Ana
Dias Cordeiro e Joana Gorjão Henriques - Público
O
drama das famílias dos 17 activistas angolanos, contado por quem os visita:
como são as prisões onde estão? Como estão a ser tratados? Há cadeias com
ratazanas, sanitas sem água, em nenhuma se dá o básico: água potável. Esta
semana, um deles escapou de uma facada.
A
água nas cadeias em Angola nem sempre aparece. Há casos em que nem na sanita
corre. Para beber é preciso que alguém a compre. Dentro das prisões gerou-se um
negócio à volta dos bens de primeira necessidade, com denúncias de guardas que
não deixam comida e bebida entrar para levar as pessoas a comprar lá dentro.
Muitos
dos activistas temem ser envenenados, por isso esperam que família ou amigos
levem marmitas com comida. Alguns estão nas mesmas celas que homicidas.
Colchões e lençóis nem todos têm. As deslocações a alguns presídios são
descritas como um pandemónio: para chegar à cadeia de Caquila, por exemplo, é
preciso atravessar um mar de lama. Noutra, Caboxa, houve um tiroteio entre
presos, que quase apanhou um dos activistas. Muitas ficam longe: além do tempo,
há quem tenha dificuldade em gastar cerca de 16 euros em transportes.
Estas
são as descrições feitas ao PÚBLICO por familiares e amigos dos activistas e
que traçam um retrato das cadeias por onde foram distribuídos os 17 jovens condenados, a 28 de Março,
fará esta segunda-feira duas semanas.
Aos
dramas de como os ir visitar e assegurar-lhes os bens básicos que as cadeias
deveriam dar, algumas famílias tiveram que gerir perdas de filhos por
febre-amarela – há uma epidemia desta
doença em Angola que já matou mais de 200 pessoas. Noutros casos, por medo de
represálias, as famílias deixaram de apoiar os activistas.
Os
jovens tiveram penas de entre dois e oitos anos e meia de cadeia pelos crimes
de “actos
preparatórios de rebelião e associação de malfeitores”. A defesa, que
interpôs recurso, fez um pedido de habeas corpus para que os reclusos
aguardem a decisão em liberdade. Contactados pelo PÚBLICO desde segunda-feira,
os serviços prisionais angolanos não deram qualquer resposta até sexta-feira ao
final do dia.
“A
situação está mesmo péssima”, relata o activista Adolfo Campos, do mesmo
Movimento Revolucionário dos activistas presos. “Os nossos companheiros estão
misturados com assassinos, pessoas perigosas, e pessoas que têm doenças
transmissíveis, como a tuberculose.” Além do mais, a falta de água em algumas
prisões durante dias obriga os presos a depositar as necessidades em sacos de
plástico, aumentando o risco para a saúde.
Pedrowski
Teca, jornalista e activista do mesmo movimento, apela: “Libertem os jovens,
ainda é cedo. Ainda podemos construir um país melhor com base no diálogo e
tolerância. Nós, jovens revolucionários, viemos para mostrar o verdadeiro rosto
do regime angolano. E destapar as lacunas dos serviços prisionais que têm este
tratamento desumano.”
Cadeia
de Caquila
Domingos
da Cruz, José Gomes Hata, Hitler Samussuku, Albano Bingo Bingo
Quando
visita Domingos da Cruz, em Caquila, Esperança Gonga vai sempre com
uma ideia: dizer ao marido que não serve de nada perder a calma. “Receio que
tenha um colapso, um esgotamento nervoso”, diz. “No início, quando foi
condenado, estava perturbadíssimo. Rangia os dentes, roía as unhas. Aquilo foi
uma manifestação nervosa. Se continuasse, podia desencadear uma perturbação
nervosa. São muitos numa cela só, e o espaço é muito quente. Além de poderem
contrair doenças, esse ambiente pode afectar o estado psíquico deles.” É
preferível as filhas de 11 e 8 anos não verem o pai, do que o verem “na
condição em que ele se encontra”, diz.
