sábado, 29 de outubro de 2016

O CAPITALISMO É UMA FONTE DE INJUSTIÇA



Pelo bem da Europa, os social-democratas devem reconhecer que o capitalismo é uma fonte de injustiça

O antídoto para o nacionalismo populista sempre foi uma democracia social que reconhecesse a injustiça inerente das hierarquias de classe capitalistas

Douglas Voigt, Social Europe*

Apesar do risco de os nacionalistas populistas aproveitarem ao máximo o turbilhão do Brexit, a centro-esquerda britânica continua se recusando a repensar sua compreensão básica do capitalismo europeu. Desde 23 de junho, esta obstinação se reflete no contraste expresso implacavelmente por figuras da política e dos meios de comunicação como Peter Mendelson e Polly Toynbee, que dividem a Europa em duas: uma delas “aberta” e “apoiada em fatos”, regida pela livre circulação de capital, trabalho, bens e serviços, e a outra "fechada", governada pela reverberação de fantasias populistas. Esta narrativa iguala o nacionalismo xenófobo de Nigel Farage ao socialismo democrático de Jeremy Corbyn. No entanto, enquanto os primeiros já ganharam espaço no Partido Conservador e no poder, a centro-esquerda mergulhou os trabalhistas em uma luta pelo poder enquanto buscam defender a mesma compreensão "plausível" do capitalismo já rejeitada pela população. Isto sugere uma perigosa incapacidade de compreender a natureza da economia política contemporânea – uma fraqueza que remete às origens intelectuais do que tem sido chamado de "social-democracia neoliberal”.

Influenciada por estudiosos como Anthony Giddens e Anton Hemerijck e implementada por Tony Blair e Gerhard Schröder, a social-democracia neoliberal celebrou a chamada "nova economia" da década de 1990, concebida como o parâmetro objetivo de talento, produtividade e escolha do consumidor. O Estado democrático tornou-se subserviente ao capitalismo global nesta formulação, orientada apenas para tornar seus cidadãos investimentos mais atraentes através de flexibilização das leis trabalhistas, sistemas de bem-estar mais rigorosos e estruturas educacionais com foco no trabalho. Após uma extensa pesquisa de campo sobre os efeitos de tais políticas na Alemanha, minhas descobertas sugerem dois elementos importantes aplicáveis %u20B%u20Ba toda a Europa, que lançam luz sobre as razões da ascensão do nacionalismo populista hoje.

Em primeiro lugar, as relações de classe capitalistas claramente sobrevivem na chamada "nova economia", e rejeitar a luta de classes como bobagem marxista é uma atitude ignorante e autodestrutiva. A estrutura de classes tem origem na lei. Por exemplo, a política europeia que se desdobra da Direção-Geral da Concorrência protege os investidores privados da concorrência pública, independentemente da necessidade social de investimentos em uma determinada região. Isso deliberadamente aumenta o poder do capital privado em relação aos cidadãos sem ativos financeiros. Ao mesmo tempo, ao abandonar a política social ao método aberto de coordenação, a União Europeia incentiva efetivamente uma "guerra” entre os países em busca de tais investimentos. Ambos os mecanismos criam uma hierarquia no aparato legal entre grupos de pessoas, aumentando o poder daqueles que possuem bens em detrimento daqueles que vivem com benefícios governamentais ou são assalariados. Consequentemente, um modelo útil para a identificação de classe social não é o nível de renda, mas sua fonte. Embora seja mais complicado na prática, neste modelo analítico quatro classes básicas são distinguíveis: um, agentes financeiros focados em retorno de investimentos, tradicionalmente descritos comorentistas; dois, capital, que se concentra em gerar lucros com vendas; três, trabalhador, que obtém rendimentos de salários; e quatro,dependentes do estado de bem-estar ou da generosidade familiar. Este padrão de diferenciação social é parte integrante do capitalismo desde seu surgimento e perdura até hoje.

