Martinho Júnior | Luanda
1-
O final de Junho de 2017 trouxe a expressão da nova configuração geoestratégica
na Síria, com as Forças Armadas da Síria a sair da guerra das cidades, para os
espaços abertos e desérticos, a sul, leste e norte (até ao Eufrates), apostadas
em chegar à fronteira e cobrir todo o espaço nacional.
De
facto há como antecedentes dois momentos fundamentais que reverteram o esforço
militar a favor do estado sírio:
-
A implicação russa e iraniana, a partir de Setembro de 2015, que resultou no
reforço, reformulação, reorganização e vocação geoestratégica das forças a
favor do estado sírio;
-
A vitória no leste de Alepo, em Dezembro de 2016, sobre as forças das coligações
rebeldes, a forma de “esclarecer” os apoios ocidentais de que a
guerra na Síria estava perdida para aqueles que apoiavam as tão fragmentadas
forças rebeldes de oposição, (algumas delas autênticos artifícios dos vínculos
externos que as criaram e incentivaram).
2-
A partir de então, as Forças Armadas Sírias ganharam consistência nas linhas
que foram criando, isolando bolsas de rebeldes e orientando seu esforço militar
sobretudo contra o Estado Islâmico e os sucedâneos da Frente al Nushra (filiais
da Al Qaeda).
As
linhas das Forças Armadas Sírias foram-se consolidando de sul (Damasco) para
norte (Alepo), começando por dominar as grandes cidades para depois poderem
partir para a retoma do território esmagadoramente desértico, ou semidesértico,
enquanto a fragmentada oposição armada perdia apoios no exterior, dissolvia-se
nas suas múltiplas contradições internas, iam-se confinando em bolsas de
difícil consistência e permitiam que fossem o Estado Islâmico e os agrupamentos
sucedâneos da Al Nushra a assumirem os encargos reais da guerra frente ao
estado sírio, até por que eram os únicos agrupamentos funcionais em termos de
organização, em função de suas férreas ideologias, tal como dos meios que
conseguiram grangear para fazer a guerra.
Em
2016 também se assistiu a outro volte face favorável ao estado sírio: a Turquia
aproximou-se dramaticamente da Rússia, o que passou a ser determinante para o
fim das linhas de logística que apoiavam o Estado Islâmico a norte,
contribuindo para o seu progressivo isolamento e a possibilidade de ele ser
irreversivelmente acossado no nordeste do Iraque (Mossul), como na Síria.
Nesse
xadrez, a “coligação” entrou também em perda, pois a Turquia, membro
da NATO, iniciou uma deriva que em muitos aspectos é já uma ruptura em relação
àquela organização: enquanto os Estados Unidos apoiam os curdos de Rojava
(ligados ao PKK que actua ilegalmente e com guerrilha dentro da Turquia), a
Turquia combate os curdos e está convergente com a Rússia e o Irão como nunca
antes esteve.
…A “coligação” sob
liderança dos Estados Unidos na Síria, deixou de ter razão de existir!...
Em
reforço dessa ruptura a frente aberta pela Arábia Saudita, por instigação dos
Estados Unidos, em relação ao Qatar, fragmenta ainda mais os estados
componentes da “coligação”, submersos num mar de múltiplas contradições e
indecisões.
A
evolução da situação reverte-os para uma defesa de interesses desconexa e
desregrada, com perda de iniciativa geoestratégica.
3-
Nos próximos meses vai-se assistir à retoma do território sírio até às
fronteiras sul e leste pelas Forças Armadas Sírias e seus aiados no terreno
(Hezbolah e iranianos), isolando paulatinamente os focos principais de
resistência do Estado Islâmico e dos sucedâneos da Al Nushra, que verão
diminuir suportes a partir do exterior, por colapso de suas fontes de
financiamento.
Mesmo
no sul isso já se está a verificar: Israel fez o que pôde a partir dos montes
Golã e os Estados Unidos, a partir da Jordânia… ambos vão evitar uma escalada
de confrontações com as Forças Árabes Sírias, que poderia levar a uma
intervenção russa-iraniana-turca de consequências adversas.
Para
cúmulo das perdas da “coligação”, de acordo com notícias divulgadas pela
Debka Files (a conformar essas notícias), a Rússia decidiu abrir uma nova base
aérea a sul de Damasco, emKhirbet Raes al-Waer, que transformará todo o
panorama geoestratégico a sul e sudeste, a favor do estado sírio.
Perdida
a Guerra, a oposição enfraquecida e fragmentada terá muitas dificuldades em se
apresentar “moderada” (?) à mesa de conversações com credibilidade,
legitimidade e força política, restando resolver a questão curda, com
implicaçoes na fronteira comum sírio-turca e nas conjunturas internas de ambos
os países.
Também
aí a “coligaçao” terá muitas dificuldades em alimentar os seus
interesses, até por que Rojava poderá ser a única expressão capaz de encontrar
soluções a contento, face à Turquia, como face à Síria e, se não encontrar face
à Turquia, ver-se-á a braços com dificuldades militares crescentes que a poderão
levar a uma confrontação com fortes consequências para os curdos, dentro e fora
da Turquia.
4-
As soluções militares estão a esgotar-se, por parte da fragmentada oposição
rebelde “moderada”e armada a partir do exterior; desse modo as soluções
políticas que poderiam encontrar, são cada vez mais estreitas, no quadro do
tabuleiro das negociações e os que são apenas artifícios, sem forças no
terreno, desaparecerão também por aí, sem dignidade, nem ética, nem qualquer
tipo de viável representatividade.
Os
países da “coligação” tendem a abandonar esses “resíduos” duma “primavera
árabe” que o não foi à sua sorte e procuram agora, mais que nunca,
encontrar novas fórmulas para segurarem seus interesses.
A
derrota é de tal ordem que a Rússia já reatou o projecto dos oleadutos e
gasodutos “Turquish Stream”, um sinal favorável para as iniciativas “belt
and road”, no quadro das novas rotas da seda.
Até
ao final do corrente ano, as transformações geoestratégicas a favor do estado
sirio vão-se evidenciar e depois tudo vai passar para o crivo sócio-politico
duma vulnerabilizada democracia, de onde nunca deveria ter saído.
Ilustrações:
Mapa da situação a 30 de Junho de 2017; Mapa da situação em finais de 2015;
Próxima base aérea russa em Kirbet Ras al-Wa’r (notícia do Debka Files, de
Israel, a confirmar); Ofensiva da Força Árabe Síria e aliados (Hezbolah e
iranianos), no sul do país (em curso).
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