domingo, 10 de abril de 2016

A FRANÇA LUTA EM NOITES DESPERTAS



Como a ocupação de praças pelos jovens, contra a “reforma” trabalhista, a desigualdade e a desesperança, pode acordar um país acossado por terror, Estado de Emergência e política reduzida a simulacro

Geoffrey Pleyers – Outras Palavras - Tradução: Antonio Martins e Inês Castilho

Há dez dias, desde 31 de março, milhares de pessoas reúnem-se todas as noites na Praça da República, em Paris para compartilhar suas desilusões com a política institucional e para colocar em prática formas de democracia direta em assembleias populares e centenas de pequenos grupos de discussão. Mais de 80 mil pessoas seguiram a assembleia geral online de último domingo, 3/4, e milhares tomaram a praça, em vários dias. A “Nuit Debout” (“Noite Desperta”) tornou-se agora um movimento nacional, com reuniões em 15 cidades francesas, e mesmo algumas tão distantes quanto Bruxelas, Barcelona e Berlim.

A ascensão do movimento na França não é, de forma alguma, casual. Desde fevereiro, foram se reunindo todos os ingredientes para que emergisse um movimento semelhante aos Indignados da Espanha ou ao Occupy norte-americano, em 2011. Em seguida a uma discussão pública em 23 de fevereiro, organizada pela revista ativista de esquerda Fakir, um grupo informal de dezenas de cidadãos imaginou uma ocupação da praça, depois da grande manifestação de 31 de março contra a proposta de reforma trabalhista do governo. Eles difundiram suas iniciativas com sucesso. Desde aquele dia, uma multidão reúne-se toda noite. As pessoas compartilham suas demandas e projetos em assembleias populares, conversam e celebram juntas, e criam “comissões” horizontais para organizar seu movimento, para preparar ação, comunicar, cantar e trabalhar em questões específicas (migrantes, nova economia, nova Constituição…).Partilham seus sonhos de outra sociedade e clamam por uma confluência de lutas.

Contra-reforma trabalhista detonou movimento

Uma frustração latente, mesmo quando compartilhada por milhares de cidadãos, não é suficiente para desencadear uma ampla mobilização. “Somos muito gratos a essa lei por nos despertar de nossa letargia política”. Um detonador é necessário, uma centelha que propicia a oportunidade para uma primeira sequência de mobilizações. O pacote da “reforma” dos direitos trabalhistas apresentado pelo governo francês em fevereiro foi a fagulha perfeita. Tocou fogo na injúria acumulada nos cidadãos e cidadãs progressistas contra as reformas neoliberais conduzidas pelo governo do Partido Socialista. Fixou uma meta comum; abriu um debate na mídia mainstream; facilitou o alastramento da mobilização para além dos círculos do ativismo clássico e promoveu a confluência entre sindicatos, estudantes e redes de cidadãos.

O pacote ambém proporcionou um calendário de mobilizações, com marchas semanais e assembeias gerais em universidades e sindicatos – algo indispensável numa fase em que um movimento nascente não é ainda capaz de fixar sua própria temporalidade e agenda. Um novo ataque aos direitos trabalhistas era tudo de que os ativistas precisavam para iniciar um movimento vibrante. Eles nunca se esquecem de agradecer ao governo por esta proposta de “reforma”. Como disse Frédéric Lordon – um economista da esquerda radical e um dos iniciadores da “Noite Desperta” – em seu discurso no início do movimento, em 31 de março: “somos gratos a esta lei, por nos acordar de nossa letargia política”. [Nota de Outras Palavras: vale ler, em especial, seu ensaio sobre a necessidade de a esquerda pensar uma Europa sem euro].

Da oposição à contra-reforma à construção de outra sociedade

O que distingue um movimento social de todas as demais formas de mobilização é o fato de que ele não se foca numa reivindicação específica (como a contra-reforma trabalhista), mas desafia alguns dos valores centrais de uma sociedade. Desde seu primeiro chamado, para protestos em 9 de março, o foco das coalizões estudantis foi mais amplo que o combate à contra-reforma trabalhista. Jovens entrevistados durante as marchas de protesto expressaram seu desapontamento com “um governo que finge ser de esquerda mas é o contrário”. Como no movimento dos Indignados (15M) na Espanha, ou no Occupy norte-amricano, estuantes do ensino superior e médio denunciam a articulação entre as elites econômicas, políticas e a mídia. Intelectuais franceses progressistas já demonstraram que a “reforma” proposta pelo governo não está relacionada à alardeada criação de novos empregos, mas ao crescimento ainda maior do poder do “1%” francês. Um número crescente de membros do Partido Socialista e de deputados denuncia abertamente os excessos neoliberais do presidente François Hollande e de seu governo.

Sem alternativas na politica institucional

A falta de alternativas entre os partidos estabelece um panorama muito favorável para a ascensão de um movimento do tipo Indignados/Occupy. A esquerda francesa tem denunciado a série de contra-reformas neoliberais conduzidas pelo governo do Partido Socialista. O ataque aos direitos trabalhistas é apenas mais um epiódio, da sequência que incluiu um vasto conjunto de leis propostas pelo ministro social-liberal da Economia, Emmanuel Macrom, e o longo debate sobre a exclusão da nacionalidade francesa, para os cidadãos binacionais associados a ataques terroristas. Há cinco anos, foi exatamente esta falta de uma alternativa política entre os socialistas e o Partido Popular, de dirita, que levou milhares de pessoas a ocupar a Plaza del Sol, em Madrid, e as praças de cada cidade na Espanha. Denunciava-se uma “democracia sem escolha”.

O cenário francês parace ainda mais sombrio, porque dispustas e rachas internos também estão devastando o Partido Verde e a Frente de Esquerda. A Frente Nacional, de Marine Le Pen, nacionalista e xenófoba, procura apresentar-se com a única alternativa. Denuncia o Partido Socialista e Os Republicanos (a direita convencional), como falsos oponentes, e parte de um mesmo jogo. Esta atitude repercutiu bastante entre os eleitores e tornou o partido o favorito, entre os mais jovens.

Neste cenário, ocupar uma praça e propor mudar a política a partir de baixo é a única opção que resta aos cidadãos progressitas desapontados. Questionar a centralidade da democracia representativa e dar poder aos cidadãos, nas decisões locais, é, na verdade, o principal objetivo das “Noites Despertas”. Os cidadãos nas ruas mantêm distância de todos os partidos políticos, denunciam fortemente a “traição” do Partido Socialista e se opõem de maneira decidida à Frente Nacional, em especial ao dar as boas-vindas aos imigrantes e refugiados que chegam ao movimento.

Juventude sem futuro?

Embora com diferenças, em relação à Península Ibérica em 2011, a situação econômica e o desemprego são realidades duras para muitos jovens na França de hoje. Em 2012, quando se elegeu, Fançois Holande anunciou que a “juventude” seria uma prioridade em seu mandato. Desde então, os jovens têm se sentido abandonados, pouco ouvidos e atacados pelo governo. A “geração precária” é a primeira vítima da flexibilização do mercado de trabalho e da crescente concentração de riquezas.

Em 31 de março, o “France Stratégie”, um thinktank adjunto ao gabinete do primeiro-ministro, publicou um relatório que confirma esta impressão: 23,3% das pessoas entre 18 e 24 anos vivem em condição de pobreza (eram 17,6%, em 2002); 23,4% dos que têm entre 15 e 24 anos estão desempregados. Como destacou o Le Monde, “Pobreza, desembrego e padrões de vida: a situação dos jovens degradou-se, comparada com a de outros grupos etários“.

O que ultraja os jovens, mais ainda que suas condições de vida atuais, é o sentimento de que estão sendo “privados de seu futuro”. Eles expressam este sentimento na Praça da República e nas redes sociais. “O governo quer que acreditemos que não temos escolha, a não ser um futuro precário. É o que rejeitamos”. Ressoa como um eco claro da situação na Espanha e Portugal em 2011, onde as redes chamadas “Jovens sem futuro” estiveram entre os principais iniciadores e protagonistas das mobilizações de 2011. Cinco anos depois, na França, a reivindicação dos jovens por construir seu futuro está novamente em jogo. Como sintetizou alguém de nome Florence, num tweet, “Precisamos pensar a sociedade de amanhã com humanismo, liberdade, igualdade, fraternidade”. Nas “Noites Despertas” da França, assim com nos movimentos pós-2011, os jovens estão se construindo como indivíduos, como geração e como cidadãos que exigemmuito mais democracia e um mundo mais justo.

