Bernardo
Ferrão | Expresso | opinião
Haverá
um antes e um depois do incêndio de Pedrógão para o Governo de António Costa?
Há, sem dúvida.
No
ano e meio que já leva de chefia de Governo, Costa conseguiu somar uma alta
popularidade. Não era fácil para alguém que não ganhou as eleições e a quem a
direita teimava em chamar “primeiro-ministro ilegítimo”. Mas além das
conquistas alcançadas na frente económica e política, o primeiro-ministro
trouxe a confiança que faltava aos portugueses.
Só
que depois de Pedrógão um novo filme começou a correr. Na entrevista que deu à
TVI, Costa quis fazer o chamado “damage control” e responder aos “porquês?”,
mas saltou à vista o seu desconforto. A falta de confiança na atuação das
autoridades. Logo ele, ex-ministro da Administração Interna, que sabe como
poucos o que é lidar com fogos desta dimensão.
As
coisas não correram bem e Costa não pôde deixar de admitir o óbvio: houve
descoordenação no terreno. Mas, sublinhe-se, a situação foi de tal forma grave
e rápida no tempo que redundou numa série de acontecimentos que correram da
pior forma. Um exemplo perfeito da Lei de Murphy. Ainda sem culpados.
Não
se trata aqui de apontar o dedo a ninguém. Haverá certamente culpas mas essa é
tarefa da investigação. No entanto, acredito que depois de Pedrógão a vida
deste governo não será exatamente a mesma. O nível de tolerância com o
Executivo será menor. É difícil imaginar como será a reação do país se, nos
próximos meses, surgirem novas mortes em incêndios descontrolados. Reparem que
o verão ainda mal começou.
Dirá
o leitor que estou a agoirar. Nada disso! O que vos falo é de um historial que
conhecemos de cor. Décadas de incêndios, ano após ano, e de erros sistemáticos
que nunca são corrigidos apesar das muitas promessas que se fazem quando as
cinzas ainda estão quentes. Vejam a vergonha do SIRESP: custa uma fortuna mas
serve-nos de pouco. O Estado já nos falhou muitas vezes, mas desta vez foi
diferente. Há 64 mortos e mais de 200 feridos. A nossa confiança esmoreceu.
Num
artigo duro sobre o que se está a passar em Portugal, o correspondente do “El
Mundo” escrevia que esta tragédia pode por fim à carreira política de António
Costa. A profecia parece-me claramente exagerada, mas toca numa questão que
está ainda adormecida no debate: quais são as consequências políticas? É lícito
concluir que se fosse com outro Governo, e sobretudo com outra oposição, a
discussão política já teria subido de tom. A ausência e a fragilidade política
de Passos Coelho, o discurso alinhado das esquerdas - que agora até “rezam”
pela chuva - e os abraços “reconfortantes” de Marcelo no terreno têm evitado a
contestação ao poder político.
Sim,
ao poder político. Na verdade, não podemos olhar para o que se passou e
concentrar as nossas acusações apenas e só na liderança de António Costa. As
culpas repartem-se por quem nos governou nos últimos anos de mão dada com
muitos interesses: o PS de António Costa esteve lá mas também o PSD de Passos
Coelho. Fizeram-se muitas leis, mas faltou um olhar de conjunto para este
enorme problema. O desígnio nacional que não existiu não pode agora ser
resolvido à pressa como quer Marcelo no seu afã de agradar ao povo (e ficar bem
na fotografia). 64 vidas… O verão será de tolerância zero para António Costa.
Agora
é ele que representa o Estado, que uma vez mais não nos soube proteger.
Foto Reuters
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