Dados recentes sugerem que esta estrutura de classe está se tornando ainda mais enraizada e desigual. Previsivelmente, rendas mais baixas torna mais intensa a luta diária para trabalhadores e dependentes, bem como para pequenas empresas, endividadas e competindo com grandes conglomerados ou fabricantes que  terceirizam sua mão de obra da China – não exatamente um modelo dedemocracia  ou direitos trabalhistas. Paralelamente a esta competição transnacional, as pequenas empresas são obrigadas a pagar sua dívida a "rentistas" globalizados que oferecem pouca flexibilidade e pouco compromisso com a comunidade. Em tal ambiente, o lucro assume primazia intensificada, obrigando as empresas a tratar os trabalhadores assalariados como ferramentas descartáveis, minando as normas sociais e a igualdade de respeito que sustentam a social-democracia capitalista. A promoção pela UE de flexibilidade trabalhista e da competitividade é, consequentemente, experimentada como inflexibilidade e intolerância em relação aos trabalhadores, cujas lutas, como conciliar diariamente trabalho e cuidado com os filhos, são cada vez mais ignoradas pelos empregadores. Estes justificam a postura citando as dívidas e a concorrência – uma lógica que começa de cima, a partir da lei da concorrência europeia. Dessa forma, a política da UE enriquece a classe rentista ao minar as normas sociais básicos que sustentam uma relação empregador-empregado produtiva e mutuamente benéfica – criando em seu lugar um sistema injusto e que agrava a desigualdade.

Uma segunda característica da social-democracia neoliberal é a moralização da participação no mercado de trabalho através de políticas de bem-estar. A participação no mercado de trabalho assalariado se torna um dever moral em si, em vez de um meio para alcançar outros objetivos, como a participação cidadã, o desenvolvimento cultural e a felicidade da família. Um conjunto de normas claramente protestantes em torno do conceito de trabalho passa a embasar praticamente todos os aspectos das políticas sociais – educação, assistência social, subsídios habitacionais, aposentadorias e imigração. O estado comunica, assim, aos seus próprios cidadãos, que o trabalho é a fonte de valor moral individual e a única via para um status social respeitável. Os trabalhadores se veem presos entre um discurso implacável sobre o imperativo moral do trabalho assalariado e empregadores que os tratam cada vez mais como ferramentas descartáveis. Isto é desmoralizante e enfurecedor. O desgosto é particularmente evidente entre indivíduos mais velhos, sem flexibilidade no mercado de trabalho por possuir uma casa, com habilidades que perdem valor com o tempo, e, acima de tudo, criados em uma época em que a lealdade entre empresa e trabalhador, Estado e sociedade, eram conceitos recíprocos e não unilaterais.

No entanto, apesar de serem apontados os problemas de desigualdade, ainda falta ver na Europa alguma tolerância com o que isso realmente significa na prática, com o pagamento do serviço da dívida para os rentistas globais tendo clara prioridade sobre a justiça social. Ao recusar-se a aceitar que o capitalismo pode sim ser inimigo da justiça social, perde-se um precioso tempo de luta contra o verdadeiro adversário. O problema da rejeição pura e simples da globalização e da União Europeia é, naturalmente, a miséria de ser governado por nacionalistas de direita. Sob a fachada da identidade nacional, limitam a liberdade de expressão e de escolha, a igualdade de gênero e a diversidade cultural, substituindo-as por tiranos mesquinhos que aplicam hierarquias raciais e de gênero, bem como modos de comportamento que refletem concepções estreitas de caráter nacional – como já ficou evidente para as minorias e as mulheres na Hungria e na Polônia.

O antídoto para o nacionalismo populista sempre foi uma democracia social que reconhecesse a injustiça inerente das hierarquias de classe capitalistas ao mesmo tempo que fossem reconhecidos seus benefícios para a liberdade pessoal e a produtividade econômica. Na prática, isto significa subordinar o poder de rentistas ao bem público e fortalecer as classes trabalhadoras. Consequentemente, fazem sentido as propostas de manter as leis trabalhistas e fortalecer a capacidade dos sindicatos de negociação coletiva negócio. Também faz sentido a eliminação dos regulamentos da UE que restringem o investimento público e recomenda a privatização dos serviços públicos. Tais políticas aumentam o poder estratégico dos trabalhadores, reduzem a dependência pública dos rentistas, e permitem que entidades públicas e privadas trabalhem em conjunto para produzir bens e serviços de valor social. No entanto, a legislação da UE impossibilita grande parte dessas políticas. O que é pior, os social-democratas neoliberais lutam para mantê-las fundamentalmente contra seus adversários políticos à esquerda – impedindo, na prática, a adoção das únicas medidas que poderiam salvar a UE do nacionalismo populista.