As infraestruturas da mobilização: redes e calendário escolar

Se o ultraje e o desejo de um mundo diferente estão no núcleo dos movimentos sociais, o início de uma mobilização também depende de “infra-estruturas” que facilitem sua emergência e duração. Também em relação a isso, todos os sinais estão verdes para uma vibrante primavera francesa.

O governo francês não poderia ter escolhido uma ocasião melhor para lançar sua proposta para uma “reforma” dos direitos trabalhistas. O final de fevereiro e início de março são o melhor período para iniciar uma mobilização de estudantes. Como é o inicio do segundo semestre docalendário escolar anual [que vai de fevereiro a junho], as redes pessoais e de ativismo já estão bem constituídas e os exames finais ainda estão distantes: sobram tempo e energia para a articulação e o protesto. O Maio de 1968, em Paris, bem como as grandes manifestações estudantis de 2006 começaram por volta deste período – e o mesmo, aliás, ocorreu com o movimento dos Indignados, na Espanha, em 2011.

A emergência de um movimento nunca é tão espontânea como frequentemente parece, na mídia mainstream. A mobilização em torno da Cúpula do Clima, da ONU [em dezembro de 2015]; pequenas mobilizações contra a decretação do Estado de Emergência [pós-atentados em Paris] e a violência policial na França; e diversas batalhas ecológicas que se espalharam pelo país permitiram aos ativistas construir conexões e acumular experiência.

O grupo de ativistas que propôs e preparou o encontro na Praça da República, após o protesto de 31 de Março, jogou um papel-chave como “empreendedores de mobilização”, providenciando o espaço no qual o movimento pode florescer. A organização de sociedade civil “Droit Au Logement” (“Direito à Habitação”) já havia recebido autorização para instalar algumas barracas na praça, para protestar contra despejos e tinha condições de oferecer apoio logístico e alguns conselhos úteis para ativistas menos experientes que chegaram à praça.

Um movimento diferente?

As “Noites Despertas” seriam, então, apenas um retorno de movimentos como o dos Indignados e o Occupy? As “Noites Despertas” emprestam seus códigos, muito de seua visaão de mundo e desejo de democracia participativa. O movimento de 2016, porém, ainda precisa encontrar seus próprios caminhos, tanto porque o contexto político é diferentes do de cindo anos atrás quanto porque deve levar em conta o que ocorrer com seus predecessores durante e após as ocupações de praças

O entusiasmo generalizado por movimentos democráticos, que marcou o início dos anos 2010, parece distante. O clima político é agora muit mais solene, marcado por terror, Estado de Emergência, sucesso dos partidos de extrema direita e expansão de seus valores. A Praça da República carrega a memória dos ataques terroristas de 13 de novembro. Está a poucas quadras do Bataclan e da maior parte dos bares atacados naquela noite.
Na França e na Europa a guerra contra o terrorismo está no topo das agendas políticas. A Frente Nacional, de extrema direita, seduz mais de 25% dos eleitores e atrai muitos jovens. O Estado de Emergência não reprime apenas potenciais terroristas. Ativistas ambientais foram presos em suas casas, em Dezembro. Muçulmanos e jovens são frequentemente espancados pela polícia e manifestações estudantis recentes foram violentamente reprimidas. A “Noite Desperta” é uma resposta a este ambiente. Ela permite que os cidadãos manifestam seu apoio a uma Europa aberta, defendam as demandas de migrantes e refugiandos e os saúdem diretamente na praça.

Por outro lado, assim como a ocupação de praças pelos Indignados espanhóis e pelos movimentos Occupy está no DNA das “Noites Despertas”, também estão os limites e os desfechos destes movimentos anteriores. O projeto das “Noites Despertas” baseia-se nesta herança, mas precisa também reinventar o movimento e suas práticas, para tentar escapar de alguns destes limites.

Desde 2011, as demandas de horizontalidade e o desejo de criar formas de democracia participativa fora dos marcos da política institucional confrontou os atores, movimentos e praças com os limites de movimentos estruturados de maneira débil e com resultados menos claros do que gostariam muitos ativistas. Será possível “mudar o mundo sem tomar o poder”, abraçando o ativismo, a horizontalidade e as iniciativas cidadãs, ou deve-se “ocupar o Estado” e entrar no jogo eleitoral para construir uma sociedade democrática?

Em 2011, os Indiganos espanhóis e os ativistas do Occupay rejeitram claramente a segunda hipótese. Desde então, diversos atores dos movimentos de 2011 decidiram cruzar a ponte e participar da arena institucional. Alguns alimentaram o sucesso do novo líder do Partido Trabalhista da Grã-Bretanha, Jeremy Corbyn, e a vibrante campanha de Bernie Sanderes à presidência dos EUA. Na Espanha, o novo partido Podemos mostra que os movimentos populares podem criar novas realidades políticas – mas, ao passar do ultraje à política partidária, Pablo Iglesias e seus colegas contrariaram alguns de seus valores originários, como a rejeição de líderes, a primazia da dinâmica cidadã e a recusa a aceitar mutas das regras da política partidária e do “jogo” eleitoral.

No contexto internacional, depois de alguns anos marcados por esperanças de mais democracia, justiça social e dignidade, baseando-se particularmente na cultura e práticas horizontais, estes movimentos vivem hoje sob o poder sem disfarces das elites políticas e econômicas. Em países como Turquia e Egito, os atores das “revoluções” das praças são agora vítimas de repressão violenta.

As “Noites Despertas”, que começaram em Paaris, em 31 de Março, podem tirar proveito da experiência dos movimentos e ocupações de praças que sacudiram o mundo desde 2011. Precisam, porém, inventar seu caminho, a partir do sucesso e limites das experiências anteriores. Não é possível antecipar o futuro de tal mobilização, mas reunir milhares de cidadãos, de distintas gerações, para reafirmar que “outro mundo é possível”; recepcionar migrantes e refugiados; estabelecer trabalho coletivo, em torno de projetos alternativos baseados em democracia cidadão, mais justiça social e dignidade – tudo isso representa um êxito considerável, num contexto fortemente marcado pela regressão social e o ambiente depressor do Estado de Emergência.

Brasil. VAZAMENTOS SELETIVOS: O CONLUIO ENTRE MÍDIA E LAVA JATO




As digitais que provam o conluio podem ser encontras na eleição de 2014; na construção do impeachment em 2015; e na armação do golpe, neste 2016.

Tatiana Carlotti – Carta Maior

Dividida em 27 fases e uma série de ações paralelas, a Operação Lava Jato vem pautando a agenda nacional há mais de dois anos. Uma breve análise dos vazamentos seletivos da Operação em consonância à agenda das oligarquias midiática e econômica do país levantam evidências quanto à sua motivação política.

Nesta quinta-feira, 7 de abril, mais um exemplo confirma a regra. Um dia após a apresentação do relatório favorável ao acolhimento do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, os jornais repercutiram a delação premiada de Otávio Mesquita de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, realizada dois meses atrás (G1, 07.04.2016).

Incensam, desta forma, a impressão generalizada de corrupção, omitindo o fato da Andrade Gutierrez ter sido uma das maiores doadoras do PSDB nas eleições de 2014: do total de R$ 62,2 milhões doados a partidos políticos, os tucanos receberam da construtora R$ 24,1 milhões (UOL,11.03.2016).

O conluio entre a Lava Jato e as empresas de comunicação do país, à frente do golpe, é matéria de sólidas críticas de juristas em todo o país (leiam mais). As digitais desse conluio podem ser encontradas em cada um dos momentos cruciais dos últimos anos: na eleição de 2014; na construção do impeachment em 2015; e na armação do golpe, neste 2016. 

Voltemos às origens:

Operação Urnas

Quando a Lava-Jato veio à público, a compra da refinaria de Pasadena era pivô do bombardeio do noticiário político. Em 13 de março de 2014, a Polícia Federal abria um inquérito contra a Petrobras, municiando a oposição já no começo do ano eleitoral (OESP, 13.03.2014). Em 17 de março, surgia a Operação Lava-Jato, prendendo o doleiro Alberto Youssef, durante a investigação sobre um esquema de lavagem de dinheiro que utilizava postos de gasolina e lavanderia.

Sete dias depois, em 20 de março, Paulo Roberto da Costa, ex-diretor da Petrobras, era detido “provisoriamente” por ter ganho uma Land Rover de Youssef. O timing foi preciso: Costa, apontavam os jornais, estava sendo investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sobre Pasadena (OESP, 20.03.2014).

O fato é que em menos de uma semana, a agenda eleitoral estava posta. A oposição e o senador Aécio Neves podiam bradar, à vontade, o pedido de criação de uma CPI contra o governo que tentariam derrubar naquele ano (FSP, 20.03.2014). Na Folha, inclusive, uma sinalização do que seria a mídia em 2014: sem citar nenhuma fonte, o jornalão da família Frias estampava em 20 de março, a manchete “Executivos refutam explicação de Dilma no caso da Petrobras” (leiam aqui).

