A
luta contra a caça ilegal em Moçambique está a registar progressos, centenas de
caçadores ilegais têm sido detidos porém não existe um único traficante ou
comprador detido porque a Lei de Protecção, Conservação e Uso Sustentável da
Diversidade Biológica só prevê penas de prisão maior para aquele que abater sem
licença. À pedido das autoridades do Ambiente e da Procuradoria-Geral da
República a Lei 16/2014 foi revista pela Assembleia da República, em Novembro
passado, passando a punir com cadeia todos envolvidos directa ou indirecta na
devastação de qualquer das espécies protegidas da Fauna e Flora. Porém até hoje
a Lei Revista e aprovada por aclamação não foi enviada para a promulgação do
Presidente Filipe Jacinto Nyusi, permitindo que os traficantes, mandantes e
compradores continuem impunes. O ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento
Rural pensa que o dispositivo já foi promulgado.
Poucos
leitores não se recordarão da maior apreensão de troféus da caça furtiva em Moçambique,
em Maio de 2015 um cidadão chinês foi encontrando com 340 pontas de marfim e 65
cornos de rinoceronte numa residência luxuosa na cidade da Matola. Também se
lembrarão que os cornos de rinocerontes foram roubados do Comando Provincial
da Polícia da República de Moçambique(PRM), por agentes de diferentes
unidades policiais. Os troféus que sobraram foram incinerados publicamente num
evento de muito mediatismo nacional e internacional.
Entretanto
o cidadão chinês detido com os troféus, identificado pelo nome de Ching Dai,
desapareceu. “Andei a perseguir quando é o julgamento, tinha sido marcado para
5 de Novembro e nada, desapareceu o réu e o Tribunal já não responde” revelou
ao @Verdade o chefe do Departamento de Fiscalização da Administração Nacional
das Áreas de Conservação (ANAC), Carlos Lopes Pereira.
Em
conexão com o roubo no comando foram detidos um inspector da PRM que também era
chefe da brigada da Polícia de Investigação Criminal, um inspector principal da
PRM; um subinspector da PRM, um sargento da PRM, um funcionário da Direcção
Provincial de Terra Ambiente e Desenvolvimento Rural na Província de Maputo, e
ainda dois civis. Não há informação sobre qualquer um deles ter sido julgado e
responsabilizado pelos crimes.
“Temos
uma Lei que privilegiava o traficante, condenava a 12 anos o furtivo, mas o
traficante podia sair pagando uma fiança” explicou ao @Verdade Carlos Lopes
Pereira.
O
chefe do Departamento de Fiscalização da ANAC aclarou que além da Lei 16/2016
só punir os caçadores com prisão maior o Tribunal Supremo determinou, através
de um Acórdão existente há alguns anos, que todos os crime são caucionáveis. “O
caçador furtivo é apanhado com arma, com o troféu mas como o juiz lá no mato
cauciona e ele sai e desaparece. (Os juízes) aplicam este princípio até aos
vietnamitas que são estrangeiros”.
Justiça
permissiva a manobras nos distritos que deixam caçadores ilegais e traficantes
impunes
Mesmo
quando são detectados pelas autoridades nas cidades, “os estrangeiros conseguem
fugir do aeroporto internacional de Mavalane, ou são detidos e presos mas vai
ao juiz de instrução que dá caução, ele paga e sai, entram num carro e vai-se
embora”, acrescentou o nosso entrevistado que não tem dúvidas “esse uso e abuso
resulta naquilo que nós estamos a ver de não termos praticamente indivíduos
detidos inclusive estrangeiros”.
O
responsável pela Fiscalização da Administração Nacional das Áreas de
Conservação disse também que mesmo quando as cauções são de vários milhões de
meticais isso não é um problema para os traficantes e compradores, o quilo de
um corno de rinoceronte custa entre 60 a 100 mil dólares norte-americanos no
mercado final que é a China.
Lopes
Pereira afirmou ao @Verdade que a ANAC tem estado a trabalhar em parceria com a
Procuradoria-Geral da República, cuja sensibilidade para estes crimes evoluiu
consideravelmente. “Numa Área de Conservação nós detemos os indivíduos que
estão a violar a Lei, processamos esses indivíduos e entregamos a Procuradoria.