Se algo pode ser aprendido com o Brexit, portanto, é que a concepção benigna de capitalismo surgida na década de 1990 e ainda glorificada pela centro-esquerda (e pela centro-direita), geralmente descrita como neoliberalismo, está morta e estava errada. Em vez disso, a concepção baseada em classes que construiu a social-democracia do pós-guerra está muito viva e presente na vida quotidiana dos cidadãos. Ao simplesmente aceitar isso, os líderes da União Europeia e os políticos de centro-esquerda podem se aliar com a esquerda para salvar tanto a UE como o Reino Unido do populismo nacionalista, reformando ambos em busca de uma ordem econômica que promova a igualdade, com o fortalecimento das classes trabalhadoras e da democracia econômica. 

Tradução de Clarisse Meireles

- Douglas Voigt é professor assistente na Oxford Brookes University, no Reino Unido, e membro do Post-Growth Societies College, da Friedrich-Schiller-University of Jena, na Alemanha.

*Carta Maior - Créditos da foto: reprodução

Bem-vindos à escravocracia



As guerras em curso não são, afinal, mais do que uma nova etapa da deslocalização e da desregulação dos mercados, medidas imprescindíveis para a ditadura global imposta pelo sistema neoliberal. Alguma dúvida?

José Goulão – AbrilAbril, opinião

Há quem se surpreenda e se declare até chocado quando alguém denuncia, escorado em indesmentíveis evidências captadas no mundo actual, que alguns dos mais influentes dirigentes mundiais têm comportamentos escravocratas, no seu afã de corresponder às exigências prementes e irrecusáveis dos grandes tutelares da economia transnacional e do casino financeiro mundial.

A reportagem transmitida esta semana pelo insuspeito programa «Panorama BBC», intitulada «Os Refugiados que fazem as nossas Roupas», poderia vir agitar as consciências de tais dirigentes e respectivos acólitos – se eles as tivessem – porque demonstra como é balofo e inconsequente o discurso sobre a primazia dos direitos humanos e a justiça das «guerras libertadoras» conduzidas pela NATO e suas divisões especiais, chamem-se «Estado Islâmico» ou «Al-Qaida».

Nessa reportagem, o jornalista britânico Darragh MacIntyre mostra crianças fugidas à guerra na Síria, e refugiadas na Turquia, fabricando roupas de algumas multinacionais da moda – Zara, Marks & Spencer, Mango, ASOS – e trabalhando 12 horas por dia, a 1,12 euros por hora. O jornalista teve que fazer a investigação e as filmagens de maneira clandestina, correndo riscos devido ao cariz ditatorial da «democracia» de Erdogan. Só desse modo conseguiu trazer à luz do dia este caso de ineludível escravatura. Ou não?

É um caso apenas, dirão alguns. O que tem isso a ver com os dirigentes mundiais? Perguntarão os mesmos ou outros.

Não sejamos ingénuos. O exemplo de trabalho clandestino, cujos muros o jornalista britânico derrubou, é um átomo de um submundo que todos sabemos existir e que vem ocasionalmente à superfície, como agora.

Assim como as marcas exploradoras não serão as únicas, bem longe disso.

Além disso, esta degeneração tem tudo a ver com os dirigentes internacionais, porque são estes que formatam o mundo de que são donos os grandes nomes da finança e da economia, sejam eles da moda ou de qualquer outro sector que pratica a selvática caça ao lucro. Além disso, não nos desviemos do significado principal deste caso minúsculo e, ao mesmo tempo, de grande envergadura.

A Turquia é um pilar do «mundo livre», um país na verdade associado à União Europeia e permanentemente na soleira da sua porta; é, sobretudo, um dos membros mais estratégicos da NATO e aliado operacional de todos quantos, a partir de Washington, Paris, Londres, Berlim, Telavive e Riade, destroem países do Médio Oriente em cadeia. Criando assim, entre muitas desumanas aberrações, um exército de trabalho escravo que exponencia, à custa de sangue e terror, os lucros da nata empresarial, como agora está definitivamente demonstrado.