Completando o rol dos interesses envolvidos - leia-se Petrobras, uma das mais cobiçadas empresas do mundo - no dia 25 de março, a agência de risco Standard & Poor's (S&P) rebaixava a nota da estatal brasileira, alegando sua “ligação extremamente forte com o governo federal” (FSP, 25.03.2016).

Com Youssef e Costa atrás das grades, a Lava-Jato entrava no jogo político, com um farto material em mãos. Uma breve passada pelo iconográfico de O Globo mostra que a dupla, entre março e outubro, foi o centro das seis fases da Operação. O modus operandi permanece inalterado: turbina-se a mídia partidária, com vazamentos seletivos e condenações prévias, criando a narrativa e as condições favoráveis na sociedade para o avanço da oposição.

Vazamentos seletivos

Em 5 de abril, a PF vazava à imprensa uma relação de empresas que haviam feito depósitos para a MO Consultoria (controlada por Youssef) ligadas às obras da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco (FSP, 05.04.2016). Dois dias depois, a Folha estampava a manchete: “Empresa investigada pela polícia doou R$ 4,5 milhões ao PT” (FSP, 08.04.2016).

Dois dias antes, pesquisa Datafolha apontava que 78% dos brasileiros acreditavam que havia corrupção na Petrobras. A pesquisa também registrava queda de seis pontos nas intenções de voto em Dilma Rousseff que contava com com 38% ante 15% de Aécio Neves (FSP. 06.04.2014).

Em 11 de abril, a Lava Jato ganhou destaque em todos os noticiários do país (JN, 11.04.2014). Com 16 mandatos de busca e apreensão, a PF entrava na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, saindo com caixas e caixas de documentos. No mesmo dia, outro vazamento: uma planilha de Costa, com o nome manuscrito de empresas, apresentadas pela mídia segundo a ótica da PF, a de que estariam envolvidas com pagamentos a políticos (FSP, 11.04.2014).

Vale destacar que a versão dos investigadores da Lava Jato, desde o início da Operação, tornou suspeitas verdades efetivas, e permaneceu incorporada na fala e escrita dos jornalistas da mídia. Um bom exemplo é a explicação dada aos internautas, um mês após a eclosão da Operação, por um jornalista na TV Folha:

“É o velho e bom caixa 2 dos partidos, obtido ali, segundo a PF, como parte de contratos da Petrobras. As empreiteiras contratadas pela Petrobras, repassavam esses recursos por empresas de consultorias fantasmas, que na verdade não existiam, e esse dinheiro chegava finalmente a partidos ali como PP, PT e também tem suspeita do PMDB (...) A comparação que eu mais ouço entre os policiais é que o mensalão é um escândalo de pequenas proporções quando comparado ao da Lava-Jato” (TV Folha, 13.04.2014, 20h).

Fechada a narrativa, instalou-se uma verdadeira caça às bruxas: parlamentares, candidatos e empresários que tiveram qualquer contato com pessoas ou empresas relacionadas a Youssef ou Costa foram parar nas páginas dos jornais. O uso eleitoreiro das informações, seletivamente vazadas, foi gritante. Um exemplo foi a investida com a finalidade de comprometer a candidatura de Alexandre Padilha (PT) ao governo de São Paulo, por conta de uma tentativa frustrada de um laboratório ligado a Yousseff de firmar um contrato com o Ministério da Saúde. Um contrato que, devido ao próprio o rigor da seleção do Ministério, jamais chegou a ser firmado (FSP, 11.04.2014).

Abusos denunciados

Antes que renunciassem ao direito de defesa em troca de penas mais brandas, Youssef e Costa denunciaram vários abusos. Em 10 de abril, por exemplo, o doleiro apontava a existência de escutas telefônicas em sua cela (FSP, 10.04.2014). No mesmo dia, a PF pedia a sua transferência, e a de Carlos Habib, para um abrigo de segurança máxima. (FSP. 10.04.2014). Costa, por sua vez, teve dois pedidos de habeas corpus negado e chegou a denunciar uma ameaça, por parte de um agente da PF, de ser levado a prisão de segurança máxima (FSP, 14.04.2014).

Ele chegou a ser solto em 19 de maio, por ordem do ministro Teori Zavascki (STF), que determinava sigilo sobre os autos envolvendo o ex-diretor da Petrobras. Três dias depois, o Estadão divulgava uma reportagem que o apontava como elo central nas investigações, com base em um oficio enviado ao juiz Moro, por um delegado da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros em Brasília: “PF liga Pasadena a suspeita de lavagem e vê ´organização criminosa´ na Petrobras” (OESP, 22.05.2014).

Em 10 de junho, durante um depoimento à CPI da Petrobras no Senado, boicotada pela oposição desde o seu início, Costa repudiou a tese de que Petrobras era uma organização criminosa, também afirmou ter sido “massacrado” durante os 59 dias em que ficou preso (G1, 10.06.2014). Em menos de 24 horas, a Operação Lava-Jato estreava sua quarta fase: prendia, novamente, o ex-diretor da Petrobras (O Globo, 11.06.2014).

Em meio à Copa do Mundo, a Lava Jato prendeu dois funcionários que gerenciavam contas no exterior de Youssef, levando o doleiro, em 10 de agosto, a acenar com a possibilidade de acordo de delação premiada. Faltava apenas um acordo com o ex-diretor da Petrobras: outra fase foi aberta, realizando 11 mandatos de busca e apreensão e um de condução coercitiva em empresas vinculadas a Costa e a seus familiares.

No mesmo dia, o ex-diretor da Petrobras aceitava a delação premiada, abdicando do seu direito de defesa em troca de uma tornozeleira eletrônica e prisão domiciliar no Rio de Janeiro (FSP,22.08.2014).

Delações premiadas

No final de agosto, em meio à comoção da morte de Eduardo Campos, as pesquisas Datafolha, Ibope e CNT-MDA anunciavam o empate entre Marina Silva e Dilma Rousseff nas intenções de voto (Último Segundo, 29.08.2014). No dia 5 de setembro, novos vazamentos garantiram à Folha a manchete: “Empresa que ajudou a pagar avião de Campos fez negócio com doleiro” (FSP,05.09.2014).

É importante destacar o papel central das delações de Costa (um mês antes do primeiro turno) e Youssef (na semana do segundo turno). O vazamento de ambas foi seletivamente trabalhado de acordo com o timing da disputa eleitoral.

Em 5 de setembro, a VEJA publicava uma reportagem citando nomes de vários políticos (Veja,05.09.2014). A reportagem tornou-se fonte de uma série de manchetes. Sem citar nomes, O Globo destacava que a denúncia atingia pelo menos 25 políticos, vinculados a cinco partidos (PT, PMDB, PP, PR e PTB), “a maioria parlamentares federais em campanha pela reeleição” (O GLOBO,6.09.2014).

Na Folha, uma correção: “a lista de políticos tinha um total de 12 senadores e 49 deputados federais” e a informação: “O jornal [Folha] não teve acesso ao documento que cita os nomes dos parlamentares” (FSP, 06.09.2014). Já o Estadão foi direto ao ponto: “32 deputados e senadores, um governador de cinco partidos políticos, incluindo do PT e PMDB” (OESP, 05.09.2014).

Em nenhuma das reportagens, o questionamento sobre a veracidade das informações, tampouco o contexto em que foram obtidas. Com caráter de verdade, as delações premiadas municiaram a oposição, consolidando na opinião pública a narrativa de uma corrupção sistêmica na estatal.

Rumo ao primeiro turno

As críticas em relação aos vazamentos da delação de Costa não tardaram, aliás, elas estão presentes desde o início da Operação. Frente a elas, em 8 de setembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reuniu-se com a força tarefa da Lava Jato para discutir como prosseguir com as investigações. O que aconteceu às vésperas do segundo-turno é testemunha da qualidade do encontro (FSP, 08.09.2014).

Enquanto isso, a oposição inflava a onda da criminalização do PT. Vinte dias antes do primeiro turno, o grão-tucano Fernando Henrique Cardoso, em profunda crise de amnésia quanto à corrupção dentro do seu governo (relembrem aqui), afirmava que casos de corrupção no governo PT tinham sido 'quase uma regra' (FSP, 15.09.2014).

