Mariana
Mortágua – Jornal de Notícias, opinião
Queriam
que ficássemos mais pobres, e o país empobreceu. Queriam-nos mais flexíveis,
mais baratos, e o país criou o seu batalhão de precários quinhentos-euristas.
Queriam-nos mais dóceis, e o país aguentou. Aguentou a troika e o Governo
Passos/Portas. Aguentou o ataque aos salários, os impostos e a humilhação.
Porque em terra de cristãos a culpa não morre solteira, a preguiça é um pecado
e os povos honrados pagam sempre as suas dívidas. Ou assim nos foi dito.
Tudo
o que Portugal recebeu desta Europa na última década foi autoritarismo e
austeridade. Uma terapia de choque sem qualquer fundamento económico ou
racional. Puro radicalismo ideológico misturado com uma boa dose de
preconceito. Afinal, as declarações de Dijsselbloem não são mais do que uma
interpretação rasca do discurso oficial da irresponsabilidade dos países do
Sul.
Se
excluirmos os juros, Portugal tem hoje o saldo orçamental mais elevado da
Europa. Demasiado foi sacrificado para obter esse resultado, mas dizem-nos que
não chega. O Banco Central Europeu quer agora sancionar o país pelos
desequilíbrios macroeconómicos. É claro que não importa para esta história que,
segundo as regras, o BCE não possa interferir com o poder político. E também
não interessa que, segundo o mesmo procedimento que o BCE invoca, a Alemanha
deveria ser multada. Sim, porque é tão desequilibrado o défice comercial em
excesso como é o excedente predatório. Não interessa nada. A Alemanha é
Alemanha, a França é a França, e em Portugal não chega.
Não
chega para o BCE nem para a Comissão Europeia, que veio ontem recomendar mais
cortes, mais permanentes. E também no sistema financeiro não chega. Não basta
vender uma parte do Novo Banco, querem garantir que o Estado não manda, mesmo
quando paga. Não chega, nem nunca vai chegar.
Pois
vai sendo tempo de dizer que uma Europa onde só cabe quem obedece é uma Europa
onde a democracia não chega, nem nunca vai chegar. E esse, sim, é o défice mais
insuportável de todos.
*
Deputada do BE
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