O
investigador e professor na Universidade Independente em Luanda é autor de
livros políticos, entre eles a brochura que serviu de discussão quando eles
foram detidos a 20 de Junho numa casa em
Luanda (Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia
Política da Libertação para Angola, uma “leitura” de Da Ditadura à
Democracia, de Gene Sharp). Entre os 17, foi o activista condenado à pena de
prisão mais alta: oito anos e seis meses.
Os
presos de Caquila dormem sem colchão, sem lençol a cobri-los, retrata a mulher.
O chão de betão assenta num local isolado, arenoso, que se enche de lama quando
chove. O ar, de tão abafado, sufoca – as temperaturas oscilam entre a mínima de
25 graus e a máxima de 32 graus neste momento em Luanda.
Quando
chega, Esperança Gonga vê como os presos, “enclausurados nas suas celas, se
colam ao gradeamento, à procura da ventania.” Domingos da Cruz está numa cela
com três dos activistas com ele condenados, José Gomes Hata, Albano Bingo Bingo
e Hitler Samussuku.
As
condições de higiene são “degradantes”, descreve Esperança Gonga: “Muitas
ratazanas, muitas baratas, muitas formigas.” O medo de muitos familiares são as
doenças e a falta de confiança e no próprio sistema. E o próprio sistema. “Eles
só comem o que nós levamos. E só bebem a água que lhes entregamos. A cadeia tem
canalização, mas não tem água, neste momento. A água tem que ser tirada do rio
e sai muito suja.”
A
irmã de Hitler Samussuku habituou-se a dizer que ele está bem, assim
como ele, com 26 anos, se habituou a fingir o mesmo por causa da saúde frágil
da mãe. Sem querer que se revele o nome, mas querendo que se saiba que é a irmã
de Hitler que fala, conta que toda a família o visita: mãe, pai, irmã e irmão.
“Ele mostra uma aparência boa, ele está a fingir, eu sei. Faz isso porque a
nossa mãe é doente, tem problemas de tensão e do coração. O estado dela só
piorou desde que ele foi preso [em Junho] e agora desde que foi condenado.” A irmã
comove-se. “As condições na prisão são péssimas. Ele está mesmo a ser
maltratado. Vejo nos olhos dele que não está bem. Está perturbado, já não
reconhece a família da mesma maneira. Sinto que não é mais o mesmo, parece
estar a ficar maluco. Fica com os olhos vermelhos. E só não chora porque não
quer que a mãe o veja a chorar. Durante as visitas, ele tenta dizer-nos alguma
coisa, mas está rodeado de polícias a ouvir a conversa, que não o deixam falar
livremente.”
Por
momentos, não contém as lágrimas e as suas palavras são pedidos de ajuda. Tem
de haver uma saída, diz. “É uma situação difícil para os familiares. A prisão é
mesmo distante. É num deserto. A gente nem sabe que aquilo existe. Eu tenho a
impressão que eles querem matá-los paulatinamente. Assim aos poucos, sem deixar
provas. Pode ser daqui a um ano. Nós todos temos essa impressão e o medo de
eles serem deixados a morrer aos poucos”, diz. Samussuku foi condenado a quatro
anos e seis meses. “Mesmo na sala, olhando para eles, alguma coisa não vai bem.
Nenhum deles está bem.”
Albano
Bingo Bingo tem 29 anos, não tem família em Luanda. São os pais de Nito
Alves que têm tomado conta dele. E o amigo Emiliano Catombela é quem lhe
costuma levar comida e água à cadeia onde cumpre uma pena de quatro anos e dois
meses.
Mas
de Viana, onde mora, até Caquila, Emiliano Catombela demora mais de uma hora e
gasta 4000 kwanzas (21 euros): a prisão fica perto do rio Kwanza, e há imensa
lama, por isso os táxis não querem ir ou cobram mais um preço mais elevado.