Quinze dias antes das eleições, o conluio mídia - Lava Jato selecionava novos trechos da delação de Costa. Os vazamentos, agora, estampavam os nomes de Renato Duque e Nestor Cerveró, os ex-diretores da Petrobras. Na Folha, a manchete: “Delator liga 2 ex-diretores a corrupção da Petrobras” (FSP, 20.09.2016). No Estadão, “Em delação, Costa cita diretor da Petrobrás ligado ao PT (OESP,21.09.2014).

Em vários veículos de comunicação, as reportagens relativas à Lava Jato permaneceram locadas em cadernos e especiais “Eleições 2014”. Na Folha, por exemplo, sete dias antes do pleito, no caderno “Eleições”, publicava-se a reportagem “PF investiga ligação entre tesoureiro do PT e doleiro preso”, resultado de informações da PF após a abertura de uma nova frente da Lava Jato, destinada a apurar a ligação entre Youssef e fundos de pensão (FSP, 28.09.2014).

Ao mesmo tempo, no dia 29 de setembro, a VEJA centrava munição, com novos vazamentos da delação de Costa, na reportagem intitulada “O núcleo atômico da delação: Paulo Roberto Costa diz à Polícia Federal que em 2010 a campanha de Dilma Rousseff pediu dinheiro ao esquema de corrupção da Petrobras". Ao analisar a matéria, o jornalista Ricardo Kotscho apontava que a reportagem não informava sequer se havia “provas deste pedido e se a verba foi ou não entregue à campanha de Dilma” (leia mais).

Ás vésperas e no dia da eleição, o Estadão e a Folha emplacavam em suas páginas, a próxima delação: a de Alberto Youssef.

O tudo ou nada do segundo turno

Dez dias antes do segundo turno eleitoral, o depoimento de Costa circulava nas redes (G1,09.10.2014). O Datafolha incensava a vitória a Aécio Neves, com 51% das intenções de voto, ante 49% de Dilma Roussef (FSP, 15.10.2014). A Lava Jato fervilhava no centro de todos os debates eleitorais.

No primeiro deles, após o segundo turno, Aécio dizia ser “absolutamente inacreditável” o que ocorria na Petrobras. A resposta de Dilma foi categórica: “aonde estão todos os envolvidos no caso da compra de reeleição? Todos soltos. O que eu não quero é isso, candidato. Eu quero todos aqueles culpados presos” (FSP, 15.10.2014).

No dia seguinte, da mesma delação de Costa, a notícia de que Guerra havia cobrado R$ 10 milhões para abafar uma CPI em 2009 e abastecer dinheiro das campanhas tucanas (OESP, 16.10.2014 e FSP, 16.10.2014). Na mesma semana, frente à ameaça de vitória de Aécio, artistas e intelectuais se mobilizaram em apoio à candidatura Dilma, no Ato da PUC (OEscrevinhador, 20.10.2014).

Naquela semana eleitoral, na terça-feira, 21 de outubro, Alberto Youssef começou sua série de delações à Lava Jato. Em menos de 48 horas do início dos depoimentos e a 72 horas das eleições, a VEJA publicou a reportagem “Eles sabiam de tudo”, com Dilma e Lula na capa, atribuindo a afirmação da manchete ao doleiro. No dia seguinte, o advogado de Youssef, Antônio Figueiredo Basto, afirmava: “Eu nunca ouvi nada que confirmasse isso. Não conheço esse depoimento, não conheço o teor dele. Estou surpreso” (O Globo, 23.10.2014).

Sem qualquer checagem, o conteúdo divulgado pelo semanário da família Civita ganhou a manchete da Folha, no sábado, véspera da eleição: “Doleiro acusa Lula e Dilma que fala em terror eleitoral” (FSP, 25.10.2014). Vencidas as eleições, a tentativa de VEJA de interferir no resultado veio à tona.

Criou-se uma nuvem de fumaça. O Globo afirmava que um dos advogados de Youssef havia solicitado a retificação no depoimento do doleiro, ele havia dito que “pela dimensão do caso, não teria como Lula e Dilma não saberem” (O Globo, 28.10.2014). Dois dias depois, Basto negava o conhecimento tanto do teor da delação, quanto da retificação anunciada em O Globo. (CC,30.10.2014).

O fato é que após a vitória de Dilma Rousseff com 51,64% dos votos, abria-se novo capítulo na Lava Jato. Quinze dias depois, eram presos o ex-diretor da Petrobras e 17 executivos das maiores empreiteiras no país.

A reportagem continua...

Créditos da foto: Reprodução

AS VÍTIMAS DAS OFFSHORES




Vídeo com pouco mais de quatro minutos publicado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ na sigla em inglês) mostra as ligações escuras e escusas entre o poder político e a utilização de capitais sediados em paraísos fiscais.

“Ao longo dos últimos três anos a Força Aérea Síria levou à morte a mais de 21 mil civis”, começa por narrar o vídeo. As bombas caíram sobre casas, lojas, empresas, nem mesmo os hospitais escaparam ilesos. Crimes de guerra que foram bem documentados pela comunicação social de todo o mundo.

Menos bem documentado é o mundo das finanças nos paraísos fiscais. “Por trás das cortinas, por baixo das mesas, as empresas usam as offshores para financiar a venda de combustíveis à Força Aérea Síria. E em 2014 foram muitos os governos, entre eles os do Reino Unido e dos EUA que proibiram as relações com essas empresas”. Mas agora, com o rebentar do escândalo dos Panama Papers ficou a saber-se que as coisas não são bem assim. A Mossack Fonseca permitiu que as empresas continuassem a realizar as suas operações e sem que os ataques na Síria parassem.

A empresa panamiana tem um papel central num amplo sector secreto que os mais ricos do mundo usam para esconder bens e desempenhar papéis criando empresas de fachada em jurisdições distantes.

Agora a investigação levada a cabo revelou “uma preocupante lista de clientes envolvidos em casos de corrupção, negócios de armas, evasão fiscal, fraude financeira e tráfico de drogas”.

As “verdadeiras vítimas”

Mas por trás do rasto de papel seguido pelos jornalistas que, aos poucos, vão revelando o caso “há verdadeiras vítimas”.

“Na Rússia, homens de negócios raptavam meninas órfãs, algumas com apenas 13 anos, violavam-nas e depois vendiam-nas como escravas sexuais”, denuncia a reportagem do ICIJ.

“Depois destas violações sentia todo o meu corpo a doer e passei a ter medo dos homens”, revela, sob anonimato, uma das raparigas. “Quando fui levada para uma casa de acolhimento não conseguia deixar de pensar que o meu pai adoptivo me iria violar se alguma vez me deixassem sozinha com ele.” Um dos alegados líderes destes traficantes de escravas sexuais era cliente da Mossack Fonseca. “A empresa, quando descobriu que o seu cliente era um pedófilo, não se sentiu obrigada a divulgar as actividades financeiras do seu cliente às autoridades”, denuncia o ICIJ no vídeo que tem feito eco um pouco por todo o mundo.

Outro caso. No Uganda uma empresa que quis vender um campo de prospecção de petróleo pagou à Mossack Fonseca para que esta a ajudar a evitar o pagamento de 400 milhões de dólares em impostos. “Nada mais simples. O endereço dessa companhia teve apenas de mudar de um paraíso fiscal para outro. Num país onde cerca de um terço da população vive com menos de 1,25 dólares por dia, 400 milhões de dólares significam parte significativa do orçamento anual”. O Governo do Uganda passou diversos anos em tribunal. O objectivo era tentar obrigar a empresa a pagar os impostos sobre a venda. 

“Entretanto, os hospitais perto do campo petrolífero não tinham fundos financeiros até para os equipamentos mais básicos, os pacientes dormiam no chão e era-lhes pedido para trazerem os seus próprios medicamentos, luvas esterilizadas e, até, algodão”.

“Tudo isto foi uma surpresa para mim, porque esperava que esse tipo de equipamentos estivesse no centro de saúde”, conta uma mulher que tinha estado internada naquela unidade de saúde numa entrevista ao ICIJ. “Muitas mulheres acabaram por perder as suas vidas ou a dos seus bebés”, denuncia.


Cabo Verde. "Elevadíssima abstenção" é desafio para a classe política - PAICV



A presidente do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), que saiu derrotado das legislativas, disse hoje que a "elevadíssima abstenção" nas eleições de março representa um desafio para toda a classe política.

O Conselho Nacional do PAICV está reunido este fim de semana, na capital cabo-verdiana, para analisar os resultados das eleições legislativas de 20 de março, que retiraram o partido do poder após 15 anos de maiorias absolutas.

O Movimento para a Democracia (MpD), desde 2001 na oposição, ganhou as eleições com maioria absoluta, conquistando 40 dos 72 lugares no parlamento.