Nos dias em que assistimos à vergonha franco-britânica da «selva de Calais», na qual as vítimas de conflitos provocados pelos governos francês e britânico são pudicamente tratadas por «migrantes», e não por aquilo que verdadeiramente são – refugiados de guerra –, ficou também à vista de quem quer ver um exemplo do uso que é dado aos milhares de desesperados em fuga do suplício que «os amigos» levaram aos seus países.

Quando surgirem notícias, aparentemente absurdas, como a do desaparecimento misterioso de 10 mil crianças refugiadas de guerra, já depois de terem sido registadas à entrada da Suécia e de Itália, poderemos adivinhar, sem qualquer risco de erro, um dos destinos possíveis dessas vítimas. Não consta que a nuvem sempre crescente de autoridades policiais e aparentadas, que protege a Europa do terrorismo e da criminalidade inerente aos refugiados – segundo os discursos oficiais –, tenha já detectado o paradeiro desses misteriosos desaparecidos. Provavelmente, e pelo contrário, bons e empreendedores patrões das nossas praças financeiras estarão a par dos seus novos endereços e actividades.

Sabemos que são muitas as vantagens económicas, financeiras e estratégicas das guerras em curso do Afeganistão à Líbia: vantagens para os que continuam a somar milhões graças aos bons ofícios dos governos que as patrocinam e da instituição militar que as executa – a Aliança Atlântica. A todos esses benefícios juntemos a possibilidade de usufruir de trabalho escravo puro e duro, algo de que já a punição austeritária dos povos europeus era (e é) uma aproximação.

As guerras em curso não são, afinal, mais do que uma nova etapa da deslocalização e da desregulação dos mercados, medidas imprescindíveis para a ditadura global imposta pelo sistema neoliberal. Alguma dúvida?

Parlamento Europeu quer definir a democracia e multar quem não a cumprir



Numa altura em que finaliza negociações comerciais com o Canadá em segredo

O Parlamento Europeu aprovou um relatório que pretende condicionar o conceito de democracia e propõe a aplicação de multas financeiras a quem não o cumprir. O PCP foi o único partido português a votar contra.

O relatório propõe alargar o alcance do actual artigo 7.º do Tratado da União Europeia, que prevê a suspensão dos direitos de voto no Conselho para casos de violação de «valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias». A intenção é introduzir multas financeiras aos estados-membros que o Conselho e o Parlamento Europeu decidam estar nessa situação.

É também expressa a intenção de harmonizar os direitos fundamentais, nivelando-os por baixo em relação a países como Portugal, cuja Constituição da República é mais avançada, nomeadamente no plano dos direitos sociais e de trabalho.

O ponto relativo ao artigo 7.º foi aprovado com os votos a favor de todos os partidos portugueses à excepção do PCP. Na votação final, CDS-PP e BE abstiveram-se.


Hoje acertamos relógios. Há um século que o fazemos, sabe porquê?





Esta noite vai poder dormir mais uma hora, mas sabe porquê? E o que tem o vocalista dos Coldplay a ver com isto?

Na passagem de 29 para 30 de outubro os relógios vão atrasar uma hora, dando início ao horário de inverno. Mas este ano a data é especial: há 100 anos que mudamos os ponteiros do relógio.

No outono, a hora muda na madrugada do último domingo de outubro e na primavera os relógios adiantam uma hora na madrugada do último domingo de março.

A ‘culpa’ é do trisavô de Chris Martin, vocalista dos Coldplay. William Willett, membro da Sociedade Astronómica Real do Reino Unido, teve a ideia de mudar a hora no verão e reacertá-la no outono em 1907, com o seu trabalho ‘The Waste of Daylight’ (‘O desperdício de luz do dia’) escreve o Metro.

O britânico passou grande parte da sua vida a tentar convencer a sociedade a adiantar os relógios na primavera, de forma a aproveitar melhor as horas de sol.

O horário ‘DST’, (Daylight Saving Time) chegou a ser debatida cinco vezes na Câmara dos Comuns e sempre chumbada por influência da comunidade científica, que se opunha à ideia.

O sistema acabou por só ser oficialmente implementado em 1916, pouco depois da morte de William Willett.

Este ano foi decisivo porque, em plena Primeira Guerra Mundial, se pensou que a mudança de hora podia contribuir para os esforços de guerra e melhorar a economia devido à poupança de carvão.

