O
sistema capitalista, para não reconhecer a crise que o despedaça em frações
nacionais vitimadas pela promoção irresponsável do individualismo, da
competição à procura de lucro e do desprezo pela tendência humana à
solidariedade fraterna, comemora o Tratado de Roma que há 60 anos combateu a
guerra entre Alemanha e França.
Assim,
dizem orgulhar-se da paz criada entre duas nações que se tornaram aliadas
através do poder financeiro e militar. Assim ocultam que, para fortalecer
uma Europa rica, destruiram a URSS pela guerra fria, e através da NATO e seus
bombardeios, a Líbia, o Egito, a Siria, o Iraque, a Jugoslávia, a Ucrânia, e
vários povos do norte da África, para além de realizarem os programas
terroristas dos Estados Unidos que semeiam discórdias internas em paises
alheios, em todo o Oriente médio e norte europeu, em todo o mundo. A verdadeira
Paz, que só existirá com a independência dos povos a caminho do próprio
desenvolvimento, desapareceu até mesmo dos sonhos dos modernos governantes.
Os
discursos são desonestos ao fazerem uso de termos esvaziados dos seus
verdadeiros conteúdos éticos: democracia, solidariedade, estado social,
respeito humano, direitos sociais, paz, soberania, independência, justiça
social. Quem comemorou a queda da URSS provocada pela guerra fria que abriu
caminho para as ações internacionais mais inexcrupulosas - corrupção, crimes
acobertados oficialmente, banditismo generalizado, informações falsas,
violações de compromissos oficiais, promoção de anti-cultura nos órgãos de comunicação
social, etc - não é capaz de aceitar o direito da humanidade de optar por outro
sistema sócio econômico. Impõe os seus interesses mesquinhos de elite
privilegiada fazendo uso da mesma falta de excrupulos para iludir os seus
seguidores. Instituiram a negação dos princípios éticos liminarmente.
Não
é por acaso que um alto funcionário da União Europeia refere os países mais
pobres da Europa como irresponsáveis e dissolutos, que usam os apoios
financeiros "com mulheres e copos", como diria um inquisidor medieval
ou calvinista fanático. Ele está preocupado em descobrir o caminho das suas
moedas dentro dos limites da sua falsa moral, não o benefício social alcançado
por um povo que constrói a sua independência. A sua imaginação viciosa não
alcança para além do que vê na sua roda de amigos de elite. Que sabe êle da
produção nacional? Da educação e da saúde social? Da vida dos trabalhadores em
miséria?
Os
trabalhadores que aguentam os programas de austeridade é que têm fundamentos
éticos para criticar os devassos das instituições financeiras que usam
pessoalmente os recursos de todo um povo e jogam e roubam o que deverá ser pago
por quem trabalha duramente e vive em péssimas condições. Mas o calvinista
inquisidor Presidente do Eurogrupo não tem discernimento para tanto.
Os
seus valores são apenas os sonantes. Ética está fora do mercado.
Portugal,
país pobre e honrado
Em
Portugal, o golpe militar que derrubou a ditadura de Salazar/Marcelo Caetano em
1974 contou com duas intenções opostas: a de realizar a justiça social dando
condições ao povo para criar as bases do desenvolvimento social que tornariam
Portugal independente (tese da esquerda civil e militar) e a que pretendia
substituir uma fórmula política esclerosada de ditadura por outra versão
moderna idealizada pela Europa e Estados Unidos (tese da direita, do PSD e do
PS e Internacional Socialista).
O
PCP trabalhara clandestinamente, durante quarenta anos, junto aos trabalhadores
rurais e urbanos de todo o país pela consciência do seu papel condutor na
transformação nacional e os militares de esquerda apoiaram o Movimeno das
Forças Armadas e o seu líder Coronel Vasco Gonçalves que foi Primeiro Ministro
durante um ano e meio em que levou à prática as principais medidas soberanas:
fim da guerra colonial e libertação das colonias; nacionalização da banca e
instituições financeiras; criação do salário mínimo nacional e da legislação do
trabalho; fim do latifúndio e Reforma Agrária através de Unidades Coletivas de
Produção e Cooperativas geridas pelos trabalhadores sob supervisão do Estado
que assumia as propriedades e garantia os contratos de trabalho; nacionalização
das empresas de interesse do Estado; criação de sistemas nacionais de saúde,
educação e segurança social.