No final do primeiro dia de reunião dos 92 conselheiros, Janira Hoppfer Almada disse aos jornalistas que a reflexão se centrou na votação conseguida pelo PAICV, mas também "na elevada, elevadíssima abstenção", que atingiu os 34,2%.

Para Janira Hoppfer Almada, o facto de 118 mil cabo-verdianos não terem votado "deve interpelar a classe política".

"Porque é que 118 mil cabo-verdianos não se reviram em nenhuma das propostas e se não identificaram com nenhum partido? É um grande desafio para a classe política", considerou.

Segundo a líder do PAICV, é preciso assumir esse desafio "para iniciar uma nova fase de maior proximidade e de grande diálogo com o eleitorado e com a sociedade" para haja menos abstenção e mais participação cívica.

"Para que todos se possam identificar com alguma proposta, alguma força política e, desta forma, poderem também, através do seu voto, ajudar na definição do futuro do país", enfatizou.

Sobre os resultados do PAICV nas legislativas de 20 de março, assinalou que, apesar da derrota, 86 mil cabo-verdianos acreditaram no projeto do partido e valorizaram as ideias que foram apresentadas.

No seu entender, é necessário, por isso, assumir a oposição com dignidade e responsabilidade.

"Enquanto líder do PAICV farei de tudo para que sejamos uma oposição construtiva, mas sobretudo uma oposição que coloque Cabo Verde em primeiro lugar", disse.

"Não pretendo liderar uma oposição que tenha por missão vetar as propostas da maioria. Queremos criar as condições para que todas as promessas ou compromissos sejam efetivamente realizados", acrescentou.

A responsável garantiu ainda que o PAICV estará no parlamento para fiscalizar o cumprimento dos compromissos assumidos pelo futuro primeiro-ministro, "alguns dos quais terão necessariamente que começar a respetiva implementação ainda no ano de 2016".

Sobre as causas da derrota nas eleições, admitiu que nestes "últimos cinco anos" o governo do PAICV "talvez não tenha conseguido satisfazer muitas expectativas dos cabo-verdianos", mas considerou que o partido está concentrado "na construção dos caminhos do futuro".

Ainda durante a reunião do fim de semana, os conselheiros nacionais do PAICV deverão analisar a organização das eleições autárquicas que deverão acontecer no segundo semestre de 2016.

CFF // ROC - Lusa

Encontro de empresários portugueses em Bissau foi um dos mais concorridos da AICEP



A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) realizou hoje em Bissau um dos encontros de empresários portugueses mais concorridos de sempre de entre os que já promoveu em países lusófonos.

Com quase 100 pessoas, esta "foi talvez a participação mais elevada de empresários numa reunião promovida pela AICEP em países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP)", referiu o presidente da AICEP, Miguel Frasquilho, no final do encontro.

Entre empresários portugueses que já estão na Guiné-Bissau há décadas e outros que estão apenas de visita ao país, debateram-se ideias para fomentar negócios durante quase duas horas.

"Quem cá está percebe que a instabilidade [política] crónica da Guiné-Bissau não é adversa ao investimento e a um clima de negócios", realçou o embaixador de Portugal no país, António Leão Rocha.

O diplomata desconstruiu a má imagem que o país tem no exterior, tal como o fizeram outros participantes.

"É um sinal de relevo perceber que a atividade empresarial com a Guiné-Bissau está a prosseguir a um ritmo interessante, apesar de sabermos as dificuldades que existem", realçou Miguel Frasquilho.

O presidente da AICEP anotou pedidos para que interceda a favor da redução do preço de transportes de carga marítima e aérea entre Portugal e a Guiné-Bissau, depois de ouvir relatos sobre produtos portugueses que chegam mais baratos a solo guineense quando importados via outros países.

A criação de linhas financeiras de apoio às trocas comerciais com a Guiné-Bissau, tal como já existem entre Portugal e outros países da CPLP, e o reforço do aconselhamento jurídico aos empresários lusos foram outros dos pedidos.

No encontro, o embaixador de Portugal desafiou ainda os participantes a unirem-se num clube de empresários portugueses da Guiné-Bissau, por forma a ganharem mais força.

LFO // ROC - Lusa

Partido da oposição são-tomense declara apoio a candidatura presidencial de Maria das Neves



O principal partido são-tomense da oposição, o Movimento de Libertação de são Tomé e Príncipe - Partido Social Democrata (MLSTP-PSD), anunciou hoje o apoio à candidatura presidencial independente da sua dirigente Maria das Neves.

"O conselho nacional do MLSTP-PSD decidiu por votação apoiar de forma inequívoca a camarada Maria das Neves nas próximas eleições presidenciais", indica o comunicado, sublinhando que dos 257 membros presentes no conselho nacional, 249 votaram a favor e oito abstiveram-se.

"Face a esta deliberação do conselho nacional, o MLSTP-PSD exorta os seus dirigentes, militantes, simpatizantes, amigos do partido a unirem-se em torno da referida candidatura e desenvolverem um intenso trabalho de mobilização política, visando a eleição da camarada Maria das Neves no pleito eleitoral que se avizinha", apela o comunicado dos sociais-democratas.

Fonte do principal partido da oposição indica que o atual presidente da república, Manuel Pinto da Costa, que pretende candidatar-se a um segundo mandato, remeteu igualmente uma carta ao partido solicitando "apoio e autorização para contactar as bases do partido".

"Os dois pedidos foram objetos de análise dos militantes em reuniões que tiveram lugar nos distritos e na Região autónoma do Príncipe", explicou a fonte.

As eleições presidenciais estão previstas para julho próximo. No entanto, a data ainda não foi marcada pelo Presidente da Republica que, para esse efeito, terá que ouvir primeiro a Comissão Eleitoral Nacional (CEN) e saber, da parte do Governo, se estão reunidas as condições financeiras.

Até ao momento, Maria das Neves, ex-primeira-ministra e atual vice-presidente da assembleia nacional (parlamento), é a única que oficializou a sua intenção em concorrer ao próximo ato eleitoral em São Tomé e Príncipe.

Maria das Neves que é membro da direção do MLSTP-PSD e líder da ala feminina deste partido e, em carta dirigida a vários partidos e que a Lusa teve acesso, sublinha que a "instabilidade politica e a incapacidade de trabalhar em conjunto têm sido a maior ameaça ao processo de desenvolvimento" do país.

"Acredito que serei muito mais útil aos são-tomenses se puder exercer uma função cuja magistratura de influência permita ajudar o país a conseguir a tão almejada estabilidade politica e paz social", refere Maria das Neves, acrescentando que tem experiência acumulada "durante os cerca de 40 anos de serviço público"

MYB // SMA - Lusa

Partido no governo em São Tomé e Príncipe quer empenho de todos para desenvolver o país



O presidente da Ação Democrática Independente (ADI) no poder em São Tomé e Príncipe, Patrice Trovoado, defendeu o empenhamento de todos os são-tomenses no desenvolvimento socioeconómico e político do país, independentemente do seu posicionamento político.

Este fim de semana, o ADI reuniu os quadros técnicos num encontro de reflexão, no Hotel Praia, próximo do aeroporto Internacional de São Tomé, que decorreu sob o lema "Qual o meu contributo para o Estado".

Patrice Trovoada, líder da Ação Democrática Independente e primeiro-ministro, afirmou que este encontro foi "uma oportunidade para passar algumas mensagens e exigir o engajamento de todos" visando encontrar soluções para os problemas com que o país se confronta.

"É um encontro cujo objetivo é sensibilizar os quadros para uma melhor intervenção e um melhor desempenho no Estado e mesmo àqueles que estão no setor privado na economia para o bem da nação", explicou o líder do partido do governo.

"Mas é também uma oportunidade para passar algumas mensagens, sobretudo na questão da partidarização da administração pública. Nós somos um partido, estamos no governo, estamos no poder, mas o mais importante para nós é resolver o problema das populações", explicou Patrice Trovada.

Para o presidente do ADI, "resolver os problemas das populações" a nível da administração significa "poder fazer com que todos os quadros da administração possam dar o seu contributo, sem que isso tenha a ver exclusivamente com questões partidárias, mas sim com a busca de soluções, com a promoção das competências e de um ambiente que permite o país avançar".

"O partido é o partido, as trajetórias pessoais e políticas têm que ser levadas em consideração, mas acima de tudo existe a nação e existe um governo que tem um prazo de quatro anos para corresponder às expectativas das populações", reforçou.

MYB // SMA - Lusa

ATIVISTAS ANGOLANOS: “QUEREM MATÁ-LOS AOS POUCOS, SEM DEIXAR PROVAS”



Ana Dias Cordeiro e Joana Gorjão Henriques - Público

O drama das famílias dos 17 activistas angolanos, contado por quem os visita: como são as prisões onde estão? Como estão a ser tratados? Há cadeias com ratazanas, sanitas sem água, em nenhuma se dá o básico: água potável. Esta semana, um deles escapou de uma facada.