A Alemanha foi o primeiro país a aderir, seguida dos Países Baixos, Suécia e só depois o Reino Unido.

A ideia já fora antes aflorada por Benjamin Franklin, em 1784, e pelo astrónomo neozelandês George Hudson, em 1895, mas Willett é considerado o verdadeiro pai do Horário de Verão.

Em Petts Wood, perto de Londres, há inclusive um memorial em sua homenagem – um relógio de sol que nunca muda de hora e onde se lê “Horas non numero nisi sestivas” (“eu apenas digo as horas de verão”).

No entanto, se já está a festejar o facto de poder ficar mais uma hora na cama, saiba que esta alteração dos ponteiros do relógio traz "mais riscos que benefícios", segundo adverte a Associação Portuguesa de Cronobiologia e Medicina do Sono.

A prática de mudança de hora prende-se essencialmente a preocupações ecológicas e sociais, para fazer coincidir o horário de trabalho com as horas de luz solar, e não reúne consenso a nível mundial. Grande parte do globo opta por não alterar os relógios em função das estações do ano.

Na Europa só a Arménia, Bielorrússia, Geórgia e Rússia não atrasam os relógios uma hora na próxima madrugada nem os adiantam em março.

A União Europeia faz uma reavaliação desta prática de cinco em cinco anos. A próxima reavaliação deverá ser feita no próximo ano, para os cinco seguintes (2017-2021).

Tenho de atrasar a hora no meu telemóvel? Se tem um smartphone a resposta é não. Em regra, as horas nos telemóveis atuais mudam de forma automática, mas pode confirmar se a hora vai mudar no seu.

Se tem um iPhone vá a Definições – Geral - Data e Hora. Se tiver configurado como ‘Definir automaticamente’ a hora mudará sozinha durante a madrugada.

O mesmo no caso dos Android: Definições – Data e Hora. A opção ‘data e hora automáticas’ deve estar ativada.

Carolina Rico, em Notícias ao Minuto

PERNA CURTA



Pedro Ivo Carvalho* – Jornal de Notícias, opinião

Mentir é feio. E isso até as crianças sabem. Mentir no exercício de cargos públicos, além de ser feio, é grave. E isso, suspeito, até as crianças sabem. Mentir no século XXI sobre as habilitações académicas quando se vai para um Governo e se está tão exposto ao escrutínio, é apenas estúpido. Porque o mais certo é sermos apanhados mais depressa do que um coxo quando corre, desenfreado, em terreno escorregadio. No espaço de uma semana, um chefe de gabinete do secretário de Estado da Educação e um adjunto do primeiro-ministro foram forçados a abandonar os cargos por serem detentores de licenciaturas imaginárias. Três, para ser mais exato. O primeiro "enganou-se" em duas, o segundo "enganou-se" numa. Apesar de Sócrates e de Relvas, ainda há quem não tenha aprendido nada sobre escrita criativa nos currículos. Nuno Félix foi o distraído mais recente. E que distração. Não uma, mas duas licenciaturas-fantasma. O primeiro despacho de nomeação era claro: licenciatura em Ciências da Comunicação e licenciatura em Direito. Mas como a careca podia ser descoberta, editaram o documento: a "formação" dos cursos passou para "frequência" dos cursos. Aparentemente, Tiago Brandão Rodrigues sabia de tudo. O ministro da Educação. Da Educação.

*Pedro Ivo Carvalho é jornalista

A FRAUDE DE MAIS UM RAPAZOLA “DÓTOR” QUE AFINAL NEM SE LICENCIOU



Mário Motta, Lisboa

Mais um rapazote dótor que afinal nem se licenciou, agora neste governo de António Costa, como outro, o Relvas, no governo de Passos, Cavaco e Portas. E há mais? Pelo visto e repetido há muitos destes dótores. Não é por acaso que somos levados cada vez mais a não confiar naqueles pseudo detentores de canudos e na leva vão também os que suaram as estopinhas para se licenciarem de facto ou para mais além se doutorarem.

