potencial económico do sector privado e reduzir a dependência do sector petrolífero”.

Mais recentemente (Novembro de 2015), o FMI considerou que Angola só vai recuperar dos efeitos da queda do petróleo daqui a dois anos, e mesmo assim aponta riscos a esta previsão, nomeadamente uma nova descida nos preços.

Boas contas fazem todos

“A perspectiva é para uma recuperação que vai começar em 2017, mas há riscos negativos, incluindo uma descida mais acentuada nos preços do petróleo”, considerou Ricardo Velloso, que liderou mais uma missão do FMI a Angola quando, em Agosto de 2015, o país foi avaliado ao abrigo do artigo IV, uma análise anual à economia de cada um dos 188 estados membros do FMI.

Na avaliação, os peritos consideraram que a economia de Angola “foi severamente afectada pelo forte declínio dos preços no ano passado”, mas salientam que “um nível de reservas internacionais confortável permitiu equilibrar as consequências da queda do petróleo de forma mais suave do que em 2008-2009″, quando a recessão mundial fez os preços do petróleo caírem também de forma significativa.

Para além de insistir na diversificação económica (a tal que o regime diz agora estar a fazer “desde há muitos anos) para compensar a forte dependência do país do petróleo, o FMI mostrou a dimensão da crise em Angola, dizendo que “a actividade económica deve abrandar por causa do ajustamento que os sectores industrial, da construção e dos serviços têm de fazer aos cortes no investimento público e no consumo privado, num cenário de forte redução da disponibilidade de moeda estrangeira”.

Isto significa que todos os sectores em Angola são afectados, e a recuperação só pode surgir se as políticas públicas levarem em consideração vários factores ao mesmo tempo, a começar na despesa: “Será crítico trazer a factura com o sector público, medido em percentagem do PIB, para valores mais em linha com a nova realidade das receitas do orçamento”.

A política orçamental, diz o FMI, deve privilegiar a despesa pública de qualidade, mais racional e sistematizada, o que significa que é preciso “avaliar, seleccionar e monitorizar os projectos do programa de investimentos públicos”.

As projecções feitas em Agosto de 2015 apontavam para um crescimento de 3,5% ao ano, quase o dobro daquilo que previa o Governo, e o défice das contas públicas deverá terminar o ano nos 3,5%, comparado com os 6,5% de 2014. O problema, apontava o FMI, é a dívida pública, “que deverá aumentar significativamente para cerca de 57% do PIB, dos quais 14% corresponde a dívida da Sonangol”.

Reavaliar os projectos e dar prioridade aos que “criam potencial de crescimento e reduzem a pobreza” são (ou eram) outras das prioridades, que o FMI considerava que já estavam vertidas no Plano de Desenvolvimento Nacional, mas salientava que ainda é preciso “uma atenção especial à melhoria do ambiente de investimento, infra-estrutura física e desenvolvimento do capital humano”.

Dívida Pública gigantesca

Em Dezembro do ano passado, a agência de notação financeira Moody’s apontava Angola como o país da África subsaariana cuja dívida pública, em dólares, mais aumentou desde o início da descida do preço do petróleo, em meados de 2014.

“Angola, Gana e Zâmbia são os países mais afectados pelo aumento da dívida denominada em moeda estrangeira, que aumentou ainda mais com a emissão de dívida pública nos mercados internacionais”, lia-se num relatório especial sobre o impacto dos preços mais baixos das matérias-primas nas economias africanas.

O documento surgiu menos de um mês depois de Angola ter recorrido aos mercados internacionais para angariar 1,5 mil milhões de dólares a uma taxa de juro de 9,5% ao ano durante dez anos.

O relatório, uma análise aprofundada sobre este sector, com o título original ‘The impact of lower commodity prices on African economies’, salienta que “apesar dos esforços para diversificar as suas economias e acumular ‘folgas orçamentais’, os exportadores de matérias-primas na África subsaariana continuam vulneráveis aos choques de preços”.

A descida dos preços, lembravam os analistas da Moody’s, já atirou a previsão de crescimento do Fundo Monetário Internacional para valores do século passado: “o FMI estima que o crescimento do PIB real da região vá desacelerar para 3,8% este ano (2015), o valor mais baixo desde 1999″.

O impacto, diziam, tem sido “considerável”, de tal forma que esperam que a maioria dos países desta região vá desacelerar ou estagnar o crescimento económico: “O abrandamento teve um impacto desproporcional em países que tinham crescido rapidamente antes do choque dos preços das matérias-primas, nos quais esta aceleração era suportada pelo aumento das exportações”.