Com
a ameaça de guerra civil pela direita, o coronel Vasco Gonçalves foi
substituido por Mário Soares que legislou para destruir todo o programa de
esquerda. Restou a Constituição que fora assinada por todos os partidos, de
esquerda e de direita, como unico traço jurídico do que fora a utopia popular e
da esquerda comunista e democrática formada na luta contra 50 anos de ditadura.
Até
2016 os governos eleitos alteraram PS e PSD, ambos comprometidos com as
políticas determinadas pela União Europeia que foi injectando financiamentos
para que Portugal tivesse estradas suficientes e de qualidade para a circulação
de mercadorias recebidas nos seus portos, e grandes superfíceis comerciais
estrangeiras contruiram os seus armazens modernos que venceram facilmente o
antigo comércio logista do país, agora só presente em pequenos centros urbanos.
A produção de vinho foi reorganizada, também para serem criadas grandes
empresas que absorvem as boas castas de pequenas produções. Muitas produções de
uvas e de laranjas foram destruidas por serem inadequadas ao padrão comercial
da CEE apesar de serem deliciosas.
Portugal
assumia a posição de marginal à economia europeia e aceitava a condição de
dependência que os ricos paises da Europa impuseram através dos investimentos
que geraram uma dívida incomportável para o seu PIB (gerida por bancos
nacionais e estrangeiros que desviaram grandes quantias para paraisos fiscais e
corrupção de funcionários do Estado) e o controle da Troika que limitou ao
mínimo as despesas com o desenvolvimento social. O ultimo Primeiro Ministro do
PSD, Passos Coelho, recomendou à juventude formada em Portugal que emigrasse.
Foi o que fizeram, levando o benefício da formação portuguesa para outros
paises que os contrataram. Mas este foi também o caminho de milhares de
desempregados e de tecnicos conceituados a quem mal pagavam no seu país. Foi
desertificado o patrimônio construtor do desenvolvimento nacional.
Falsa
riqueza desperta consciências
Diante
da austeridade insuportável, da fome que levou o pais a ter que criar a
distribuição de alimentos sob a forma de caridade que humilha a população
trabalhadora, a subalimentação das crianças e idosos, os casos de suicídio e
doenças agravados pela miséria, a população seguiu a liderança do PCP, dos
Verdes, da Intersindical, do Bloco de Esquerda, de várias Associações
democráticas e de esquerda, e encheu as ruas de protestos que abalaram algumas
consciências até mesmo conservadoras. A eleição em 2016 alterou a composição
das forças políticas do Parlamento elegendo uma maioria de esquerda. Apesar de
o PSD ter obtido o maior número de votos porque se coligara com o CDS de
direita, a maioria parlamentar indigitou o candidato do PS para Primeiro
Ministro. Venceu a maioria de esquerda que fez a Revolução dos Cravos, dentro
de uma Europa amordaçada.
Toda
esta mudança foi proposta pelo Secretário Geral do PCP em diálogo com as demais
forças políticas de esquerda para surpresa até mesmo do PS (ou da direita
socialista eternamente anticomunista). Mas prevaleceu e encontrou uma nova
camada socialista que recomendava ao PS que "fizesse a sua
autocrítica" () e assumisse uma postura coerente com os princípios
democráticos que diferiam dos da UE. A direita, demorou a aceitar a realidade,
que o Poder Judiciário precisou comprovar como válida a opção do Parlamento
onde foi constituida uma aliança da esquerda com o PS, deixando a direita como
oposição. Os radicais da direita deram o nome de "geringonça" que
combinava o que eles pensavam ser esquerda e direita.
