O
MP concluiu que não merecia credibilidade a versão da PSP sobre a detenção no
bairro de um dos jovens agredidos
A
Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) fez a reconstituição da detenção
de Bruno Lopes, um dos seis jovens depois agredidos na esquadra de Alfragide em
2015, na rua errada da Cova da Moura. De acordo com a investigação do
Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da Amadora e da Unidade
Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da PJ, essa detenção aconteceu num local e
de modo diferente ao descrito pela PSP e foi a versão dos agentes desta força
de segurança que a IGAI deu como certa para a reconstituição.
Esta
detenção, a 5 de fevereiro de 2015, viria depois a desencadear as restantes
detenções de outros quatro jovens que se dirigiram à esquadra para saber do
amigo, acabando por ser vítimas, de acordo com a acusação, conhecida nesta
semana, do Ministério Público contra 18 agentes da PSP pelos crimes, entre
outros, de tortura, sequestro, ofensas à integridade física, motivados por ódio
racial, bem como denúncia caluniosa e falsos testemunhos.
No
âmbito dos processos disciplinares e a pedido da defesa dos polícias, a IGAI
deslocou-se à Cova da Moura cerca de nove meses depois desses incidentes para
reconstituir a primeira intervenção policial na Avenida da República, onde a
PSP contara que uma viatura policial tinha sido atingida por pedras atiradas
por um grupo de dez jovens, entre os quais o detido, tendo sido partido um dos
vidros e ferido um agente. A reconstituição, relatou o Correio da Manhã na
altura, contava com um procurador do MP e um aparato de segurança com 27
polícias, os quais "foram expulsos à pedrada" por desconhecidos,
obrigando ao seu cancelamento.
A
presença policial nesta rua causou, logo na altura, estranheza aos jovens
agredidos, que já tinham apresentado a sua versão, a qual vem agora o MP
confirmar. O relatório da IGAI, sublinha o MP, salienta que no local onde na
versão da PSP, a detenção se realizara não havia pedras soltas e "era
altamente improvável que alguém trouxesse pedras soltas para ali". Os
investigadores da UNCT demonstram que, "no que respeita ao local e ao modo
dos acontecimentos narrados no auto de detenção de Bruno Lopes, é completamente
inverosímil a versão do auto". E explicam porquê: "Se porventura uma
pedra tivesse sido arremessada contra a viatura policial, resulta das regras da
experiência que o motorista teria de imobilizá-la, o que levaria ainda alguns
metros (...) e com toda a certeza que a pessoa que a tivesse arremessado não
ficaria à espera que os agentes saíssem da viatura, fugiria de imediato de
forma a evitar ser detido pela polícia, e não seria seguramente alcançada em
15/20 metros, como se refere no auto, tanto mais que a rua onde os factos
alegadamente ocorreram era íngreme, o detido - Bruno Lopes - trata-se de um
jovem de 24 anos, magro, conhecedor da arquitetura do bairro, pelo que
rapidamente se colocaria em fuga e se esconderia, enquanto os agentes teriam de
esperar que a viatura em que seguiam se imobilizasse e teriam de correr
equipados numa ladeira íngreme, o que não lhes permitia alcançar a pessoa que
tivesse arremessado a pedra ou o objeto nos 15/20 metros referidos pelos
agentes denunciantes."
A
reconstituição da IGAI não seguiu a narrativa de Bruno Lopes e que o MP
considerou como verdadeira, também em relação à detenção propriamente dita.
Segundo a PSP, este resistiu e agrediu um agente, mas a investigação judicial
diz que quando foi detido, junto a um café do bairro, "estava sozinho, não
fazia parte de qualquer grupo e na data e hora dos factos não estava na Avenida
da República, nem sendo da sua autoria o arremesso de pedra ou do que quer que
fosse à viatura policial". Aliás, é acrescentado no despacho de acusação
contra os agentes que quando a viatura policial ali chegou "não
apresentava qualquer vidro partido", como confirmado por 11 testemunhas.
Por outro lado, "os vestígios hemáticos deixados no local onde os factos
se iniciaram e resultantes da agressão" de que foi vítima Bruno Lopes
"estavam localizados na parede da habitação que faz esquina entre as ruas
do Chafariz e do Moinho, no bairro da Cova da Moura, e não no local a que o
auto de notícia faz referência.
O
DN pediu à IGAI esclarecimentos sobre esta reconstituição, designadamente se
tinha tido em conta não só a versão da PSP como também do detido, mas não
obteve resposta até ao fecho da edição. A IGAI acabou por sancionar dois dos
sete agentes-alvos de processo disciplinar por causa da sua participação nestes
incidentes. A falsidade de testemunhos nos autos que assinaram foi um dos
motivos para a sua suspensão, num caso, e transferência, noutro.
Valentina
Marcelino | Diário de Notícias | Foto: Filipe Amorim / Global Imagens
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