É por isso que Angola é repetidamente nomeada como o país mais afectado por ter a economia mais dependente do petróleo, cuja produção e exportação valia mais de 75% das receitas fiscais e representava mais de 95% das exportações do país antes da crise.

A diversificação económica, comummente apontada como a principal solução para cortar com a dependência das receitas petrolíferas, não está a avançar na região como um todo.

“A região é hoje menos diversificada do que era há duas décadas”, e nesta zona “a diversificação das exportações e a complexidade económica é menor nos exportadores de petróleo africanos do que nos seus pares em desenvolvimento na Ásia ou na América Latina”, diziam os analistas da Moody’s.

Assim, não surpreende que o panorama para os próximos meses deva passar por mais descidas de ‘rating’, o que torna ainda mais caro o financiamento de que os países precisam para compensar a quebra das receitas fiscais, como no caso de Angola.

“As degradações do ‘rating’ da Zâmbia, Gana e Moçambique, bem como a perspectiva de evolução negativa para Angola e para a República do Congo, reflectem o enfraquecimento da tendência de crescimento, o alargamento dos défices gémeos [orçamental e de balança comercial] e a crescente incerteza sobre a capacidade dos governos consolidarem as suas finanças públicas”, avaliava a Moody’s.

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GUERRA EM CABINDA SOBE DE INTENSIDADE



A FLEC/FAC, afirma, em comunicado enviado à Redacção do Folha 8, “que o 14° aniversário da paz que a Angola festeja sumptuosamente não se refere ao território de Cabinda”.

“O governo angolano quer fazer acreditar que há paz efectiva em Cabinda, mas realmente a paz não existe em Cabinda, e o presidente angolano José Eduardo dos Santos, impõe injustamente a guerra em Cabinda”, diz a FLEC no comunicado assinado pelo seu porta-voz, Jean-Claude Nzita.

A situação em Cabinda, segundo a FLEC, “permanece muito preocupante e muito tensa desde o início do mês de Fevereiro de 2016”, registando-se “violentos combates e confrontação permanente entre as Forças Armadas Cabindesas (FLEC-FAC) e os militares angolanos (FAA) quase todas as semana e mais de 45 soldados angolanos encontram a morte.”

Alertando que “a situação em Cabinda agrava-se cada vez mais e a população civil vai sofrer uma verdadeira catástrofe”, a FLEC diz que “o governo de Angola continua a manipular e enganar a opinião internacional com uma propaganda enganosa sobre a paz e a cessação das hostilidades em Cabinda.”

“Luanda continua a estender um número crescente do efectivo militar por toda a parte, todas regiões e sobretudo no centro e o norte de Cabinda, nomeadamente: Buco-Zau, Miconje, Inhuca, Dinge e Necuto, Belize, Luadi e Ncutu onde há uma grande e forte concentração dos soldados angolanos. As aldeias são destruídas completamente, o exército angolano multiplica os massacres e as detenções arbitrárias de pessoas inocentes”, acusa a FLEC.

Neste contexto político e militar, “a direcção da FLEC/FAC teme uma guerra generalizada em Cabinda que poderá abraçar a sub região. Alertamos a comunidade internacional, em especial os Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Portugal no sentido de envidar todos os esforços a fim de fazer pressão junto do governo angolano a aceitar sentar-se em redor de uma mesa com os principais responsáveis cabindeses da FLEC para negociar pacificamente a paz definitiva pra território de Cabinda”, conclui a FLEC/FAC.

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O TRISTE ESPETÁCULO DA “DEMOCRACIA SEM DEMOS”



Apoiando-se em Marx, Lacan e Ernesto Laclau, pesquisador grego examina movimento do capitalismo para reduzir política a teatro comandado por medo, consumismo fútil, endividamento e controle social

Yannis Stavrakakis, entrevistado por Julia Goldenberg, em Pagina12 – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho

A cubana Dazra Novak escreve em seu último romance que “a democracia é um bálsamo vencido”; por outro lado Frank Underwood [personagem do seriado House of Cards], quando assume a presidência dos Estados Unidos, sentencia olhando para a câmara que a democracia está supervalorizada. Em extremos opostos, e por leituras contrárias, ambos suspeitam das falsas pretensões desta forma de governo. No mesmo sentido, a partir de uma perspectiva teórica, Yannis Stavrakakis retoma o conceito de “pós-democracia” – que surge na última década na sociologia e na teoria política – para referir-se a um funcionamento superficial dos mecanismos democráticos, acompanhado por uma queda da participação popular e uma forte centralidade do mercado e da mídia. Como indica Stravakakis, no processo pelo qual a política se apropria do Estado e toma a forma de um “estatismo a favor da mercantilização”, isto é, no qual todo o aparato estatal é colocado a serviço do mercado.