A água nas cadeias em Angola nem sempre aparece. Há casos em que nem na sanita corre. Para beber é preciso que alguém a compre. Dentro das prisões gerou-se um negócio à volta dos bens de primeira necessidade, com denúncias de guardas que não deixam comida e bebida entrar para levar as pessoas a comprar lá dentro. 

Muitos dos activistas temem ser envenenados, por isso esperam que família ou amigos levem marmitas com comida. Alguns estão nas mesmas celas que homicidas. Colchões e lençóis nem todos têm. As deslocações a alguns presídios são descritas como um pandemónio: para chegar à cadeia de Caquila, por exemplo, é preciso atravessar um mar de lama. Noutra, Caboxa, houve um tiroteio entre presos, que quase apanhou um dos activistas. Muitas ficam longe: além do tempo, há quem tenha dificuldade em gastar cerca de 16 euros em transportes.

Estas são as descrições feitas ao PÚBLICO por familiares e amigos dos activistas e que traçam um retrato das cadeias por onde foram distribuídos os 17 jovens condenados, a 28 de Março, fará esta segunda-feira duas semanas.

Aos dramas de como os ir visitar e assegurar-lhes os bens básicos que as cadeias deveriam dar, algumas famílias tiveram que gerir perdas de filhos por febre-amarela – há uma epidemia desta doença em Angola que já matou mais de 200 pessoas. Noutros casos, por medo de represálias, as famílias deixaram de apoiar os activistas.

Os jovens tiveram penas de entre dois e oitos anos e meia de cadeia pelos crimes de “actos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”. A defesa, que interpôs recurso, fez um pedido de habeas corpus para que os reclusos aguardem a decisão em liberdade. Contactados pelo PÚBLICO desde segunda-feira, os serviços prisionais angolanos não deram qualquer resposta até sexta-feira ao final do dia.

“A situação está mesmo péssima”, relata o activista Adolfo Campos, do mesmo Movimento Revolucionário dos activistas presos. “Os nossos companheiros estão misturados com assassinos, pessoas perigosas, e pessoas que têm doenças transmissíveis, como a tuberculose.” Além do mais, a falta de água em algumas prisões durante dias obriga os presos a depositar as necessidades em sacos de plástico, aumentando o risco para a saúde.

Pedrowski Teca, jornalista e activista do mesmo movimento, apela: “Libertem os jovens, ainda é cedo. Ainda podemos construir um país melhor com base no diálogo e tolerância. Nós, jovens revolucionários, viemos para mostrar o verdadeiro rosto do regime angolano. E destapar as lacunas dos serviços prisionais que têm este tratamento desumano.”

Cadeia de Caquila

Domingos da Cruz, José Gomes Hata, Hitler Samussuku, Albano Bingo Bingo

Quando visita Domingos da Cruz, em Caquila, Esperança Gonga vai sempre com uma ideia: dizer ao marido que não serve de nada perder a calma. “Receio que tenha um colapso, um esgotamento nervoso”, diz. “No início, quando foi condenado, estava perturbadíssimo. Rangia os dentes, roía as unhas. Aquilo foi uma manifestação nervosa. Se continuasse, podia desencadear uma perturbação nervosa. São muitos numa cela só, e o espaço é muito quente. Além de poderem contrair doenças, esse ambiente pode afectar o estado psíquico deles.” É preferível as filhas de 11 e 8 anos não verem o pai, do que o verem “na condição em que ele se encontra”, diz.

O investigador e professor na Universidade Independente em Luanda é autor de livros políticos, entre eles a brochura que serviu de discussão quando eles foram detidos a 20 de Junho numa casa em Luanda (Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia Política da Libertação para Angola, uma “leitura” de Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp). Entre os 17, foi o activista condenado à pena de prisão mais alta: oito anos e seis meses.

Os presos de Caquila dormem sem colchão, sem lençol a cobri-los, retrata a mulher. O chão de betão assenta num local isolado, arenoso, que se enche de lama quando chove. O ar, de tão abafado, sufoca – as temperaturas oscilam entre a mínima de 25 graus e a máxima de 32 graus neste momento em Luanda.

Quando chega, Esperança Gonga vê como os presos, “enclausurados nas suas celas, se colam ao gradeamento, à procura da ventania.” Domingos da Cruz está numa cela com três dos activistas com ele condenados, José Gomes Hata, Albano Bingo Bingo e Hitler Samussuku.

As condições de higiene são “degradantes”, descreve Esperança Gonga: “Muitas ratazanas, muitas baratas, muitas formigas.” O medo de muitos familiares são as doenças e a falta de confiança e no próprio sistema. E o próprio sistema. “Eles só comem o que nós levamos. E só bebem a água que lhes entregamos. A cadeia tem canalização, mas não tem água, neste momento. A água tem que ser tirada do rio e sai muito suja.”

A irmã de Hitler Samussuku habituou-se a dizer que ele está bem, assim como ele, com 26 anos, se habituou a fingir o mesmo por causa da saúde frágil da mãe. Sem querer que se revele o nome, mas querendo que se saiba que é a irmã de Hitler que fala, conta que toda a família o visita: mãe, pai, irmã e irmão. “Ele mostra uma aparência boa, ele está a fingir, eu sei. Faz isso porque a nossa mãe é doente, tem problemas de tensão e do coração. O estado dela só piorou desde que ele foi preso [em Junho] e agora desde que foi condenado.” A irmã comove-se. “As condições na prisão são péssimas. Ele está mesmo a ser maltratado. Vejo nos olhos dele que não está bem. Está perturbado, já não reconhece a família da mesma maneira. Sinto que não é mais o mesmo, parece estar a ficar maluco. Fica com os olhos vermelhos. E só não chora porque não quer que a mãe o veja a chorar. Durante as visitas, ele tenta dizer-nos alguma coisa, mas está rodeado de polícias a ouvir a conversa, que não o deixam falar livremente.”

Por momentos, não contém as lágrimas e as suas palavras são pedidos de ajuda. Tem de haver uma saída, diz. “É uma situação difícil para os familiares. A prisão é mesmo distante. É num deserto. A gente nem sabe que aquilo existe. Eu tenho a impressão que eles querem matá-los paulatinamente. Assim aos poucos, sem deixar provas. Pode ser daqui a um ano. Nós todos temos essa impressão e o medo de eles serem deixados a morrer aos poucos”, diz. Samussuku foi condenado a quatro anos e seis meses. “Mesmo na sala, olhando para eles, alguma coisa não vai bem. Nenhum deles está bem.”

Albano Bingo Bingo tem 29 anos, não tem família em Luanda. São os pais de Nito Alves que têm tomado conta dele. E o amigo Emiliano Catombela é quem lhe costuma levar comida e água à cadeia onde cumpre uma pena de quatro anos e dois meses.

Mas de Viana, onde mora, até Caquila, Emiliano Catombela demora mais de uma hora e gasta 4000 kwanzas (21 euros): a prisão fica perto do rio Kwanza, e há imensa lama, por isso os táxis não querem ir ou cobram mais um preço mais elevado. Quando chegou, Bingo Bingo queixou-se ao amigo de que não tinham colchões, nem lençóis, essenciais por causa dos mosquitos, portadores da malária, a causa principal de morte em Angola. “Sempre digo para ele ficar sereno”, conta o jovem também activista, que em 2013 esteve preso durante um mês e meio por participar em manifestações.

A família de Bingo Bingo é do Huambo e deixou de o apoiar quando ele se juntou ao Movimento Revolucionário, dizem ao PÚBLICO o advogado Zola Ferreira e a mãe de Mbanza Hamza que conhece a situação. “Aconteceu com muitos de nós”, diz um dos coordenadores do movimento, Albano, também jurista: “Somos perseguidos todos os dias. E há famílias que não querem estar envolvidas.” Zola Ferreira acrescenta: “Alguns familiares resistiram. Outros não conseguiram e, face às ameaças, cederam às pressões.”

Também o irmão de José Gomes Hata, 31 anos, licenciado em Relações Internacionais, professor do 1.º ciclo, diz que as condições na prisão são “degradantes”. “Não há colchão, não há lençol, falta água, falta tudo”, resume José António Pascoal. E faltam todas as outras coisas que Hata pede aos familiares e à mulher: roupa lavada e livros.