Quando chegou, Bingo Bingo queixou-se ao amigo de que não tinham colchões, nem
lençóis, essenciais por causa dos mosquitos, portadores da malária, a causa
principal de morte em Angola. “Sempre digo para ele ficar sereno”, conta o
jovem também activista, que em 2013 esteve preso durante um mês e meio por participar
em manifestações.
A
família de Bingo Bingo é do Huambo e deixou de o apoiar quando ele se juntou ao
Movimento Revolucionário, dizem ao PÚBLICO o advogado Zola Ferreira e a mãe de
Mbanza Hamza que conhece a situação. “Aconteceu com muitos de nós”, diz um dos
coordenadores do movimento, Albano, também jurista: “Somos perseguidos todos os
dias. E há famílias que não querem estar envolvidas.” Zola Ferreira acrescenta:
“Alguns familiares resistiram. Outros não conseguiram e, face às ameaças,
cederam às pressões.”
Também
o irmão de José Gomes Hata, 31 anos, licenciado em Relações
Internacionais, professor do 1.º ciclo, diz que as condições na prisão são
“degradantes”. “Não há colchão, não há lençol, falta água, falta tudo”, resume
José António Pascoal. E faltam todas as outras coisas que Hata pede aos
familiares e à mulher: roupa lavada e livros.
As
filhas de três e sete anos habituaram-se à condição do pai e à presença de
quatro polícias à porta de casa quando os 15 dos 17 activistas entretanto
condenados estavam em prisão domiciliária. “Em casa, viviam esse drama, estavam
inquietas”, diz o tio das meninas. E inquietas continuam, sempre a querer saber
quando voltará para casa, e sem poderem visitar o pai, condenado a quatro anos
e seis meses. “Ele próprio não deixa que elas vão vê-lo, a prisão não é lugar
para as crianças”, diz António Pascoal.
Prisão
de Caboxa
Sedrick
de Carvalho, Arante Kivuvu, Inocêncio de Brito, Benedito
Jeremias
O
medo paira de forma mais intensa na cadeia de Caboxa, onde estão Inocêncio de
Brito, Arante Kivuvu, Benedito Jeremias e Sedrick de Carvalho. A violência
entre reclusos nesta prisão, na segunda-feira, que acabou com um morto e sete
feridos, ia apanhando o jornalista Sedrick de Carvalho, 26 anos. Neusa, a
mulher, diz que o marido, condenado a quatro anos e meio, escapou por pouco a
uma facada na barriga.
Ele
“está calmo, a aguentar”, acrescenta Neusa, mas a família e outros activistas
querem a transferência dos presos do movimento para outra cadeia, segundo a
advogada Marisa Moniz.
Estão
todos juntos numa cela – ao todo são 11 num espaço onde deveriam estar seis, e
estão ao lado de homicidas, diz a mulher de Sedrick, Neusa. O casal tem uma
filha de dois anos.
As
condições são “péssimas”, descreve. Ao jornalista do Folha 8, jornal
crítico do regime, a mulher leva comida e bebida – pelo medo de ser envenenado
não come nada da prisão.
Benedito
Jeremias e os amigos presos na prisão de Caboxa estão traumatizados com a
violência a que assistiram no início da semana, diz a mulher Henriqueta Diogo.
“Viram pessoas serem esfaqueadas, batidas, e isso criou um certo trauma na
cabeça deles.” Além do trauma, sentem-se inseguros. “Muitas vezes eles foram
ameaçados. Houve presos de lá que se tornaram seus amigos e, nos momentos
piores, os protegeram. Mas eles correram muito risco de vida.”