A
realidade é outra, mais profunda, que supõe a necessidade do PS de não se
deixar engolir pela UE que está dominada pelos EU e vendida ao poder financeiro
mundial em crise. Supõe, por outro lado a dialética que abre oportunidades a
novas maneiras de ver o processo político que, tal como está, pode escorregar
para o caos planetário. Muita gente percebe que a ganância impede o equilíbrio
entre a classe trabalhadora e os empregadores que gostam de ser ricos, mas em
uma sociedade equilibrada onde a elite inútil e esbanjadora não agrada a
ninguém. É uma mentalidade mais objetiva e empreendedora, que conserva a ética
como princípio no relacionamento humano.
O
desafio para eles é tentar cumprir todos os compromissos com a esquerda, sem
perder o apoio dos sociais democratas na UE. Não é fácil, mas para quem
acredita na luta, não é impossivel.
Até
agora a chamada "geringonça" tem sido uma aliança crítica porém
cautelosa para dar tempo às mudanças que poderão ocorrer entre os
conservadores, graças à dialética. Não se pode esquecer que a UE está em crise,
que a Inglaterra se afastou da União Europeia, que o pagamento das dívidas têm
levado os países à miséria e à perda da soberania (como foi o caso da Grécia),
que o problema dos refugiados das guerras é crescente e ameaçador para o fraco
equilíbrio social, que o corte aos orçamentos de serviços sociais agrava as
tensões internas em todos os países e acentua as carências, que o aumento das
grandes fortunas beneficiadas por tráfico de capitais mal fiscalizados levanta
uma onda de justa indignação e a queda da credibilidade das instituições
financeiras e de justiça nacionais na UE, que a eleição de Trump tornou
inseguro o equilibrio entre a UE e os EU e ameaça a criação de um ambiente de
paz mundial.
Paulo
Portas, ex-Presidente do CDS, da direita radical, escolheu um nome (que lhe
pareceu pejorativo) de "geringonça" para o que lhe parecia uma
aliança entre um PS - da direita social democrata europeia - com a esquerda
comunista somada aos Verdes, e ao Bloco de Esquerda (que reune ex-radicais de
esquerda e dissidentes do PCP).
Acontece
que o termo "geringonça" explica uma realidade muito comum a quem
pensa, cria, luta e vence, sem recorrer aos financiamentos que impõem condições
ultrajantes ou a teorias escritas em economês que poucos digerem. Corresponde à
realidade de um país pobre, de rica história passada, que fez uma revolução de
meta socialista em 1974 e construiu uma reforma agrária estudada e admirada
internacionalmente, inclusive pela FAO, produzindo a Constituição Nacional mais
avançada da Europa. Deixou uma população com consciência de classe, que foi
traida pela direita (de vários partidos), a qual vendeu a Pátria por milhões de
euros que voaram para não se sabe onde, deixando-a sem produção própria e
curvada à vassalagem dos ricos paises que financiam boas estalagens para aqui
gozarem férias com boa comida e muito vinho.
Este
quadro transformou o próprio PS, sobretudo uma juventude honesta que ali
cresceu valorizando os conceitos de socialismo, democracia, justiça social, e
conhecendo o vigor da população no 25 de Abril e o sofrimento depois de traida
e tornada vítima da dívida bancária cobrada pela UE. Não se sentiram diminuidos
por participarem da "geringonça" que defende os trabalhadores que não
deixam de lutar pelos seus direitos, os estudantes que exigem melhores
condições de ensino, os idosos que reclamam o apoio da Previdência e um sistema
de saúde para todos.
A
"geringonça" funciona porque à esquerda existe ética e as palavras
não falseiam o conteúdo para efeito eleitoral. Não há oportunismo como é hábito
da direita gananciosa. Importante é a admiração desta fórmula por outros países
para impedirem a eleição de fascistas nas próximas eleições.
1
- citação do discurso de abertura do Congresso do PS em Aveiro, 2013
*Zillah Branco - Cientista social, consultora do Cebrapaz. Tem
experiência de vida e trabalho no Brasil, Chile, Portugal e Cabo Verde
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