Os gajos dos colarinhos brancos estão com a fama pelas ruas da amargura à conta de tantos vigaristas que nos caem nos braços e nos regaços das donzelas paragonais dos jornais depois de desmascarados. Aliás, essa de os simplesmente licenciados se intitularem doutores e desse modo assim convencionarem e assim os intitularem – mesmo que o sejam com honestidade – e dos parvalhotes dos plebeus os chamarem e considerarem doutores, só vem provar que estamos sob o domínio de uma estratégia delineada por uma elite que até pode não saber quase nada mas que é vigarista e manipuladora mais que suficiente para convencer erradamente que sabe muito, que é competente por via das aptidões adquiridas universitáriamente e que teve uma vida académica esforçada quando afinal tal não corresponde à verdade. É assim que temos por aí esses tais Chicos Espertos ou bando de sacanas para os mais avisados e que já não confiam nesta cambada que se impôs e se acoita em alguns partidos políticos e suas ramificações. Doutor é quem completa o doutoramento, não os simplesmente licenciados. Deixem-se de caganças, que nem correspondem à realidade mas que falsamente convencionaram.

Licenciado era o meu cão enorme, dócil, honesto e amigo do peito. De uma fidelidade a toda a prova. Tinha licença, era licenciado. Isso foi antes, na era salazarista. Mas de alguns destes novos licenciados e/ou pseudo licenciados não se pode dizer que possuam tais qualidades. Uns quantos até caem nos governos e seguem descaradamente rumo político com o recheio da arrogância, da desonestidade, da infidelidade aos que os elegeram. Decerto que existem os que escapam ao escrutínio da comunicação social e usufruem de vidas de sucesso, com mordomias pagas por todos nós e o mais que vier de benefícios. Tudo isso, do melhor, apesar de serem dos pés à cabeça grandes fraudes e gente guardada pela impunidade.

A seguir, mais um caso além Relvas e outros que tal. Trazemos o que consta na TSF, mais completo pode encontrar no Observador, que aliás foi autor da descoberta daquele fraudulento dótor. Mais um, entre tantos, como se estima que assim aconteça.

Para quem acabou de ingerir alimentos aconselha-se a que não se embrenhem demasiado nesta triste “história”… Pode causar vómitos. 

(MM / PG)

Um gabinete por um canudo

O antigo secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Wengorovius Meneses, confessa à TSF que só nos últimos dias no governo soube da mentira de Nuno Félix, um chefe de gabinete "imposto".

"A questão das licenciaturas nunca foi uma questão decisiva para a minha saída", assume o antigo secretário de Estado da Juventude e Desporto.

João Wengorovius Meneses confessa que "só soube (da mentira) dois ou três dias antes de sair que Nuno Félix não tinha uma licenciatura", isto numa altura em que já não falava com o ministro e no momento em que Tiago Brandão Rodrigues já tinha respondido "por mail que não aceitava a exoneração do meu chefe de gabinete".

Uma exoneração que João Wengorovius Meneses tinha solicitado depois de ter perdido a confiança num chefe de gabinete escolhido pelo ministro.

"Recebi o chefe de gabinete em boa fé", mas com o passar dos dias a relação degradou-se e "quando comunico ao ministro a intenção de substituir o chefe de gabinete o ministro impede-me de o fazer".

Em declarações à TSF, o anterior secretário de Estado da Juventude e Desporto, João Wengorovius Meneses explicou que "a razão principal para querer substituir Nuno Félix na função de chefe de gabinete era a sua impreparação para a função."

"Eu não tinha total confiança politica nele e não sentia total lealdade da parte dele, a toda a prova", sublinha.

João Wengorovius Meneses adianta que "na reta final. Nos últimos dias que antecederam a minha saída tomei conhecimento de aspetos que agravaram os motivos" de desconfiança inicial. "Houve uma terceira dimensão que foi o facto de eu tomar conhecimento que ele não tinha uma licenciatura", como afirmava.

"Tive conhecimento disso (da mentira) por via da minha jurista. Mas, nunca comuniquei formalmente ao ministro o facto de Nuno Félix não ter uma ou duas licenciaturas".

João Wengorovius Meneses diz mesmo que pensou que o assunto estaria encerrado com o fim das suas funções no governo, porque quando sai um governante sai todo o gabinete, mas neste caso, o chefe de gabinete, Nuno Félix, foi reconduzido pelo novo secretário de Estado, João Paulo Rebelo

TSF - entrevista de Rui Silva

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