Também
devido às agressões e ao tiroteio, a direcção da cadeia tomou a decisão de os
manter fechados todas as 24 horas do dia. Não saem para o exterior. Não apanham
sol. “Estão fechados na sala o dia todo. Vamos visitá-lo, para o motivar, para
ele saber que estamos com ele, para levarmos comida. Eles dependem mesmo dos
familiares para comer. A maior parte do tempo não se alimentam com proteínas”,
acrescenta Henriqueta. “A saúde deles vai ficando cada dia mais debilitada. E
eu fico cada dia mais triste com este Governo. É triste ver como tiram a liberdade
aos jovens assim. Eles são pais, chefes de família. Eles são filhos. É muito
sofrimento para eles e para as famílias. É degradante e humilhante para eles
que têm tudo para dar certo na vida. Como podem ser considerados golpistas?”,
questiona com revolta.
Benedito
Jeremias trabalhava como funcionário público depois de concluir duas
licenciaturas – em Administração Pública e Ciência Política. Com 30 anos, tem
dois filhos de oito anos. “É triste viver assim. É triste para mim, mas
principalmente para ele, o meu marido, por estar ali dentro e ser inocente.”
Henriqueta fala sem pausas, como quem deseja partilhar tudo o que tem para
dizer ao fim de um dia em que andou de transporte em transporte, rodeada de
pessoas sem poder falar, na ida e no regresso da prisão que fica a mais de duas
horas de viagem da sua casa. Não sabe o dia de amanhã. Não consegue aceder à
conta do marido desde o mês passado. “São coisas básicas”, diz Henriqueta das
coisas que lhe faltam a ela, mas sobretudo das coisas que faltam aos presos. “Coisas
básicas que eles precisam de ter. A água canalizada vem toda castanha, vem
suja. É esta água que eles usam para tomar banho. Podem apanhar uma infecção.
Mas o mais grave ainda é se eles vierem a beber dessa água.”
“A
situação não dá para fazer mais nada”, diz Lídia, a irmã de Arante Kivuvu,
condenado também a quatro anos e meio, que lhe leva comida, e conseguiu
visitá-lo na véspera do tiroteio.
O
jovem de 21 anos trabalhava em transportes e era estudante universitário, tinha-se
mudado para mais perto da cidade de Luanda para casa de um tio.
O
pai morreu e a mãe foi para as Lundas no Norte do país. Mas desde que foi preso
o tio deixou de querer saber dele. “Nunca ligou para mim, nem para ele para
saber como ele está ou do que precisa”, lamenta Lídia.
Nesta
cadeia de Caboxa adensa-se o medo dos activistas misturados em celas com
homicidas e outros criminosos violentos, diz a irmã deInocêncio de Brito. Pai
de dois filhos de quatro e seis anos, o activista de 29 anos frequentava o 4º
ano na Faculdade de Economia na Universidade Católica de Angola em Luanda,
quando foi detido em Junho. Não voltou a estudar. E poucas vezes vê a família,
diz a irmã Marcelina de Brito. “Não temos carro, temos de ir de transporte, é
longe e caro, não podemos lá ir muitas vezes.”
Os
guardas não deixaram entrar a água mineral que a mãe levou para o filho,
obrigando-a a comprar uma água na cantina da prisão. Também não deixam entrar
leite ou iogurtes. “Estão a alimentar-se mal e já emagreceram”. Realça o que
mais a preocupa: “O horror e o medo que eles têm” de partilhar o espaço com
homens condenados por homicídio. As famílias “têm medo de que alguma coisa lhes
aconteça lá dentro.” Eles próprios na rixa na cadeia foram ameaçados, conta
Marcelina de Brito. “Os efectivos não conseguem manter a ordem. Além da nossa
condição financeira, está tudo a acontecer ao mesmo tempo. Tudo de mau. Estão a
acabar com a nossa família.” Que mais têm a perder?, interroga-se. “Já estamos
acostumados a ser perseguidos. Vamos calar-nos até quando?”
Comarca
de Viana
Nito
Alves, Laurinda Gouveia, Rosa Conde
Nito
Alves foi um dos primeiros a ir para a cadeia ainda antes de o julgamento
terminar, pelo crime de injúria aos magistrados.