Havia um hábito mau de entregarmos a polícia local, é evidente que em muitas
destas ocasiões algumas vezes a detenção é feita com a polícia mas aquilo que
se chama auto de notícia é da responsabilidade do Administrador da Área de
Conservação”, declarou.
“A
ANAC faz a triangulação entre a Procuradoria e a Polícia de tal forma que o
indivíduo é detido preventivamente até o procurador dizer que há matéria”
todavia, de acordo com Carlos Lopes Pereira, “a estrutura da nossa Justiça está
de montada para que qualquer coisa que seja feita lá no distrito começa por lá
e isso permite imediatamente ali manobras incríveis, nem que seja a destruição
de provas. O furtivo sai pagando uma caução e desaparece, as vezes nem vai para
muito longe, por exemplo é o João Valoi quando o oficial vai a aldeia buscar o
Valoi existem lá vários, ele não tirou fotografia, não tirou impressões
digitais, essa capacidade não existe no distrito”.
Carlos
Lopes Pereira declarou ao @Verdade que durante o ano passado foram detidos 363
caçadores furtivos na área do Parque Transfronteiriço do Grande
Limpopo(constituído pelo Parque Nacional do Limpopo em Moçambique, Parque
Nacional do Kruger na África do Sul e o Parque Nacional do Gonarezhou no
Zimbabwe), contudo na parte moçambicana apenas foram presos 82 furtivos, que
poderão até já não estar detidos. Paralelamente, no lado sul-africano, estão
detidos 281 caçadores ilegais, dos quais 102 são moçambicanos.
Um
relatório da Agência de Investigação Ambiental(EIA, acrónimo em inglês) indica
que entre 2012 e 2014 foram detidos 539 caçadores ilegais em Moçambique, 17
pagaram multas, nenhum foi condenado a prisão.
Diante
deste cenário a Procuradora-Geral da República, Beatriz Buchili, reconheceu no
seu informe ao Parlamento, no ano passado, que a denominada “Lei da
Conservação” estava longe de fazer face à destruição em grande escala das áreas
de conservação e de animais protegidos e defendeu a sua urgente revisão pois a
Lei é “frágil, fundamentalmente, na punição menos severa de quem detém,
armazena, transporta ou comercializa espécies protegidas”.
Ministro
Celso Correia desconhece que a Lei Revista ainda não foi promulgada
O
chefe do Departamento de Fiscalização da ANAC recordou que entretanto a Lei
16/2014 foi melhorada e a sua Revisão aprovada pela Assembleia da República em
Novembro de 2016, só que até hoje não está em vigor pois não foi promulgada.
A
Lei Revista penaliza com pena de prisão maior de 12 a 16 anos e multa
correspondente aquele que abater, chefiar, dirigir, promover, instigar, criar
ou financiar, aderir, apoiar, colaborar, de forma directa ou indirecta, grupo,
organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando de forma
concertada, pratique conjunta ou separadamente o crime de abate ou destruição
das espécies protegidas ou proibidas da Fauna e Flora, incluindo as espécies
constantes na Lista dos Anexos I e II da CITES ou a exploração ilegal de recursos
minerais na Áreas de Conservação e zona de tampão.
Além
destes a Lei Revista ainda prevê igual pena de prisão para quem vender,
distribuir, comprar, ceder, receber, transportar, importar, exportar, fizer
transitar ou mesmo detiver os animais protegidos.
O
@Verdade questionou ao ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural,
Celso Correia, porque motivo a Lei 16/2014 Revista ainda não tinha entrado em
vigor, afinal outras que foram aprovadas pela Assembleia da República na mesma
altura e mesmo posteriormente já passaram pelo crivo do Chefe de Estado e foram
promulgadas.
“A
informação que tenho é que já foi promulgada”, declarou o ministro moçambicano
em conferência de imprensa após a VI Reunião que dos titulares do pelouro do
Ambiente dos Países integrantes do Parque Transfronteiriço do Grande Limpopo.
Diante
da inexistência de uma informação pública da promulgação o @Verdade contactou a
Presidência da República que revelou, “Nós ainda não recebemos a Lei do
Parlamento”, disse Arsénio Henriques, o Adido de imprensa do Chefe de Estado.
Adérito
Caldeira - @Verdade
Sem comentários:
Enviar um comentário