As filhas de três e sete anos habituaram-se à condição do pai e à presença de quatro polícias à porta de casa quando os 15 dos 17 activistas entretanto condenados estavam em prisão domiciliária. “Em casa, viviam esse drama, estavam inquietas”, diz o tio das meninas. E inquietas continuam, sempre a querer saber quando voltará para casa, e sem poderem visitar o pai, condenado a quatro anos e seis meses. “Ele próprio não deixa que elas vão vê-lo, a prisão não é lugar para as crianças”, diz António Pascoal.

Prisão de Caboxa

Sedrick de Carvalho, Arante Kivuvu, Inocêncio de Brito, Benedito Jeremias

O medo paira de forma mais intensa na cadeia de Caboxa, onde estão Inocêncio de Brito, Arante Kivuvu, Benedito Jeremias e Sedrick de Carvalho. A violência entre reclusos nesta prisão, na segunda-feira, que acabou com um morto e sete feridos, ia apanhando o jornalista Sedrick de Carvalho, 26 anos. Neusa, a mulher, diz que o marido, condenado a quatro anos e meio, escapou por pouco a uma facada na barriga.

Ele “está calmo, a aguentar”, acrescenta Neusa, mas a família e outros activistas querem a transferência dos presos do movimento para outra cadeia, segundo a advogada Marisa Moniz.

Estão todos juntos numa cela – ao todo são 11 num espaço onde deveriam estar seis, e estão ao lado de homicidas, diz a mulher de Sedrick, Neusa. O casal tem uma filha de dois anos.

As condições são “péssimas”, descreve. Ao jornalista do Folha 8, jornal crítico do regime, a mulher leva comida e bebida – pelo medo de ser envenenado não come nada da prisão.

Benedito Jeremias e os amigos presos na prisão de Caboxa estão traumatizados com a violência a que assistiram no início da semana, diz a mulher Henriqueta Diogo. “Viram pessoas serem esfaqueadas, batidas, e isso criou um certo trauma na cabeça deles.” Além do trauma, sentem-se inseguros. “Muitas vezes eles foram ameaçados. Houve presos de lá que se tornaram seus amigos e, nos momentos piores, os protegeram. Mas eles correram muito risco de vida.”

Também devido às agressões e ao tiroteio, a direcção da cadeia tomou a decisão de os manter fechados todas as 24 horas do dia. Não saem para o exterior. Não apanham sol. “Estão fechados na sala o dia todo. Vamos visitá-lo, para o motivar, para ele saber que estamos com ele, para levarmos comida. Eles dependem mesmo dos familiares para comer. A maior parte do tempo não se alimentam com proteínas”, acrescenta Henriqueta. “A saúde deles vai ficando cada dia mais debilitada. E eu fico cada dia mais triste com este Governo. É triste ver como tiram a liberdade aos jovens assim. Eles são pais, chefes de família. Eles são filhos. É muito sofrimento para eles e para as famílias. É degradante e humilhante para eles que têm tudo para dar certo na vida. Como podem ser considerados golpistas?”, questiona com revolta.

Benedito Jeremias trabalhava como funcionário público depois de concluir duas licenciaturas – em Administração Pública e Ciência Política. Com 30 anos, tem dois filhos de oito anos. “É triste viver assim. É triste para mim, mas principalmente para ele, o meu marido, por estar ali dentro e ser inocente.” Henriqueta fala sem pausas, como quem deseja partilhar tudo o que tem para dizer ao fim de um dia em que andou de transporte em transporte, rodeada de pessoas sem poder falar, na ida e no regresso da prisão que fica a mais de duas horas de viagem da sua casa. Não sabe o dia de amanhã. Não consegue aceder à conta do marido desde o mês passado. “São coisas básicas”, diz Henriqueta das coisas que lhe faltam a ela, mas sobretudo das coisas que faltam aos presos. “Coisas básicas que eles precisam de ter. A água canalizada vem toda castanha, vem suja. É esta água que eles usam para tomar banho. Podem apanhar uma infecção. Mas o mais grave ainda é se eles vierem a beber dessa água.”

“A situação não dá para fazer mais nada”, diz Lídia, a irmã de Arante Kivuvu, condenado também a quatro anos e meio, que lhe leva comida, e conseguiu visitá-lo na véspera do tiroteio.

O jovem de 21 anos trabalhava em transportes e era estudante universitário, tinha-se mudado para mais perto da cidade de Luanda para casa de um tio.

O pai morreu e a mãe foi para as Lundas no Norte do país. Mas desde que foi preso o tio deixou de querer saber dele. “Nunca ligou para mim, nem para ele para saber como ele está ou do que precisa”, lamenta Lídia.

Nesta cadeia de Caboxa adensa-se o medo dos activistas misturados em celas com homicidas e outros criminosos violentos, diz a irmã deInocêncio de Brito. Pai de dois filhos de quatro e seis anos, o activista de 29 anos frequentava o 4º ano na Faculdade de Economia na Universidade Católica de Angola em Luanda, quando foi detido em Junho. Não voltou a estudar. E poucas vezes vê a família, diz a irmã Marcelina de Brito. “Não temos carro, temos de ir de transporte, é longe e caro, não podemos lá ir muitas vezes.”

Os guardas não deixaram entrar a água mineral que a mãe levou para o filho, obrigando-a a comprar uma água na cantina da prisão. Também não deixam entrar leite ou iogurtes. “Estão a alimentar-se mal e já emagreceram”. Realça o que mais a preocupa: “O horror e o medo que eles têm” de partilhar o espaço com homens condenados por homicídio. As famílias “têm medo de que alguma coisa lhes aconteça lá dentro.” Eles próprios na rixa na cadeia foram ameaçados, conta Marcelina de Brito. “Os efectivos não conseguem manter a ordem. Além da nossa condição financeira, está tudo a acontecer ao mesmo tempo. Tudo de mau. Estão a acabar com a nossa família.” Que mais têm a perder?, interroga-se. “Já estamos acostumados a ser perseguidos. Vamos calar-nos até quando?”

Comarca de Viana

Nito Alves, Laurinda Gouveia, Rosa Conde

Nito Alves foi um dos primeiros a ir para a cadeia ainda antes de o julgamento terminar, pelo crime de injúria aos magistrados. "Não temo pela minha vida, este julgamento é uma palhaçada", disse numa das sessões. Quando no dia 28 chegou ao tribunal para ouvir a sentença de quatro anos e meio de prisão, estava já com paludismo, recorda o pai, Fernando Baptista. “Quase desmaiava. Foi julgado assim.” Ao contrário do que foi pedido pelos advogados, não o levaram para o Hospital-Prisão São Paulo.

Entretanto, melhorou, apesar de continuar com ar de doente, desabafa a mãe, Adália Chivonde. Mas não o deixam sair da cela sem autorização, não o deixam apanhar sol ou ter acesso a actividades de lazer “como os outros presos”, continua. “Levo sempre comida e bebida. Levamos o lençol, não sabemos onde vai dormir. A prisão não tem condições, tem muitos presos doentes”, queixa-se.

Os pais vivem em Viana e podem visitá-lo facilmente por ser perto. Também visitam a namorada de Nito Alves, Laurinda Gouveia, no Estabelecimento Penitenciário Feminino de Viana. Ela, Albano Bingo-Bingo e Nito Alves partilhavam casa. 

O filho de 19 anos interrompeu a universidade, e o pai acha que deveria ter acesso à escola dentro da prisão, no mínimo. “Estar preso não significa perder todos os direitos”, diz Fernando Baptista. “Eles não mataram ninguém, e tinham que ter o mínimo de condições.”

A irmã de Laurinda Gouveia, 27 anos, Susana, já a foi visitar a Viana e sentiu-a triste.

Foi condenada a quatro anos e meio. “Parece que está bem, mas não. Estava com lágrimas nos olhos. Disse que não contava com este desfecho.”

Laurinda Gouveia, estudante de Filosofia na Universidade Católica, era a repórter do grupo: tirava fotos e filmava a brutalidade da actuação da polícia. Isso valeu-lhe represálias. “Sempre que havia detenções era a primeira a divulgar”, lembra Sizaltina Cutaia, da organização não-governamental Open Society.

Laurinda divide um beliche com Rosa Conde, 28 anos, condenada a dois anos e três meses. 

A comida fê-las “passar mal”. Relataram ter a impressão que lhes deram “arroz com água suja”, recorda Sizaltina Cutaia que no domingo passado visitou as duas activistas e está ligada ao Movimento 2+15 com o objectivo de sublinhar a luta destas duas mulheres.

“Pelo que elas disseram estavam bem. A cela é relativamente asseada. Há um programa na cadeia para desenvolver a auto-estima onde trabalham a apresentação física das reclusas.” E acrescenta: “O que se diz de modo geral é que a ala feminina é melhor que a masculina. Mas para ter mais informações é preciso fazer mais visitas”, sublinha.