"Não temo pela minha vida, este julgamento é uma palhaçada", disse
numa das sessões. Quando no dia 28 chegou ao tribunal para ouvir a sentença de
quatro anos e meio de prisão, estava já com paludismo, recorda o pai, Fernando
Baptista. “Quase desmaiava. Foi julgado assim.” Ao contrário do que foi pedido
pelos advogados, não o levaram para o Hospital-Prisão São Paulo.
Entretanto,
melhorou, apesar de continuar com ar de doente, desabafa a mãe, Adália
Chivonde. Mas não o deixam sair da cela sem autorização, não o deixam apanhar
sol ou ter acesso a actividades de lazer “como os outros presos”, continua.
“Levo sempre comida e bebida. Levamos o lençol, não sabemos onde vai dormir. A
prisão não tem condições, tem muitos presos doentes”, queixa-se.
Os
pais vivem em Viana e podem visitá-lo facilmente por ser perto. Também visitam
a namorada de Nito Alves, Laurinda Gouveia, no Estabelecimento Penitenciário
Feminino de Viana. Ela, Albano Bingo-Bingo e Nito Alves partilhavam casa.
O
filho de 19 anos interrompeu a universidade, e o pai acha que deveria ter
acesso à escola dentro da prisão, no mínimo. “Estar preso não significa perder
todos os direitos”, diz Fernando Baptista. “Eles não mataram ninguém, e tinham
que ter o mínimo de condições.”
A
irmã de Laurinda Gouveia, 27 anos, Susana, já a foi visitar a Viana e
sentiu-a triste.
Foi
condenada a quatro anos e meio. “Parece que está bem, mas não. Estava com
lágrimas nos olhos. Disse que não contava com este desfecho.”
Laurinda
Gouveia, estudante de Filosofia na Universidade Católica, era a repórter do
grupo: tirava fotos e filmava a brutalidade da actuação da polícia. Isso
valeu-lhe represálias.
“Sempre que havia detenções era a primeira a divulgar”, lembra Sizaltina
Cutaia, da organização não-governamental Open Society.
Laurinda
divide um beliche com Rosa Conde, 28 anos, condenada a dois anos e três
meses.
A
comida fê-las “passar mal”. Relataram ter a impressão que lhes deram “arroz com
água suja”, recorda Sizaltina Cutaia que no domingo passado visitou as duas
activistas e está ligada ao Movimento 2+15 com o objectivo de sublinhar a luta
destas duas mulheres.
“Pelo
que elas disseram estavam bem. A cela é relativamente asseada. Há um programa
na cadeia para desenvolver a auto-estima onde trabalham a apresentação física
das reclusas.” E acrescenta: “O que se diz de modo geral é que a ala feminina é
melhor que a masculina. Mas para ter mais informações é preciso fazer mais
visitas”, sublinha.
Sizaltina
critica, porém, o sistema na cadeia onde se criaram lojas com bens de primeira
necessidade para levar aos presos – um negócio com quem alguém estará a lucrar,
comenta, por seu lado, Pedrowski Teca, namorado de Rosa Conde. Segundo
Pedrowski Teca é muito difícil comer o que lhe dão na cadeia, “é uma comida
desumana”, “o arroz nem coze”. “Em contrapartida os familiares são compelidos
pela situação a levar comida e água, porque a que está na cadeia traz doenças.”
Os serviços prisionais “não têm condições”, acusa, “temos que levar tudo,
sabonete, papel higiénico…”
Na
quinta-feira levou peixe a Rosa e este só lhe foi entregue no dia seguinte, já
a comida tinha apodrecido.
Rosa
Conde tem um filho pequeno, lembra Sizaltina. “Estamos numa sociedade em que o
medo é património colectivo, ainda mais quando as pessoas têm um filho. É muito
interessante uma mulher com um filho sentir-se compelida a participar nesse
processo de manifestação”, elogia.