Stavrakakis estudou ciência política em Atenas e análise do discurso na Universidade de Essex, na Inglaterra, onde concluiu seu doutorado sob a supervisão de Ernesto Laclau. Trabalhou nas universidades de Essex e Nottingham. Atualmente é professor de análise do discurso político na Universidade Aristóteles, de Tessalônica, na Grécia. Entre suas publicações figuram Lara e o político (Prometeu, 2007) e A esquerda lacaniana (Fundo de Cultura Econômica, 2010). É o principal pesquisador do projeto de investigação Populismus.

Para o cientista grego, a dívida pública e o predomínio das forças do mercado na política transformam as instituições e os laços sociais e substituem a soberania popular pela soberania do mercado.

Você retoma o conceito de “pós-democracia” como categoria de análise vigente. De acordo com essa perspectiva, como é possível reativar os mecanismos democráticos?

O termo “pós-democracia” surge na última década na sociologia e na teoria política para compreender conceitualmente e marcar criticamente as patologias contemporâneas da democracia liberal, sobretudo em relação às condições que o capitalismo tardio estabelece. Nesse tipo de regime, o aspecto formal das instituições democráticas permanece intacto: por exemplo, as eleições se desenvolvem normalmente para a transição de um governo a outro.

Ainda assim, o debate eleitoral transforma-se num espetáculo controlado, manipulado por especialistas e regulado pelos meios de comunicação dominantes, que selecionam os temas a ser tratados. A cidadania fica reduzida a um papel passivo. E quando se tenta realizar uma verdadeira mudança, (como na Grécia, em 2015), os governos se dão conta de que o alcance dos seus movimentos fica muito restrito por instituições supranacionais supostamente independentes (o FMI, o Banco Mundial ou o Banco Central Europeu, por exemplo).

Nesse sentido, a política em tempos pós-democráticos é conduzida pela interação entre os governos eleitos e as instituições de elite, assim como pelos organismos que representam, predominantemente, os interesses mercantis. Esse predomínio das forças do mercado na política não é considerado escandaloso, como foi no passado. Algo que antes devia ser camuflado de alguma forma, agora de nenhuma maneira de esconde. Isso é assumido abertamente e, na verdade, as instituições públicas estão subordinadas a essa dinâmica.

A nova gestão pública, nesse sentido, buscou reformar as instituições – hospitais, universidades etc. – segundo as tendências do setor privado. Por isso, pós-democracia significa “democracia sem demos”, como indicou Jacques Rancière, em que o povo desaparece da cena política – seu papel na tomada de decisões é substituído por uma aristocracia tecnocrática e a soberania popular, pela soberania do mercado.

Em outras palavras, o “povo” é registrado na esfera política como “população”, um conjunto numérico de individualidades a ser administrado e disciplinado biopoliticamente. Quando as resistências emergem, quando as novas subjetividades democráticas e populares se formulam, suas demandas são denunciadas e desacreditadas sob a etiqueta de um “populismo” perigoso e irresponsável. Se a defesa das instituições democráticas e dos interesses populares leva hoje o nome de populismo, então talvez o populismo precise ser assumido e canalizado em direções progressistas.

Pode-se traçar uma delimitação geopolítica de acordo com esses conceitos?

O termo “pós-democracia” foi formulado por Collin Crouch e outros pesquisadores, a partir da experiência europeia. Não há dúvidas, contudo, de que captura uma dinâmica glogal, visível em diversos países e regiões. É por isso que se verifica tal amplitude no uso de “pós-democracia” e “pós-política”. Suficientemente flexíveis desde seu início, esses conceitos são empregados cada vez mais para descrever fenômenos políticos em regiões diversas do mundo, fora do contexto da Europa Ocidental, onde a terminologia se originou.