Sizaltina critica, porém, o sistema na cadeia onde se criaram lojas com bens de primeira necessidade para levar aos presos – um negócio com quem alguém estará a lucrar, comenta, por seu lado, Pedrowski Teca, namorado de Rosa Conde. Segundo Pedrowski Teca é muito difícil comer o que lhe dão na cadeia, “é uma comida desumana”, “o arroz nem coze”. “Em contrapartida os familiares são compelidos pela situação a levar comida e água, porque a que está na cadeia traz doenças.” Os serviços prisionais “não têm condições”, acusa, “temos que levar tudo, sabonete, papel higiénico…”

Na quinta-feira levou peixe a Rosa e este só lhe foi entregue no dia seguinte, já a comida tinha apodrecido.

Rosa Conde tem um filho pequeno, lembra Sizaltina. “Estamos numa sociedade em que o medo é património colectivo, ainda mais quando as pessoas têm um filho. É muito interessante uma mulher com um filho sentir-se compelida a participar nesse processo de manifestação”, elogia. 

Prisão de Calomboloca

Nelson Dibango, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Osvaldo Caholo, Fernando Tomás “Nicolas Radical”, Luaty Beirão

Quando visita Nelson Dibango na cadeia de Calomboloca, Moisés dos Santos Miguel sai de casa pelas sete da manhã e só chega depois das sete da noite. Não ganha nada em estar lá cedo, mas é tal a necessidade de ver o filho de 33 anos, condenado a quatro anos e seis meses, que vai na mesma ao nascer do dia. A viagem de 110 quilómetros é longa por causa da estrada e do transporte.

Quando chega aos portões da cadeia os funcionários ainda não começaram o atendimento, por uma qualquer razão que não sabe explicar, e muito menos começaram a permitir as entradas. “Foi assim hoje e é assim sempre que lá vamos. Só consigo estar uma hora com o meu filho”, contou quinta-feira. Vê Dibango, técnico informático e estudante de Psicologia, através de uma grade de ferro, sentado num banco. “A visita é num parlatório, numa condição terrível”, diz da prisão onde, além de Dibango, também estão Luaty Beirão, Osvaldo Caholo, Mbanza Hamza e "Nicolas Radical".

Em pé, do lado de cá da grade, ficam também os irmãos de Nelson Dibango, a mulher que cuida dos dois filhos – um bebé de poucos meses e uma criança de cinco anos – e outros familiares, quando podem ir. “Eu vou sempre”, diz o pai. As visitas realizam-se duas vezes por semana. “Temos de transmitir-lhes a maior força para eles poderem resistir. Estão condenados. Já sabiam que o seriam. E sabem que o foram injustamente. A única coisa que fazem é resistir”, diz. “Felizmente foram agrupados no mesmo bloco. Estão solidários entre eles e vão-se animando”, conta. “Partilham a comida que vai chegando, o pouco que nós levamos. Quando vamos levamos uma refeição reforçada.” Nos restantes dias, só comem bolachas ou chourição e outros poucos alimentos autorizados.

No dia em que foi condenado a quatro anos e dois meses de prisão,Mbanza Hamza perdeu o irmão de sete anos. A criança morreu de febre-amarela nessa mesma segunda-feira: 28 de Março. Só quatro dias depois a mãe, Leonor Odete João, estava em condições de começar as visitas ao outro dos seus filhos, de 31 anos, na prisão de Calomboloca.

A viagem faz-se em quatro candongueiros (táxis colectivos) diferentes – de Luanda para Viana, de Viana para Catete, de Catete para Calomboloca e de Calomboloca para a prisão – e dura quatro horas na ida e outras quatro horas na volta. “Aquilo é muito longe e fica muito isolado”, diz a mãe de Afonso Matias, que escolheu para si o nome Mbanza Hamza, “Soldado Desconhecido”.

Antes de ser detido no dia 20 de Junho de 2015, com a maioria dos outros activistas que foram condenados, Mbanza Hamza trabalhava como professor numa escola depois de concluir uma licenciatura em Engenharia Informática. “Na prisão, ele está a perder tudo”, acrescenta. “Eles estão a perder tudo. Estão conscientes do que estão a fazer, mas querem lutar até às últimas consequências, mesmo sabendo isso.” Mbanza Hamza pediu para dar aulas na prisão, para que não lhe fosse cortado o ordenado do Ministério da Educação, com que sustenta a mulher e os dois filhos de cinco e dois anos, e a mãe. “Eu própria como mãe, dependo dele”, diz Leonor Odete João.

O único militar entre os activistas, Osvaldo Caholo, ameaçou suicidar-se em protesto contra as condições na cadeia de Calomboloca. Denunciou que os reclusos chegam a ter de beber água da sanita. “Falta de água, necessidades fisiológicas colocadas em sacos de plásticos, alimentação deficiente, falta de banhos de sol, colchões que ‘nem para animais devem servir’”: estas foram algumas das queixas que escreveu há uma semana numa carta. Elsa Caholo, a irmã, contou que entretanto Osvaldo Caholo, 33 anos, abandonou a hipótese de suicídio, e escreveu uma nota a pedir desculpa pelo choque que possa ter causado.

As queixas, porém, mantêm-se. Apesar de ter sido construída recentemente, a cadeia está com falta de água. Além de não haver água para beber e tomar banho, também falta para o saneamento básico. Os reclusos “não têm condições para fazer as necessidades, têm que pôr num saco e daí não sei onde põem”, contou Elsa sobre o relato do irmão.

No dia anterior ao julgamento, outra irmã de Osvaldo Caholo, que faria 40 anos, morreu com paludismo. “A mãe tinha toda a pressão psicológica”, descreve Elsa. A mãe Isabel Correia, que também foi visitar o filho na quinta-feira, lembra: “É um momento dramático. Para além do Osvaldo, tive o óbito [da filha]. Depois de enterrar a filha, na segunda-feira, tive o filho no tribunal e na terça-feira tivemos que andar à procura em que cadeia ele estava.”

Sara João Manuel, que na quinta-feira apanhou boleia de Mónica Almeida para visitar o marido Fernando Tomás “Nicola Radical”, mecânico nascido em 1979, queixa-se do mesmo: não há água, só deixam os familiares levar cinco litros para os detidos e lá dentro, na cantina, é muito mais cara.

“Passa o dia sem banhar. Ir na casa-de-banho é difícil, não tem água, não tem papel.”

O casal tem dois filhos rapazes, de oito e três anos, e Sara João Manuel queixa-se de que lhe bloquearam as contas bancárias.

Até à cadeia demora três horas, mesmo com a boleia, e gasta uns 5000 kwanzas (27 euros) em transportes. “Ele é que me sustentava. Neste momento estou com febre-amarela.” Quem a ajuda? Os irmãos.

Também Luaty Beirão denunciou à mulher, Mónica Almeida, as condições precárias em que se encontram. “Disseram que na segunda-feira iria um camião de água abastecer o estabelecimento e, no entanto, até esta quinta-feira nada de água”, conta.

Desde que chegaram, na semana passada, e até quinta-feira só tinham conseguido apanhar sol duas vezes. Os detidos são obrigados a esperar que as visitas lhes tragam de beber.

Lá dentro, o esquema era agarrar em garrafas de plástico vazias, cortá-las, virá-las ao contrário usando-as como funis para recolher a água da chuva.

Hospital-Prisão de São Paulo

Nuno Dala

Nuno Dala, 31 anos, é o caso mais dramático: está em greve de fome desde 10 de Março, há um mês. Não vai parar, segundo a mulher e a advogada. Detido no Hospital Prisão São Paulo, em Luanda, sobrevive a soro, e o soro tem que ser levado pela família, contou a mulher Raquel Chiteculo, pois os serviços não o fornecem, queixa-se. “Está em cadeira de rodas, quando queria levantar dizia que o coração batia rápido”, descreveu há dias ao PÚBLICO.

Dala fez greve de fome em protesto contra o facto de as autoridades lhe terem confiscado os seus bens na detenção, entre eles Bilhete de Identidade, cartão bancário, computador, impressora, telefone, documentos e livros – terminado o julgamento e ditada a sentença, as autoridades continuam, ainda hoje, na posse de objectos pessoais dos activistas.

A família – mulher e filha, uma irmã de 29 anos e um irmão de 11 anos – dependem financeiramente dele. A renda da casa onde todos vivem está por pagar. A mulher teve que se mudar para casa dos pais. Isto apesar de Nuno Dala ter dinheiro na conta, fruto do seu trabalho como professor na área da Pedagogia.

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