Prisão
de Calomboloca
Nelson
Dibango, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Osvaldo Caholo, Fernando
Tomás “Nicolas Radical”, Luaty Beirão
Quando
visita Nelson Dibango na cadeia de Calomboloca, Moisés dos Santos
Miguel sai de casa pelas sete da manhã e só chega depois das sete da noite. Não
ganha nada em estar lá cedo, mas é tal a necessidade de ver o filho de 33 anos,
condenado a quatro anos e seis meses, que vai na mesma ao nascer do dia. A
viagem de 110 quilómetros é longa por causa da estrada e do transporte.
Quando
chega aos portões da cadeia os funcionários ainda não começaram o atendimento,
por uma qualquer razão que não sabe explicar, e muito menos começaram a permitir
as entradas. “Foi assim hoje e é assim sempre que lá vamos. Só consigo estar
uma hora com o meu filho”, contou quinta-feira. Vê Dibango, técnico informático
e estudante de Psicologia, através de uma grade de ferro, sentado num banco. “A
visita é num parlatório, numa condição terrível”, diz da prisão onde, além de
Dibango, também estão Luaty Beirão, Osvaldo Caholo, Mbanza Hamza e
"Nicolas Radical".
Em
pé, do lado de cá da grade, ficam também os irmãos de Nelson Dibango, a mulher
que cuida dos dois filhos – um bebé de poucos meses e uma criança de cinco anos
– e outros familiares, quando podem ir. “Eu vou sempre”, diz o pai. As visitas
realizam-se duas vezes por semana. “Temos de transmitir-lhes a maior força para
eles poderem resistir. Estão condenados. Já sabiam que o seriam. E sabem que o
foram injustamente. A única coisa que fazem é resistir”, diz. “Felizmente foram
agrupados no mesmo bloco. Estão solidários entre eles e vão-se animando”,
conta. “Partilham a comida que vai chegando, o pouco que nós levamos.
Quando vamos levamos uma refeição reforçada.” Nos restantes dias, só comem
bolachas ou chourição e outros poucos alimentos autorizados.
No
dia em que foi condenado a quatro anos e dois meses de prisão,Mbanza Hamza perdeu
o irmão de sete anos. A criança morreu de febre-amarela nessa mesma
segunda-feira: 28 de Março. Só quatro dias depois a mãe, Leonor Odete João,
estava em condições de começar as visitas ao outro dos seus filhos, de 31 anos,
na prisão de Calomboloca.
A
viagem faz-se em quatro candongueiros (táxis colectivos) diferentes – de Luanda
para Viana, de Viana para Catete, de Catete para Calomboloca e de Calomboloca
para a prisão – e dura quatro horas na ida e outras quatro horas na volta.
“Aquilo é muito longe e fica muito isolado”, diz a mãe de Afonso Matias, que
escolheu para si o nome Mbanza Hamza, “Soldado Desconhecido”.
Antes
de ser detido no dia 20 de Junho de 2015, com a maioria dos outros activistas
que foram condenados, Mbanza Hamza trabalhava como professor numa escola depois
de concluir uma licenciatura em Engenharia Informática. “Na prisão, ele está a
perder tudo”, acrescenta. “Eles estão a perder tudo. Estão conscientes do que
estão a fazer, mas querem lutar até às últimas consequências, mesmo sabendo
isso.” Mbanza Hamza pediu para dar aulas na prisão, para que não lhe fosse
cortado o ordenado do Ministério da Educação, com que sustenta a mulher e os
dois filhos de cinco e dois anos, e a mãe. “Eu própria como mãe, dependo dele”,
diz Leonor Odete João.
O
único militar entre os activistas, Osvaldo Caholo, ameaçou suicidar-se
em protesto contra as condições na cadeia de Calomboloca. Denunciou que os
reclusos chegam a ter de beber água da sanita. “Falta de água, necessidades
fisiológicas colocadas em sacos de plásticos, alimentação deficiente, falta de
banhos de sol, colchões que ‘nem para animais devem servir’”: estas foram
algumas das queixas que escreveu há uma semana numa carta. Elsa Caholo, a irmã,
contou que entretanto Osvaldo Caholo, 33 anos, abandonou a hipótese de
suicídio, e escreveu uma nota a pedir desculpa pelo choque que possa ter
causado.