Ao mesmo tempo, a crise global que começou em 2008 e teve como foco especialmente a Europa revelou – por meio da implementação de certas medidas draconianas de “austeridade” – um novo aprofundamento da orientação pós-democática. Hoje a Europa parece estar diante de um novo desafio. Como se pode avaliar o estabelecimento e a consolidação – por meio da crueldade – de uma sociedade de dívida neoliberal? Isso é sinal de um aprofundamento da pós-democracia, ou antes significa uma passagem para além da pós-democracia? Se for assim em que, exatamente, ela se converteu?

Ainda que não existam respostas conclusivas, as questões estão postas. Para compreender bem nossa situação, é necessário levar em conta que o neoliberalismo alemão não deve ser confundido com o laissez-faire, o resultado de uma ordem natural espontânea (mão invisível do mercado), mas antes, como Foucault destacou, com uma vigilância permanente, atividade e intervenção. Esta intervenção é de natureza particular, muito diferente do Estado de Bem-Estar Social, por exemplo. Seu objetivo – frequentemente com imensa brutalidade – é estabelecer o marco para uma possível economia de mercado que intervém na população e reforma o próprio laço social.

Como alguns comentaristas não assinalaram, este é o estatismo sem Estado, estatismo a favor da mercantilização, acompanhado pela liquidação de toda a regulação do mercado e as relações trabalhistas etc. Também aqui, não é um movimento particular da Europa. Por exemplo, a América Latina está agora se aproximando desse modelo. O Chile é uma amostra, viveu a imposição brutal de um sistema semelhante desde 1970. Estas são dinâmicas globais e só podem ser abordadas em plano global.

Isso significa que esse Estado se reduz à administração da dívida?

Desde a Grécia antiga, a dívida foi um instrumento de dominação e exploração, sempre muito brutal. Não devemos esquecer que o estabelecimento da democracia de Atenas está relacionado ao cancelamento da servidão da dívida, com Solon de Seisachteia. Sabemos também que a dívida funciona para estabelecer e reproduzir relações de dependência colonial.

Em muitas conjunturas históricas, as relações de dívida estruturam o laço social, sobredeterminando os modos particulares de dominação econômica e política. Quando isso acontece – e acontece porque a dívida funciona simultaneamente como força econômica, política e moral – é porque produz e condiciona tipos particulares de subjetividades individuais e coletivas, manipulando a dinâmica psicossocial da culpa, da vergonha e do sadismo. É nesses casos que falamos de “sociedades de dívida”.

Em décadas recentes, por exemplo, o pêndulo entre os dois espíritos do capitalismo típicos da modernidade – o primeiro, espírito weberiano do ascetismo associado a uma “sociedade da proibição”, e o segundo o espírito de consumo, associado a uma “sociedade de desfrute ordenado” – tomou forma marcada por uma dialética entre o estímulo ao crédito e a estigmatização da dívida. No caso da Grécia contemporânea – que não é um caso isolado – vimos como as forças institucionais, por sua vez, promovem todas essas opções.

No princípio, antes da crise, a acumulação da dívida era permitida e inclusive se propagou, no marco do “espírito consumista” do capitalismo; logo, as mesmas instituições elevaram a dívida a níveis patológicos, para que fosse castigada com formas de servidão pós-modernas. Essas lógicas foram aplicadas tanto em nível subjetivo como em nível estatal. Em qualquer caso, a acumulação da dívida, assim como o castigo ao endividamento, constituem momentos contraditórios do mesmo mecanismo, e deixam a construção subjetiva somente a serviço da hierarquia social. Então, quando o laço entre os dois falha, o cancelamento e o perdão da dívida são inclusive chamados a sustentar a ordem social.

Para voltar à Grécia, muitos anos depois da crise a troika também aceitou processos de reestruturação da dívida. Este cancelamento (parcial) da dívida falhou na hora de fazer diferença real na viabilidade, a longo prazo, da dívida ou na situação atual do povo grego. Contudo, as promessas de uma gestão mais sustentável da dívida ainda são usadas como chamariz para o futuro. Esta é a razão pela qual a experiência argentina continua sendo tão importante: porque a reestruturação da dívida não era suporte publicitário ou concessão parcial oferecida em troca da continuidade das relações de dependência. Ao contrário, foi maciça, e foi imposta por um governo democrático-popular afirmando sua independência.

Por que você sustenta que é necessário estudar as políticas desenvolvidas na América do Sul?