As
queixas, porém, mantêm-se. Apesar de ter sido construída recentemente, a cadeia
está com falta de água. Além de não haver água para beber e tomar banho, também
falta para o saneamento básico. Os reclusos “não têm condições para fazer as
necessidades, têm que pôr num saco e daí não sei onde põem”, contou Elsa sobre
o relato do irmão.
No
dia anterior ao julgamento, outra irmã de Osvaldo Caholo, que faria 40 anos,
morreu com paludismo. “A mãe tinha toda a pressão psicológica”, descreve Elsa.
A mãe Isabel Correia, que também foi visitar o filho na quinta-feira, lembra:
“É um momento dramático. Para além do Osvaldo, tive o óbito [da filha]. Depois
de enterrar a filha, na segunda-feira, tive o filho no tribunal e na terça-feira
tivemos que andar à procura em que cadeia ele estava.”
Sara
João Manuel, que na quinta-feira apanhou boleia de Mónica Almeida para visitar
o marido Fernando Tomás “Nicola Radical”, mecânico nascido em 1979,
queixa-se do mesmo: não há água, só deixam os familiares levar cinco litros
para os detidos e lá dentro, na cantina, é muito mais cara.
“Passa
o dia sem banhar. Ir na casa-de-banho é difícil, não tem água, não tem papel.”
O
casal tem dois filhos rapazes, de oito e três anos, e Sara João Manuel queixa-se
de que lhe bloquearam as contas bancárias.
Até
à cadeia demora três horas, mesmo com a boleia, e gasta uns 5000 kwanzas (27
euros) em transportes. “Ele é que me sustentava. Neste momento estou com
febre-amarela.” Quem a ajuda? Os irmãos.
Também Luaty
Beirão denunciou à mulher, Mónica Almeida, as condições precárias em que
se encontram. “Disseram que na segunda-feira iria um camião de água abastecer o
estabelecimento e, no entanto, até esta quinta-feira nada de água”, conta.
Desde
que chegaram, na semana passada, e até quinta-feira só tinham conseguido
apanhar sol duas vezes. Os detidos são obrigados a esperar que as visitas lhes
tragam de beber.
Lá
dentro, o esquema era agarrar em garrafas de plástico vazias, cortá-las,
virá-las ao contrário usando-as como funis para recolher a água da chuva.
Hospital-Prisão
de São Paulo
Nuno
Dala
Nuno
Dala, 31 anos, é o caso mais dramático: está em greve de fome desde 10 de
Março, há um mês. Não vai parar, segundo a mulher e a advogada. Detido no
Hospital Prisão São Paulo, em Luanda, sobrevive a soro, e o soro tem que ser
levado pela família, contou a mulher Raquel Chiteculo, pois os serviços não o
fornecem, queixa-se. “Está em cadeira de rodas, quando queria levantar dizia
que o coração batia rápido”, descreveu há dias ao PÚBLICO.
Dala
fez greve de fome em protesto contra o facto de as autoridades lhe terem
confiscado os seus bens na detenção, entre eles Bilhete de Identidade, cartão
bancário, computador, impressora, telefone, documentos e livros – terminado o
julgamento e ditada a sentença, as autoridades continuam, ainda hoje, na posse
de objectos pessoais dos activistas.
A
família – mulher e filha, uma irmã de 29 anos e um irmão de 11 anos – dependem
financeiramente dele. A renda da casa onde todos vivem está por pagar. A mulher
teve que se mudar para casa dos pais. Isto apesar de Nuno Dala ter dinheiro na
conta, fruto do seu trabalho como professor na área da Pedagogia.
Sem comentários:
Enviar um comentário