Justamente porque essas políticas foram inicialmente introduzidas na América do Sul, as primeiras resistências foram também articuladas nessa região. Assim, o fim da ditadura de Pinochet no Chile, o colapso do Pacto de Punto Fijo na Venezuela e o fracasso do neoliberalismo patrocinado pelo FMI na Argentina confluem numa série de projetos políticos que redirecionaram o equilíbrio do poder para a participação popular no processo de tomada de decisões, facilitando a incorporação socioeconômica dos setores empobrecidos e regulando os efeitos da globalização neoliberal.

Alguns comentaristas qualificaram essa tendência como “progressista”, de “esquerda” ou “populismo inclusivo”, com o objetivo de distinguir seu perfil e suas implicações políticas da extrema direita ou do “populismo excludente”, próprio da experiência europeia.

Minha opinião sobre o assunto é que a maioria dos movimentos de extrema direita nunca foram, estritamente falando, populistas, e não deveriam ser descritos como tais: seu principal ponto de referência é a “nação” – não num sentido anticolonial, mas num sentido étnico, inclusive racista do termo. Seu principal adversário não é o 1% dos ricos mundiais, mas sim o outro étnico: o refugiado, o imigrante etc. De todo modo, a distinção entre a direita, o populismo excludente (o modelo europeu) e a esquerda, o populismo inclusivo (o modelo sul-americano), foi um primeiro passo, importante, no registro do potencial democrático das demandas populares e dos movimentos e partidos que os representam. Interessante também é que a crise econômica europeia e os efeitos de sua gestão neoliberal geraram um deslocamento no sistema partidário tradicional de países como Grécia, Espanha e Portugal, tornando possível a emergência de outros partidos.

Duas situações se apresentam: a primeira, em que países europeus – especialmente os que integram a zona do euro – estão mais limitados em suas opções devido ao avanço da integração transnacional, algo que limita severamente seu poder de negociação e suas chances de desafiar minimamente a hegemonia liberal paneuropeia (por exemplo, a transformação do rotundo NÃO do referendo grego de julho de 2015, num novo memorando de acordo com a troika).

Creio que só uma tendência igualitária que abarcasse grande variedade de países europeus poderia reverter essa situação. Dito de outro modo, unicamente se a Espanha e outros países seguirem a Grécia e Portugal haverá algum tipo de esperança. O segundo desafio é que esses projetos devem refletir sobre as limitações de projetos similares na América do Sul, os quais deviam encarar as recentes derrotas eleitorais, como nos casos da Argentina e da Venezuela.

É possível aprender com seus feitos e também com seus fracassos, mais evidentes no caso venezuelano? Com sua incapacidade de introduzir um modelo econômico sustentável? Com seu fracasso na hora de substituir lideranças carismáticas pela crescente participação das instituições? Com sua dificuldade para cultivar um novo ethos democrático político e tipos de desejo e consumo capazes de reduzir nossa dependência da globalização neoliberal?

Então, seria possível pensar uma saída regional também para a América do Sul?

Este é um enorme desafio para todas as forças que se opõem ao neoliberalismo pos-democrático. Evidentemente, não devemos esquecer que o problema – a falta de coordenação transnacional – sempre esteve presente e é obviamente muito difícil de enfrentá-lo. Do mesmo modo, um “internacionalismo” baseado na ONU tem demonstrado frequentemente ser impotente e o problema da dívida é um bom exemplo disso. De alguma maneira, as forças pós-democráticas institucionais podem mover-se com eficiência entre a orquestração da ação transnacional e, ao mesmo tempo, a manipulação das sensibilidades nacionais, quando for necessário.

A velha estratégia colonialista de “dividir para reinar” é sempre útil. Em contraste, a longa história dos movimentos de resistência demonstrou que é extremamente difícil articular o pensamento e a ação simultânea em plano nacional e internacional. Sem dúvida, algumas medidas tais como a aprovação na ONU do marco legal para os processos de reestruturação da dívida soberana – impulsionada pela Argentina – têm impacto em qualquer parte do mundo.

Que consequências traz a neutralização do antagonismo político próprio da pós-democracia?

A orientação pós-democrática marginaliza o antagonismo político, priorizando uma perspectiva tecnocrática das questões em jogo e fingindo uma falta de alternativa. O mais importante não é seguir as prescrições universais das políticas neoliberais, mas sim desfrutar delas! Sem dúvida, os efeitos secundários deste tipo de políticas – geralmente impostas a  pretexto de reduzir uma dívida artificialmente inflada – incluem desemprego maciço; queda dos salários, das aposentadorias e dos programas sociais; perda de direitos sociais e trabalhistas; uma espiral descendente da mobilidade social; a expulsão dos cidadãos dos processos tomada de decisão. Em seguida, surgem necessariamente a indignação e o protesto. A necessidade de questionar e criticar, junto com a necessidade de limitar a concentração do poder em mãos das elites irresponsáveis.

John Keane falou sobre o que chama de “democracias monitoradas”, que é um uso pragmático dos procedimentos democráticos, baseados numa pressão pública para combater a concentração de um poder inexplicável. Aqui, os mecanismos de representação da sociedade civil combinam-se com formas inovadoras de monitoramento público do exercício do poder e do controle da corrupção.

Sem dúvida, isso não deve confundir nossas práticas democráticas e convertê-las num marco meramente defensivo. Se a democracia está reduzida a uma variedade de monitoramentos e mecanismos de controle, que lidam com um poder visto como ilegítimo, então a “soberania popular”, base da nossa tradição democrática, será perdida para sempre ao invés de ser rejuvenescida. Meu medo é que a última implicação do argumento da “democracia monitorada” poder ser a legitimação indireta de uma teoria elitista, inclusive da volta ao liberalismo oligárquico.

Nisto devemos ser claros: a democracia supõe um autogoverno no nível mais básico: trata-se de uma demanda pela igualdade de direitos e de participação na tomada de decisões que envolve a totalidade dos cidadãos. Sem dúvida, não podemos esperar que os cidadãos estejam sempre alertas, dispostos a dedicar seu tempo e sua energia em debater e decidir sobre todas as coisas. É por isso que os gregos antigos estabeleceram um conjunto de prêmios para a participação e um conjunto de castigos para quem não participava da vida democrática pública.

Sabemos, além disso, por Maquiavel, que uma dificuldade aqui tem a ver com o desejo: em oposição ao desejo dos ricos e poderosos, que é um desejo de “mais e mais”, o desejo do povo, dos marginalizados e oprimidos é um desejo definido negativamente. O povo primeiro deseja “não ser dominado”; certamente deseja não sê-lo de maneira brutal, antidemocrática e pouco digna. É por isso que as lutas populares enfrentam dificuldades no estabelecimento de suas metas e, paradoxalmente, tendem a aceitar os objetivos de seus adversários. Quer dizer, quando um povo previamente empobrecido e excluído recupera, por exemplo, um status de classe média, pode acontecer que chegue a negar sua situação passada e comece a comportar-se de maneira hierárquica, elitista e excludente.

Em outra entrevista você assinalou que os regimes políticos europeus são débeis porque o mercado ocupa um lugar central, mas como nenhuma pessoa pode apaixonar-se pelo mercado, isso fica facilmente debilitado. Sem dúvida, os vaivéns da economia mostram que o mercado também se apaixona.

Se nos concentramos nas regiões que mencionamos, Europa (com sua crise econômica centrada especialmente no sul) e América do Sul, podemos dizer que vivem uma trajetória semelhante, mas com uma disposição distinta das etapas históricas. A Europa, por exemplo, enfrenta uma crise parecida com a que levou a Argentina ao calote. Com o domínio do ordoliberalismo alemão, baseado na chantagem e na extorsão, num “consentimento” forçado, no qual a dívida funciona como o instrumento principal de disciplina subjetiva e coletiva.

Enquanto que na Argentina, logo depois de passar pelo colapso de um sistema construído em torno da dívida e da coerção, e tendo logo reconstruído sua economia e a democracia, atualmente parecem haver esquecido as dificuldades do passado e voltado a abraçar as promessas de um futuro dominado por um consumo neoliberal imaginário. Isso significa que muitos setores na Argentina optaram por um retorno à “normalidade”, uma volta ao capitalismo tardio. Não há nada de extremamente fora do comum em tudo isso. Como sabemos graças a Jacques Lacan, as pessoas desejam o que lhes falta. O objeto que cumpre essa função não é eterno nem fixo, está histórica e culturalmente determinado. O mais importante, também pode mudar da esfera política à esfera privada. Em seu livro Circunstancias cambiantes, Albert Hirschman demonstrou como nossa vida pode seguir um ritmo circular, passando por períodos de uma intensa participação pública inspirada em ideais altruístas, ou por uma despolitização extrema nos períodos em que o interesse individual e a realização pessoal têm prioridade.

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